null Namoro em tempos de pandemia

Sex, 5 Junho 2020 10:32

Namoro em tempos de pandemia

Casais falam sobre o desafio de manter o afeto e a aproximação diante do isolamento social


Ana Clara Albuquerque e Iury Sávio Cavalcante relembram a viagem feita para a Espanha em dezembro do ano passado  (Foto: Arquivo pessoal)
Ana Clara Albuquerque e Iury Sávio Cavalcante relembram a viagem feita para a Espanha em dezembro do ano passado (Foto: Arquivo pessoal)

Qual o impacto da pandemia entre os casais de namorados? Até que ponto as redes sociais são capazes de manter tesos os relacionamentos amorosos? Que sentimentos estão em jogo nesse momento em que a web é mais do que nunca alçada à atenuante da solidão e aliada contra a distância imposta a pares apaixonados? Entre risos e lágrimas, dois casais de estudantes egressos da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, contam como estão se adaptando ao “novo normal” dos namoros, enquanto uma dupla de psicólogos e professores do curso de Psicologia da Unifor também refletem sobre o dilema emocional e demasiado humano trazido na esteira do isolamento social imposto pelo novo coronavírus.

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Corações confinados

Se o anseio primordial de todo ser humano é amar e ser amado, o que fazer quando estar perto de quem se ama pode representar um risco para a saúde de si e do outro, assim como de incontáveis pessoas ao redor do mundo? Ao impor o isolamento social como regra única para prevenção e controle de uma pandemia planetária, a Covid-19 virou inimigo número um dos casais de namorados. Afastados por tempo indeterminado, eles agora aprendem juntos a enfrentar quem os separou, criando estratégias de afeto, aproximação e sedução, ainda que a distância. 

Primeira prova de fogo para apaixonados em tempos de pandemia: apaziguar razão e emoção. Namorando oficialmente desde fevereiro de 2019, Amanda Ester Lopes Pinheiro, 23, e Daniel Aquino Moreira, 22, ambos estudantes de Direito da Universidade de Fortaleza, confessam que tiveram certa dificuldade para contornar os efeitos colaterais indesejáveis do afastamento dos corpos. “Bem no começo do isolamento social a gente achou que ainda poderia se encontrar, frequentar pelo menos a casa um do outro, já que somos vizinhos. Mas não. Os números crescentes e os alertas do próprio governo frustraram qualquer expectativa. E aí foi quando começamos a ter longas conversas seguidas de choro e tudo o mais. Precisei até de colo de mãe para me conformar. Mas hoje temos uma outra visão sobre esse momento, entendendo a distância como um ato de amor e cuidado mesmo. E posso dizer até que a qualidade do nosso relacionamento melhorou”, garante Amanda.  

Para ela, diante da perda do contato físico foi o sentimento que ganhou espessura, tornando a paixão cúmplice da amizade. “Éramos grudados desde o começo do namoro: íamos para a aula e o estágio juntos e assim convivíamos diariamente, sem falar nos finais de semana. Então, foi difícil desgrudar, mas, ao mesmo tempo, já tínhamos conquistado uma sintonia muito fina, além de estarmos bem apaixonados. Portanto, como já existia muito companheirismo, além de atração física, o distanciamento forçado não nos afastou. Tivemos ainda mais vontade de saber como o outro estava, como havia sido o dia, como poderíamos nos ajudar nas dificuldades de cada um, enfim, penso que ficamos mais amigos e passamos até a conversar mais sobre as aflições e paixões um do outro”, diz Amanda.

Por amor, o casal passou a reinventar a própria rotina. E assim também acabaram por se redescobrir. “Minha namorada é filha de pastor e sempre se interessou muito pelo estudo das religiões e pelo lado social do Direito. E eu pela questão do Direito empresarial e tributário, porque quero advogar. E foi nesse período de pandemia que começamos a trocar mais ideias sobre os gostos e as matérias de interesse década um, trocando livros, além de assistir a filmes e séries simultaneamente, para comentarmos depois através de videochamadas. Ou seja, entramos mais ainda no mundo um do outro e hoje posso dizer que nos conhecemos melhor. O namoro amadureceu e a gente amadureceu junto, um contribuindo com o crescimento pessoal do outro. E assim é que eu, pelo menos, me sinto ainda mais apaixonado, mesmo sem poder vê-la”, declara-se Daniel.

Íntimos dos temas do Direito, Amanda e Daniel veem com bons olhos “o novo normal” do campo judiciário e suas adaptações às restrições impostas pela pandemia. Para ela, é particularmente animador perceber como as medidas protetivas contra a violência doméstica vêm sendo impetradas mesmo a distância. Para ele, são os casamentos e divórcios já realizados por videoconferência que mais chamam atenção. “O Direito se transforma junto com a sociedade. Sempre foi assim. Então, já vislumbramos como continuar atuando mesmo pós-pandemia. Mas, particularmente, vou preferir casar com Amanda numa praia, ao ar livre, na companhia dos amigos. Então, vamos deixar o tempo passar e torcer para que o novo normal nos permita o mais rápido possível voltar aos rituais presenciais de antes”, diz Daniel.

No campo amoroso, o casal arrisca mais projeções: para ambos, os namoros, em médio prazo, serão bem mais restritos ao ambiente doméstico, assim como as reuniões entre amigos também devem se tornar cada vez mais privês. “Acho que nem tão cedo teremos raves ou festas em ambientes fechados e com muita gente. E são os nossos pais que mais vão gostar de nos ver namorando no sofá da sala de casa, embaixo dos olhos deles”, acrescenta Daniel.      

A qualidade da presença

Um pré-carnaval e uma comunidade católica. Eis os ímãs que acabaram por aproximar Ana Clara Albuquerque, 24, e Iury Sávio Cavalcante, 23. Juntos desde abril de 2019, o casal de namorados não pode sequer comemorar um ano de namoro diante do isolamento social imposto pelo novo coronavírus. Estudante de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, ela, que está em vias de botar a mão no diploma, sofre para se concentrar na escrita do TCC quando seu único refúgio amoroso está longe. Ele, administrador e analista de produção da Ambev, encara o home office e a pós-graduação em Excelência Operacional da Unifor contando os dias para rever a namorada nas poucas horas de descanso. 

Ambos se dizem ansiosos. E anseiam por se rever. “Moramos distantes um do outro. Eu na Cidade dos Funcionários, ele no Monte Castelo. Isso fazia com que a gente só se encontrasse aos finais de semana. Mas por isso mesmo esses poucos dias eram muito intensos e importantes para nós. Então, estamos sentindo sim muita falta um do outro, mas conscientes de que a maior prova de amor agora é nos mantermos separados. Quando bate a ansiedade aí é videochamada e muita conversa para não dar vazão aos nossos planos de fugas e quebra da quarentena. Temos vários. Mas, claro, tudo só na imaginação. Acho que foi uma forma que a gente criou para rir de nós mesmos e de nossa saudade nessa quarentena”, diverte-se Ana Clara. 

Para ajudar o tempo a passar, o casal tem ainda a memória como aliada, além da criatividade. Assim, não é difícil recuperar as fotos daquela viagem para a Espanha em dezembro do ano passado e dali pinçar alguns momentos de arrancar suspiros de amor. “Eu e minha família já íamos passar o Natal e Ano Novo conhecendo algumas cidades da Espanha e mesmo a gente não tendo assim tanto tempo de namoro ele quis ir junto. Foi maravilhoso e agora, mesmo a distância, a gente não cansa de imaginar o dia em que poderemos voltar a cada lugar romântico de novo. Para manter o namoro firme e forte acho que é preciso cultivar também os sonhos, né? Sei que vamos demorar a poder viajar de novo, sem ter esse fantasma do vírus na cabeça. Mas um relacionamento também deve se alimentar de alguma fantasia para se manter vivo. Então, rever as fotos daquele pôr-do-sol no Parque do Retiro, em Madri, acalma o nosso coração e nos dá esperança de viver tudo de novo em breve”, suspira, apaixonada.

Pelo sorriso da amada, vale qualquer esforço. Iury é do tipo que liga para tocar violão só para ela, que envia surpresinhas em domicílio ao longo do dia e que, mesmo em meio à madrugada, é capaz de convidá-la para ir ao cinema, o que em tempos de distanciamento social, significa simplesmente sintonizar na Netflix simultaneamente. Para ele, esse foi o modo encontrado para dirimir a saudade, aplacar a tristeza e, de alguma forma, marcar presença. “Fala-se muito no novo normal que virá. E nós dois passamos a inventar um novo normal agora mesmo, o que tem nos ajudado a sair da rotina. E de repente percebemos que estávamos juntos antes, mas, algumas vezes, dispersos, olhando para o celular ou mesmo falando de trabalho. Agora estamos muito atentos à qualidade - e não à quantidade - da presença. Por isso, quando voltarmos a nos ver penso que vamos estar muito mais focados no cuidado e no respeito um com o outro, valorizando também a liberdade que cada um deve ter para conseguir ser feliz junto a quem se ama”, destaca Iury.