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Seg, 22 Agosto 2022 10:07

Entrevista Nota 10: Marcus Eugênio Oliveira e o estudo do racismo no Brasil

Convidado especial da palestra “Pesquisa e Teoria Psicossocial sobre Racismo no Brasil”, o professor doutor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) fala à Entrevista Nota 10 sobre pesquisa das questões raciais na psicologia


O professor Marcus Eugênio Oliveira Lima participará de evento no campus da Universidade de Fortaleza no próximo dia 24 de agosto (Fotos: Arquivo pessoal)
O professor Marcus Eugênio Oliveira Lima participará de evento no campus da Universidade de Fortaleza no próximo dia 24 de agosto (Fotos: Arquivo pessoal)

No próximo dia 24 de agosto, acontecerá a palestra “Pesquisa e Teoria Psicossocial sobre Racismo no Brasil”, às 9h, no auditório do Bloco H da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz. Parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) e o curso de Psicologia da Unifor, o evento trará como convidado o pesquisador Marcus Eugênio Oliveira Lima.

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Marcus Eugênio é referência nos estudos sobre racismo no campo da psicologia social. Ele é doutor em Psicologia Social pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-PT), com pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) e na School of Psychology da Universidade de Queensland, na Austrália.

O pesquisador se debruça sobre os temas preconceito e racismo desde 1998, período em que a questão racial ainda não era tão estudada na psicologia nacional, segundo ele. Marcus construiu uma sólida carreira com diversos trabalhos importantes na área desde então. Em 2021, foi um dos cinco finalistas do Prêmio Jabuti na categoria “Ciências”, com o livro “Psicologia social do preconceito e do racismo”.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, o ex-presidente da Associação Sergipana de Ciência fala sobre seus objetos de pesquisa e adianta um pouco do que será debatido na palestra da próxima semana.

Confira a entrevista completa

Entrevista Nota 10 – Com a evolução das discussões sobre o racismo na sociedade, hoje podemos perceber mudanças positivas no comportamento tanto da mídia quanto da população. Apesar dos ganhos ao longo dos anos, ainda debatemos cotidianamente casos de preconceito racial nos mais diversos âmbitos. É possível dizer que o racismo “mudou de forma” ou a conscientização social trouxe à luz novas configurações dessa problemática?

Marcus Eugênio – A gente tem assistido a mudanças constantes nas formas de expressão do racismo e, aqui no Brasil, de maneira mais evidente por conta de uma série de mudanças na conjuntura política do país, em que algumas ideologias mais conservadoras ascenderam ao poder. Elas fazem com que determinadas expressões de racismo, que as pessoas coibiam ou tinham vergonha de expressar publicamente, possam ser expressas em público. Isso é um fato com duas características marcantes no racismo: persistência e flexibilidade. O racismo persiste há anos em várias sociedades, não só na nossa, e ele é flexível para se adaptar às conjunturas históricas e políticas de cada contexto onde ele se expressa.

Um outro vetor importante dessa ressurgência de um racismo mais aberto no Brasil, mais flagrante e menos envergonhado – além da emergência de um certo conservadorismo, que de alguma maneira as pesquisas mostram que o conservadorismo político se vincula a um racismo em vários contextos, não só no brasileiro –, é o acesso da população negra e indígena a políticas públicas de emprego e cotas raciais de acesso às universidades. O que acontece com o racismo é que ele (como eu digo no meu livro publicado em 2020) é uma espécie de arma engatilhada que você usa a depender da situação, da necessidade, do contexto. Quando os negros e os indígenas no Brasil ocupavam, e ainda ocupam, posições bastante periféricas na esfera do poder, o racismo não precisava ser acionado. A gente adotava um tipo de preconceito que eu costumo dizer que é “paternalista”, parecido com o sexismo no preconceito contra as mulheres, em que você trata o outro aparentemente bem, tem emoções pseudo positivas em relação ao outro desde que o outro fique no lugar dele, aceite a dominação sem reclamar, seja um “bom escravo”, digamos assim.

O racismo volta com muita força e volta com expressões mais flagrantes, mais abertas, menos envergonhadas, animalizadoras, tipo chamar as pessoas negras de “macacos” (sic) ou tratar os indígenas de forma que infra-humaniza ou desumaniza. Essas expressões – da época antes da 2ª Guerra Mundial, do racismo científico até a primeira metade do século XX –, elas ressurgem agora porque encontram um contexto favorável que, por um lado, é alimentado por mais competição, uma vez que as políticas de ação afirmativa, de alguma maneira, criam mais espaço para as minorias racializadas. E alimentada também por um fenômeno relacionado a isso que é a expansão do conservadorismo, em que as pessoas começam a se incomodar com a perda de posições e querem retornar a valores e posições mais tradicionais, a uma forma de sociedade mais tradicional em que a posição dos grupos estava muito bem definida e muito hierarquizada.

Entrevista Nota 10 – Mesmo com o acesso facilitado à informação e a “vigilância” cada vez mais intensa das mídias sociais, continuamos a acompanhar relatos de situações e falas preconceituosas de anônimos e figuras públicas. A percepção que temos é de que essas atitudes têm se tornado mais recorrentes e as pessoas, menos receosas de assumir abertamente tais posicionamentos, principalmente na internet. Por que esse fenômeno vem acontecendo?

Marcus Eugênio – Você complementa algo que, de fato, é muito importante, que é o efeito das mídias sociais funcionando como verdadeiras caixas de ressonância. Atualmente no Brasil, muitos grupos percebem que não há racismo e que ele é muito mais um “mimimi”, uma vitimização dos grupos que são racializados. A gente chama isso de racismo re-vitimizador porque trata de uma vitimização secundária. O grupo é vítima de racismo e é culpado pela existência do racismo porque o racismo só existe, nessa lógica, na cabeça dos que são vitimizados pelo preconceito.

As mídias sociais também trazem um tipo de relação que é mais indireta, mediada por tecnologia, em que você não necessariamente está vendo as pessoas, discutindo com elas, ouvindo os argumentos delas. Isso permite às pessoas postarem coisas de todo tipo, de toda ordem e, muitas vezes, com perfis falsos, o que gera certo anonimato. Então, de fato, é um problema grande para o século XXI lidar com o fenômeno nas redes sociais.

Entrevista Nota 10 – No próximo dia 24 de agosto, o senhor irá ministrar a palestra “Pesquisa e Teoria Psicossocial sobre Racismo no Brasil” aqui na Unifor. Qual a importância de discutir o tópico no ambiente acadêmico, especialmente na psicologia?

Marcus Eugênio – Considero que é interessante porque algumas teorias clássicas da psicologia social têm muito potencial de uso, e utilizá-las na realidade brasileira, numa realidade diferente daquelas nas quais foram formuladas, tem uma dupla vantagem. Nos permite pensar a realidade brasileira a partir de um referencial que traz elementos de outras realidades e ver em que medida esse referencial se adapta e consegue analisar aquela realidade, ou em que medida ele não consegue analisar aquela realidade porque está ancorado no solo cultural muito diverso. Essa é uma vantagem. A outra vantagem é retornar às teorias de maneira que a gente possa ver as limitações delas, os elementos contextuais que dizem “essa teoria não lê o fenômeno em outro contexto além do qual ela foi formulada”. [Essas teorias] podem ser interessantes e importantes para ler, analisar e intervir para tentar mudar o racismo no Brasil.

Entrevista Nota 10 – Sendo um homem branco que estuda e pesquisa o racismo no país há muitos anos, como surgiu o seu interesse e a dedicação a esta pauta? 

Marcus Eugênio – O interesse surgiu porque, embora eu seja branco, nós pertencemos em alguma medida a grupos que são vítimas de preconceito e, muitas vezes, de um preconceito que se assemelha ao racismo. Eu, por exemplo, sou nordestino e existe um preconceito contra nordestinos. Então me interessei pelo tema do preconceito durante a graduação em psicologia na Universidade Federal da Paraíba (UFP) e depois, na entrevista com o futuro orientador de doutorado, ele colocou para mim três temas e eu preferi o do racismo, isso aí no finalzinho da década de 1990. O tema era muito pouco pesquisado pela psicologia nacional. Até porque também os negros não tinham acesso naquela época, quase nenhum, aos cursos de graduação das universidades públicas. As políticas de cotas começaram em algumas universidades ainda nessa época.

Entrevista Nota 10 – Você pode dizer qual é o papel da comunidade branca na luta antirracista?

Marcus Eugênio – São perguntas que eu me faço o tempo todo, muito importantes. O racismo é problema de todos, né? E o antirracismo também. Porque o racismo estrutura, do lado dos brancos, o fenômeno da branquitude, desses privilégios que a gente tem por ser branco e muitas vezes não percebe conscientemente. Mas que fazem com que eu seja tratado pela polícia, por exemplo, de maneira diferente do que um cidadão com a minha idade, a minha aparência física e a pele negra vai ser tratado pela polícia. Dá para mim uma série de acessos mais privilegiados numa sociedade sistemicamente racista. O tema [racismo] é importante para todos nós como um tema de educação dos nossos filhos, por exemplo. Para construir uma sociedade antirracista, todos temos que trabalhar conjuntamente.