A súbita transformação do mundo promovida pela pandemia da Covid-19 desnorteou a todos e, agora, passado o choque inicial, coloca-se a necessidade de reflexões sobre esse período que nos tragam um legado construtivo e restaurador.

Nesse sentido, a Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, apresenta o projeto O que aprendi: Cartas de Professor no qual educadores de diferentes áreas convidam-se para trocar missivas manuscritas relatando suas percepções e aprendizados durante o período de isolamento.

A conversa entre amigos no ambiente intimista da carta transita por um circuito de comunicação diferente da funcionalidade cotidiana, sendo capaz de consolidar uma imprevisível corrente de novos significados e ponderações.

A reflexão independente e interligada dos participantes sobre suas experiências se completará, por fim, no compartilhamento com o público por meio de ações e produções da Universidade que, assim, ensinando e aprendendo, potencializa a construção de dias melhores.

O projeto teve início com a participação de sete professores dos quatro Centros de Ciências da Unifor (tecnologia, comunicação/gestão, saúde e direito), portanto de áreas diferentes. As cartas trocadas foram lidas e passaram pela curadoria no sentido de estabelecer pontos de contato, filosofias e visões de mundo em comum, capazes de revelar que, apesar de separação física, estamos mais próximos  que pensamos. O que não deixa de ser um consolo em tempos tão difíceis.

O projeto está em desenvolvimento e quem desejar participar será muito bem-vindo(a), devendo, para tanto, entrar em contato com a Diretoria de Comunicação e Marketing pelo e-mail marketing@unifor.br.

Então vamos lá: caneta e papel na mão, um destinatário favorito na cabeça e boa viagem. A todos, boa leitura!

Pedro Boaventura
Professor e Curador do projeto O que aprendi: Cartas de Professor

 

 

Correspondências

Fortaleza, 28 de julho de 2020.

Querida colega Marina Cartaxo,

Faço votos que você e toda a sua família estejam bem.

Esses augúrios, não precisaria dizer, são por causa da pandemia, que foi elevada à condição de nossa colega, uma vez que todos querem saber o que aprendemos com ela, essa duríssima professora que ao escutar respostas erradas sobre higiene, distanciamentos e excessos, não se contenta em repreender com advertência, nem mesmo com uma palmatória, mas com a própria morte!

Para gente como você, que gosta dos clássicos, este terrível evento planetário não é uma surpresa e, infelizmente, pouco passa de um protocolo que o ser humano engendra contra si próprio, quando age com desrespeito para com o seu semelhante e a mãe comum de todos, a natureza, fato que - dói dizer – é e provavelmente continuará sendo rotina.

Caríssima, rogo muito para que o aprendizado coletivo retirado da pandemia não seja apenas o manuseio de ferramentas de comunicação à distância as quais, se não forem apropriadas com cautela, nos legarão um mundo ainda pior, de distância nos relacionamentos, de transmudação definitiva de cidadãos em meros consumidores, de eliminação de empregos, de concentração de riquezas, e de todos os males que dessas coisas resultam.

Tomara que enxerguemos os caminhos sobre os quais foram lançadas poucas luzes e que fique evidente não haver a necessidade de ampliarmos produtividade, jornadas laborais, mobilidades aleatórias; ao contrário, precisamos conferir densidade às coisas e sair das superficialidades toscas, tão presentes em nossas vidas ao ponto de vermos até mesmo quem conteste a validade da ciência!

Esse meu desejo imagino não ser uma simples influência das reiteradas leituras da Utopia, de Morus, mas de experimentos como a assistência emergencial que vários países propiciaram aos seus cidadão, inclusive o Brasil, o que para mim constituiu-se em uma prova fortíssima de que justiça social não é devaneio de constitucionalistas sonhadores, como nós dois somos.

Que meus medos e meus pessimismos constantes desta carta sejam infundados; que minhas esperanças e otimismos se multipliquem por mil; que nossos pósteros construam e vivam em um mundo muito melhor que o nosso.

Com afeto fraternal,

Humberto Cunha

Cara Carol Quixadá,

Como vão as coisas? espero que tudo bem. Comigo está tudo em paz, graças a Deus. E me sinto muito abençoada por esse estado de espírito, porque no momento em que estamos vivendo, paz é para poucos. Dentre tantas incertezas, o que aprendi é que nem tudo que planejamos irá acontecer e que tentar controlar o futuro e o mundo que nos cerca, só traz ansiedade e um sentimento de impotência.

Meu 2019 foi um ano estranho. Foi um ano de amores perdidos, amigos ausentes e planos frustrados. Não entendia muito o que estava acontecendo. Então chegou 2020 e a COVID-19. Com a necessidade de isolamento e as incertezas que a pandemia trouxe, percebi que 2019 me preparou para 2020, e eu não me apavorei.

O ano de 2020 está sendo um ano para aprender a fazer planos de curto prazo, ou de aprender a lidar com as coisas e fatos não planejados de forma mais “leve”, sem pânico e resistência. Tem sido um ano muito interessante no trabalho, porque aprendi que existem outras formas de executar o meu ofício, bem como outros conhecimentos e habilidades de que não sabia da existência. 

Aprendi que, diferente do que eu tinha achado em 2019, a distância física não significa que não estamos presentes uns na vida dos outros. Amizade é mais do que sair pra um café ou uma balada. Amizade é querer bem, mesmo sem estar perto.

Mas 2020 também não foi um ano só de coisas boas e tranquilas. Foi o ano da perda compulsória de pessoas. Gente que eu conheci e não conheci. Mas isso não importa. O fato é que morreram. E em meio a essas mortes, eu vi muita ignorância.

Ignorância sobre o que é Coronavírus. A respeito do tratamento adequado. De quem é a responsabilidade sobre segurança sanitária. Me apavora ver em algumas pessoas o descaso com a saúde do outro.

Mas me alegra também ver muito amor. Amor nos profissionais de saúde ao redor do mundo, que mesmo sem muitos parâmetros científicos adequados, não cansam de lutar pela vida dos pacientes. Pessoas infectadas com 80/90 anos, mas que continuam sendo trata-dos. Alguns saindo com vida de internações. 

Me emocionei com a força-tarefa de vários colegas na busca de sangue B+ para o nosso querido Antônio Jorge, colega de Unifor que lutava contra o vírus há mais de 60 dias, e que depois de receber plasma com anticorpos, já está em casa.

É como dizem: você vê o copo meio cheio ou meio vazio. Eu prefiro ver o meu, meio cheio, porque meu cálice transborda.

Um beijo grande!

Marina A. Cartaxo 

Fortaleza, 02 de agosto de 2020 

Querida Sabrina, 

Espero que esta carta a encontre bem. Aproveito esta ocasião de lhe fazer chegar essa mensagem para compartilhar brevemente da minha experiência dessa quarentena. Muitas lições.

A primeira delas diz respeito ao nosso ofício. Aprender a ensinar de forma síncrona em ambiente virtual não foi fácil. Principalmente no início. Como conectar-me com os alunos se poucos abriam suas câmeras no Google Meet? Era uma das tantas perguntas que me fazia como docente. Foi preciso me reiventar e me instruir. Passei a planejar mais minhas aulas. E a pensar no aprendizado dos alunos sob suas perspectivas. 

No início da quarentena, tudo foi mais difícil. Ir ao supermercado parecia operação de genci. Muita energia dispensada no apartamento para uma simples compra de suprimentos. Compra esta que se transforma em meticuloso planejamento semanal.

Experimentei os sentimentos de medo e ansiedade. Quem não? Policiava-me ao ver os noticiários. Disciplinei-me nos horários que deveria lê-los ou assistí-los. Era importante manter-me informada. Mas, igualmente, manter-me equilibarada.

Durante a pandemia, tudo indica, peguei “o” vírus. Ou o vírus me pegou. Tive praticamente todos os sintomas. Depois, complicações de trato urinário. Fui a dois hospitais, realizei um raio-x, uma ressonância magnética, cinco ultrassons. Passei por duas consultas médicas presenciais e outras de modo virtual. Precisei de procedimento cirúrgico. Estou bem de saúde agora, graças a Deus, mas passei por maus bocados. Cheguei mesmo a pensar que fosse morrer.

Passou. Tudo passa. Estive atenta a minha alimentação, exercitei minha memória e pus em prática posições de ioga já antes treinadas. Fiz caminhadas ao ar livre tão logo estas foram liberadas. Não fiz uso de álcool e parei de tomar antibióticos. 

Além da saúde física, tratei da saúde mental. Fiz (tele)terapia. Foi simplesmente essencial. Um pouco antes da pandemia acontecer, havia me separado e me mudado de residência. Grandes mudanças já estavam acontecendo para mim e meus filhos. Durante todo esse tempo fiquei com guarda alternada (semanal) dos meninos. A terapia, então, ajudou-me a organizar os meus sentimentos, pensamentos e atitudes em relação a uma nova fase que estava se iniciando. Ou diria: duas novas fases?

Os cuidados mentais também se estenderam ao zelar pela minha morada. Assumi os meus novos espaços. Vi filmes e li livros que há muito estavam numa lista de desejos. Acessei lives. Revisitei sites da imprensa internacional. Passei a acompanhar novos canais no spotify. Quantos progessos!

A fé me ajudou igualmente. Participei (e continuo participando) de grupos de oração. Tudo virtual, claro. Expandi o horizonte de minhas amizades e fiz disso, uma grande rede de apoio. Uma rede de apoio que não imaginei que possuía. A pandemia trouxe de fato grandes oportunidades.

Fiz contato comigo mesma. Reagi a minhas sombras. Neguei-as. Chorei. Ah, como eu chorei! Lembro-me de que em um certo momento quis ter comprado uma cisterna. Dizia-me: quanto desperdício. Mas a vida precisa seguir seu curso. Aceitei as fraquezas e as alterações. Comecei a exercitar um novo “modes aprendi”. O aprendizado será eterno.

Gratidão é o que carrego no peito. Para com Deus e o universo. Era preciso um tempo para pensar, refletir e estudar. Sem vitimização, entendendo a co-responsabilidade que todos temos com tudo o que nos cerca. Foi preciso um vírus, parafraseando um de seus artigos, para me tornar mais ciente do meu papel como agente construtora de nossa sociedade.

Conforta-me crer que de alguma forma as mortes pelo vírus não estão sendo em vão. Ouvi tantos relatos de tranformação. Tempos melhores estão por vir. Sigo de cabeça erguida e fé no coração.

Peço que nos envie notícias suas. 

Um beijo grande,

Carolina Quixadá

Fortaleza, 04 de agosto de 2020

Querida Danielle, envio-lhe esta carta e espero que a receba com alegria tal como recebi a que me foi endereçada. Adorei a convocação para escrever de próprio punho as descobertas e vivências na quarentena, demarcando o que aprendi nesse semestre tão atípico em todos os recortes da vida.

Quando recebi a cartinha de uma outra colega da nossa UNIFOR imediatamente lembrei de Winnicott, o psicanalista inglês, quando ele dizia que a amizade assim como o brincar pertencem ao espaço transicional. “Escrever pode não mudar o mundo mas torna seu enigma mais íntimo”, como disse O’Dwyer. Escrever contando como foi a travessia desse tempo sombrio e de como as metamorfoses foram operando é uma forma de apaziguar as tensões. É também uma forma de tentar capturar os estilhaços de uma dimensão inédita da cena planetária que tomou conta de todos nós em tão pouco tempo.

Não tenho dúvidas de que a amizade, o afeto e a capacidade de esperar foram sustentáculos que garantiram a saúde psíquica nessa travessia, nos espaços doméstico e profissional.

No nosso ofício de ensinar e aprender, uma nova arquitetura ancorada na tecnologia deslocou as aulas para novas angulações nas telas dos celulares e dos computadores, mas certamente foram os vínculos tecidos com aqueles que amamos, com os alunos e com os colegas professores que funcionaram como ancoradouros para o manejo da angústia. E não foi fácil. Na correria do dia a dia (sim, continuamos correndo mesmo sem sair de casa no confinamento!) acrobacias entraram em cena na tentativa de dar conta das diversas demandas.

Muitas descobertas. Muitas aprendizagens. Desafios. Não foram poucos os momentos em que, na madrugada olhando o silêncio, via o mundo como um grande ausente! Foi preciso muita resistência para lidar com o real da morte que a pandemia anunciou e ainda anuncia. Como dizemos em psicanálise, foi uma bofetada no nosso narcisismo! Um ser diminuto que nem sequer comporta a qualificação de “ser vivo”, visto não ter metabolismo próprio, um vírus que não tem DNA e que precisa de hospedeiros para se reproduzir escancarou nosso desamparo. Como a condição humana é frágil!

Nessa aventura que se chama vida, outros sabores, cores e texturas inauguraram crônicas do dia a dia, em alguns momentos amargas mas em outros, prevaleceu a doçura e a delicadeza!

E assim vamos atravessando a transitoriedade e a impermanência!

Despeço-me aqui e espero notícias suas!

Vamos continuar essa ciranda!

Um beijo,

Sabrina.

P.S. Os chocolates fazem parte da crônica da doçura!    

Fortaleza, 06 de julho de 2020

Querida amiga Hérika, escrever uma carta, um bilhete ou uma canção sempre requer um movi-mento interno. As palavras mobilizam nossas emoções mais íntimas, nossos afetos mais generosos e também desconhecidos. O tempo que ora vivemos nos exigiu um olhar diferente para o mundo; um balanço de quem somos e dos valores que queremos cultivar. Esse tempo difícil nos pediu amor consigo e com o outro, um tipo de cuidado delicado. O tempo da pandemia também nos pe-diu fé e crença em algo maior; da ordem sagrada. Foi bom, foi bonito sentir isso. O amor é sempre algo sublime, luminoso e terno.

A pandemia certamente não é travessia suave pra ninguém, mas perceber os laços de afe-to construídos no decorrer da vida, abranda o temor da tempestade. O amor de uma amiga preen-che vazios, lapida e suaviza a caminhada. Ter um amigo é reconhecer amor no olho, no corpo, na nossa imagem que se projeta no rosto do outro. Ter um amigo é não se avergonhar; é exercício de humanidade, deixar revelar nossas fragilidades. Um amigo é pouso, pausa, porto. E isso tudo tem uma força imensa que transborda, reverbera, faz ecos no mundo. Ter um amigo é a certeza que sempre existirá abraço quente nos dias frios. Alguém que traz palavras para mostrar que a vida tem cor e sabor.

Receba essa cartinha como um gesto amoroso. Um tipo de amor que se fez pelo tempo, por princípios, por valores, pelo desejo, pela reciprocidade, por uma arquitetura de afetos. Dar e receber amor de uma amiga é um exercício pleno e potente sobre o que é ser humano!

Abraços afetuosos de sua amiga!

Dani  

Primeira lua cheia de agosto, durante a pandemia do COVID-19, tempos de quarentena.

Olá Camilla! Como você está? o GB, as meninas? sua mãe está bem? vamos brincar? parece estranho o convite?

Vou esclarecer: tudo começou com o desafio lançado no projeto: O QUE APRENDI- CARTAS DE PROFESSOR, e logo me ocorreu a ideia de fazê-la como uma brincadeira. Veja, não um jogo, mas uma Brincadeira, com letra maiúscula, tais aquelas que fazíamos quando criança e levávamos tão a sério, que perdíamos a noção do tempo… se é que tínhamos esta noção naquela época! Então, embalada pelo grande Belchior: “Não quero lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi nos livros, quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo…”, vamos nos dedicar a essa Brincadeira e registrar, por escrito o que aprendemos nesses momentos de nossas vidas?

Pois bem, sendo um manuscrito, decidi que necessitava de um suporte diferente, mas não quero sair, já que estamos em quarentena há quase 5 meses (que estranho isso… sabia que também agora perdi a noção do tempo? passaram-se dois meses de um fato, e eu achando que eram apenas duas semanas!) então, fiz o que se faz em toda Brincadeira que se preza: SE INVENTA!!!

Portanto, não estranhe o papel amassado e riscado, foi intencional. Pensei que em uma superfície lisa, seria fácil derrapar em conceitos, em pré concepções. E o que me motiva é poder discorrer sobre o que me falou de perto ao coração e aos sentimentos…

Fiz tantos planos para o semestre e as férias em seguida… sabe como gosto de viajar, não é?! seriam 3 viagens para o Rio de Janeiro: um seminário em março, um encontro em abril e nas férias, o grande Congresso Internacional de Arquitetas… muitos conhecimentos e descobertas: tudo cancelado! Foi muito triste, mas ficou aterrador quando perdi a Bia, uma amiga referência de vida, jovem, saudável, que partiu sem anúncio de despedida. Com isso, aprendi a ressignificar sua presença em minha vida! E só não foi pior, porque pude dizer a ela, algumas vezes, o quanto a admirava. E ai vai, mais um aprendizado: explicitar cada vez mais meus afetos! Aliás, o fato de ter escolhido você, Camilla, como minha interlocutora, também tem essa finalidade: registrar meu afeto e admiração por você, mulher corajosa, competente colega de profissão e de trabalho, que é referência na condução e resolução de problemas, com coerência e tranquilidade. É tão reconfortante ter pessoas assim, como faróis…

Também aprendi sobre escolhas e isso me libertou! Libertou de preconceitos, pois julgava as redes sociais meros espaços virtuais de superficialidades e, nesse contexto, pude tirar grande proveito delas, pessoal e profissionalmente, me aproximando de amigos, em lugares distantes, com trocas mais que significativas. Aprendi a escolher e escolhi não me amedrontar, esperar, olhar para mim e para os outros com calma, exercitar a entrega do que não tenho controle algum… Ah, o controle! um enorme engano. Foi tão libertador me deparar com a tolice desta tentativa vã! Engraçado está reclusa e me perceber liberta de tantas amarras. Paradoxal?! Fazer o quê? Não é isso mesmo a vida: um divertidíssimo paradoxo?! 

Pois se é isso mesmo, vamos a ele (paradoxo) ou a ela (vida), com disposição e energias renovadas, encarando de frente o que nos chega, saboreando os pequenos presentes e experimentando os desejos que nos deixam marcas, mas nos fortalecem.

Foi bom pensar em você, falar com você e daqui a pouco estar com você, ainda que atra-vés de uma singela carta. Que ela os encontre com saúde e muita alegria! E daqui a pouco, quem sabe, a sombra de um generoso cajueiro, com uma suave brisa soprando sobre o calor da amizade, possamos uma vez mais Brincar…

Até já,

Fernanda

Fortaleza, 10 de agosto de 2020

Querido professor Pedro, como está? Espero que essa carta lhe encontre com muita saúde. 

Pedro, meu amigo, acabei de receber uma carta. Carta mesmo, de papel, a caneta preta, escrita a mão, toda amassada (foi amassada de propósito) e rabiscada (também de propósito), enrolada como um pergaminho dentro de um saquinho de tule, bordado com uma singela rendinha. O saquinho estava arrematado por uma fita amarela, a coisa muito linda e delicada. Nela, na cartinha, vinham notícias de uma dura perda, mas principalmente, trazia histórias de conquistas! Estava finalizada com um ordinário “até já”, expressão antes quase banal e cotidiana em nossas vidas, tornou-se repentinamente literal, assim como a carta de papel amassada que recebi. Fiquei muito feliz ao receber a carta da Fernanda. 

“Você está me ouvindo, Pedro” talvez fosse essa a primeira interrogação que eu lhe faria atualmente em qualquer conversa rotineira. Nesses meses de isolamento, já ouvi essa pergunta muitas e muitas vezes nos mais diversos ambientes virtuais nos quais tive oportunidade de conseguir participar. Quanta solidão pode está contida nessa pergunta? quando lhe falei tal questão, não demoro a dar a resposta alentadora: SIM! ESTOU LHE OUVINDO! PODE FALAR! é quando não nos sentimos invisíveis. É um alento poder se expressar e saber que alguém nos escuta. Sei que você receberá minha carta.

Como professora nesse período, me fiz várias perguntas, mas a principal delas era se eu estava fazendo um bom trabalho. Sem medida de comparação, procurei fazer o máximo do meu possível, que pode ter sido insuficiente em alguns momentos. Mas agora, com o peso do ligeiro afastamento no tempo, compreendi melhor minhas limitações e pensei sobre as limitações dos outros. Minhas angústias sobre a pauta da presença, ao menos da imagem ou da fala ativa, deram espaço para a reflexão: “Será que ele ou ela possui um ambiente em sua casa que pode ser tranquilo como o meu?. Como você sabe Pedro, tenho duas filhas lindas, Lina e Luiza, e elas sempre respeitaram muito o trabalho da mãe delas durante a pan-demia. Tiveram um comportamento que me inspirou, mesmo estando elas privadas da escola, dos avós, do parquinho da praça. Algumas aparições e choros foram inevitáveis, mas sabendo da nossa realidade social amplamente desigual, penso muito mais naquelas pes-soas que não podiam aparecer mesmo. 

Ensinar arquitetura afastada do fato urbano, afastar forçadamente a teoria da prática, não conseguir “manusear” o problema. Não quero parecer anacrômica, mas tudo isso ainda parecia muito fundamental. Me custou pedaços de crenças, mas consegui, de alguma maneira ainda não sistematizada, superar alguns desses receios.

Na minha rotina diária, voltei a ter uma relação com minha moradia, com meu marido e com minhas filhas só comparável com o período em que elas eram recém-nascidas. Isso foi fantástico. Me dediquei mais, com menos e melhor. Me dediquei a resolver situações que já me pareciam muito distantes: - Vamos fazer um bolo de chocolate?- me pediu muitas vezes a Lulu, minha filha caçula. E eu tenho respondido: - Vamos sim! Vamos fazer juntas! 

Agradeço a mão de Deus por ter me preparado antecipadamente para algumas transições durante esse ano. Neste momento, me sinto confiante, plena de sorte e feliz! E você? Como você está, Pedro? O que tem aprendido? Quais são suas novas paixões e experiências?

Com gratidão,

Camilla Girão

O(a) professor(a) que desejar fazer parte desse projeto deve convidar - por telefone, e-mail ou whatsapp - um(a) amigo(a) professor(a) da Unifor que tenha interesse em participar e para quem escreverá uma carta. Ao aceitar o convite, o destinatário receberá a carta de seu amigo, comprometendo-se a convidar outro participante e a escrever-lhe uma carta também. E, assim, sucessivamente.

A carta deve ser manuscrita, seu conteúdo deve refletir o que foi sugerido na apresentação do projeto e ter a extensão de no máximo duas páginas. Pede-se que o participante use grafia inteligível. Cada participante é livre para escolher seu próprio suporte de escrita, se caneta, lápis ou tinta e a utilização de formas complementares de expressão, como desenho e colagem.

Uma vez escrita a carta, o participante deve comunicar à coordenação do projeto (marketing@unifor.br) para que a correspondência seja recolhida em sua residência por um mensageiro da Unifor que a levará ao destinatário indicado. Pede-se que a carta tenha o endereço de entrega discriminado.

Os participantes devem estar cientes que o conteúdo das cartas, total ou parcial, será objeto de ações de divulgação pela Unifor por meio de impressos, apresentação em ambiente virtual, exposição e outras formas até lá definidas.

Finalmente, caso o participante desenvolva também uma versão digitada da carta, pede-se que esta seja enviada para o e-mail marketing@unifor.br, sob o assunto O que aprendi: Cartas de Professor, para que seja compartilhada no portal da Unifor.

Gostou da ideia? Quer participar? Então, papel e caneta à mão!