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Seg, 17 Janeiro 2022 11:58

Entrevista Nota 10: Geraldo Bezerra e o papel da Nefrologia na qualidade de vida

Professor e pesquisador da Universidade de Fortaleza destaca os avanços da especialidade médica no tratamento das doenças do sistema urinário 


Geraldo Bezerra tem doutorado em Ciências Médicas e atua como professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor (Foto: Acervo pessoal)
Geraldo Bezerra tem doutorado em Ciências Médicas e atua como professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor (Foto: Acervo pessoal)

Escuta ativa dedicada ao paciente. Para o médico nefrologista Geraldo Bezerra, o compromisso com a promoção da qualidade de vida das pessoas com doenças renais é valor presente em sala de aula, onde compartilha junto aos alunos do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade de Fortaleza, o conhecimento de uma trajetória dedicada à atuação clínica e ao desenvolvimento de pesquisas. 

Pós-Doutor em Saúde Coletiva/Epidemiologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o professor fala com exclusividade ao Entrevista Nota 10 sobre os avanços na área da Nefrologia e destaca ainda a importância dos hábitos saudáveis na prevenção de doenças renais. Confira a seguir: 

Entrevista Nota 10 - Professor, como se deu o interesse pela Nefrologia?

Geraldo Bezerra - Durante a Faculdade de Medicina, logo nas primeiras aulas de Semiologia e Clínica Médica eu tive uma grande afinidade pela área clínica, pois sempre achei muito interessante a investigação clínica dos sinais e sintomas e a prática da anamnese, aliada à conversa com o paciente, que é a base da Medicina. Logo após esse início do treinamento prático na Faculdade, eu tive excelentes professores de Nefrologia na graduação, com destaque para a Dra. Elizabeth Daher, da UFC, da qual tive o privilégio de ser aluno nas aulas práticas na graduação, despertando pela primeira vez o meu interesse pela Nefrologia. A partir daí, ainda na metade do curso de graduação eu passei a fazer parte de grupos de pesquisa nesta área, onde permaneço até hoje. A Nefrologia é uma das áreas clínicas mais abrangentes da Medicina, uma vez que lida com as doenças dos rins, e os rins desempenham diversas funções no nosso corpo, muitas delas fundamentais para a nossa sobrevivência, por exemplo, a manutenção da pressão arterial, o equilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico do meio interno do nosso organismo, a produção de hormônio (eritropoetina) para a produção das células vermelhas do sangue, a ativação da vitamina D, fundamental para a saúde dos ossos, etc. Por conta disso, o médico nefrologista deve estar atento a praticamente todo o funcionamento do organismo, o que se traduz na prática clínica a um atendimento clínico integral, realmente direcionado a todos os aspectos da saúde do indivíduo, pois ao mesmo tempo em que as doenças renais podem não apresentar nenhum sintoma (podendo ser detectadas apenas por alteração nos exames complementares), podem se manifestar por meio dos mais variados sinais e sintomas. Então, estes aspectos foram fundamentais para a minha escolha pela Nefrologia, pois me faz ter uma visão bem integral da Medicina.

Entrevista Nota 10 - E quais são os avanços na área? Como essa especialidade médica tem utilizado a tecnologia, por exemplo? 

Geraldo Bezerra - A Nefrologia como especialidade médica é relativamente recente, se levarmos em conta a história da Medicina, pois tem sua origem na segunda metade do século XX, com as principais sociedades médicas da área, incluindo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e a International Society of Nephrology (ISN) sendo fundadas em 1960. É uma especialidade que sempre buscou inovações para a sua prática e para a melhora do tratamento e da qualidade de vida das pessoas com doenças renais. Um bom exemplo é a hemodiálise, técnica desenvolvida e utilizada desde a década de 1950-1960 e que proporcionou, desde então, uma melhora significativa na qualidade de vida e um aumento na expectativa de vida das pessoas com doença renal crônica, que é um grave problema de saúde pública mundial, que atinge cerca de 10 a 14% da população e é ainda mais prevalente e incidente nos países de baixa e média renda, como o Brasil. Outra inovação que a Nefrologia utiliza há vários anos é o transplante renal, que também proporcionou uma sobrevida ainda melhor que a diálise para as pessoas com doença renal crônica, aplicando ainda conhecimentos da imunologia, com os medicamentos imunossupressores, que reduzem o risco de rejeição do rim transplantado. Mais recentemente, novas tecnologias vêm sendo aplicadas na Nefrologia, assim como na Medicina como um todo, incluindo o uso de aplicativos de smartphones, “wearables”, inteligência artificial, robótica, entre outras, que poderá proporcionar um cuidado ainda maior às pessoas com problemas renais. São necessários, entretanto, estudos clínicos para avaliar o impacto da aplicação dessas novas tecnologias na área da Nefrologia. Ainda não se tem uma boa evidência científica do seu benefício, mas acredita-se que sim, o uso destas tecnologias deverá ter mais benefícios que malefícios, de modo que se poderá incorporá-las na prática clínica. Dada a grande importância das inovações que se tem visto na Nefrologia, ainda neste ano de 2022 estaremos lançando o livro “Innovations in Nephrology” pela editora Springer Nature, com a participação de professores e alunos da Unifor e de pesquisadores de vários outros países.

Entrevista Nota 10 - No Brasil, as doenças do sistema urinário acometem com frequência a população, sobretudo, as relacionadas aos rins?

Geraldo Bezerra - Sim. A principal doença que acomete os rins é a doença renal crônica, que, por definição, é uma doença que provoca a redução no funcionamento dos rins (filtração do sangue) e/ou dano estrutural, por mais de três meses. Existem vários problemas que levam ao surgimento da doença renal crônica, sendo as principais a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, que são outros dois grandes problemas de saúde pública. A frequência com que ocorre é de aproximadamente 10 a 14% da população geral. Outras doenças, como a litíase renal, popularmente conhecida como “pedras nos rins”, também são muito frequentes, acometendo em torno de 10% das pessoas, tendo um importante fator genético e associação com doenças metabólicas. Menos frequentemente ocorrem doenças mais específicas dos rins, chamadas de glomerulonefrites, que são doenças associadas a alterações imunológicas, algumas associadas a fatores genéticos, e que podem levar à perda de função renal.

Entrevista Nota 10 - Qual a importância do diagnóstico e tratamento adequado para essas doenças? 

Geraldo Bezerra - O diagnóstico de doença renal se faz por meio da história clínica e de exames complementares. Os principais exames são a creatinina (um exame de sangue que possibilita estimar como está a filtração do sangue pelos rins) e o exame de urina (que possibilita avaliar várias alterações provenientes de doenças renais). Várias doenças dos rins não causam sintomas, por isso é importante o diagnóstico precoce, de modo que se possa adotar medidas para evitar a progressão/piora da doença. Em geral, recomenda-se que as pessoas com mais de 40 anos ou com fatores de risco para doenças renais (hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade, uso crônico de antiinflamatórios, entre outros) façam exames de rotina, em média, uma vez por ano, incluindo a dosagem de creatinina e um exame de urina. Uma vez diagnosticada, a maioria das doenças renais tem tratamento eficaz, e é possível evitar ou pelo menos retardar a progressão da doença, podendo evitar a necessidade de tratamentos como a diálise e o transplante renal.

Entrevista Nota 10 - E quais hábitos do dia a dia podem ajudar na prevenção?

Geraldo Bezerra - Hábitos saudáveis ajudam a prevenir as doenças renais, incluindo dieta e atividade física. Com relação à dieta é importante sempre se manter hidratado. Então, recomenda-se uma ingestão adequada de água (em média 2L por dia), evitar excesso de proteínas (carne vermelha), consumir frutas e verduras. Realizar exercícios físicos, 3 a 4 vezes por semana. Controlar as principais doenças que causam problemas nos rins, como a hipertensão e o diabetes. Evitar o uso de medicamentos que podem ser tóxicos para os rins, incluindo antiinflamatórios, alguns antibióticos, entre outros. Para quem já tem o diagnóstico de alguma doença renal, é importante, além de seguir estas recomendações, fazer o acompanhamento com especialista, sempre informar que tem problema nos rins em todo atendimento que fizer, de modo que os profissionais que o atenderem estejam atentos para evitar quaisquer tratamentos que possam prejudicar ainda mais a função dos rins.

Entrevista Nota 10 - Professor, falando sobre o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor: quais são os principais diferenciais? 

Geraldo Bezerra - O Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor é eminentemente multidisciplinar. Já é um programa consolidado, com quase 20 anos de existência e contando com uma equipe de professores bastante qualificada. São trabalhados aspectos relacionados às principais doenças e agravos de importância para a Saúde Pública, instrumentalizando o aluno para a realização de pesquisas eminentemente prática. O nosso programa está inserido nas principais instituições de saúde de Fortaleza e de outras cidades do Ceará, de modo que os alunos têm a possibilidade de vivenciar a prática de pesquisa nestes ambientes e, muitas vezes, ver o resultado das pesquisas sendo aplicados, com um real impacto para a sociedade local. Há parcerias com outras instituições de ensino e pesquisa, do Brasil e do exterior, de modo que o aluno pode realizar estágios nestas instituições, seja para realização de estudos ou pesquisas. Ainda viabilizado por estas parcerias, o nosso programa tem recebido professores de outros países para a realização de eventos, ministrar aulas e apoiar os alunos em suas pesquisas, de acordo com a área de atuação.

Entrevista Nota 10 - De que forma a produção científica é estimulada e como ela ajuda esses profissionais em seu cotidiano de trabalho? 

Geraldo Bezerra - A produção científica no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor é estimulada desde o início do curso. Os alunos desenvolvem suas dissertações (mestrado) e teses (doutorado) em um assunto específico, com a orientação de um dos professores, podendo também desenvolver projetos de pesquisa com os outros docentes do programa. O curso oferece disciplinas que dão subsídios para o desenvolvimento de pesquisas, além de cursos sobre escrita científica e outras ferramentas para o desenvolvimento da prática da pesquisa científica. As pesquisas desenvolvidas pelos nossos alunos são realizadas nos ambientes de prática, objetivando a melhoria da saúde da nossa população e, em geral, é estimulada a pesquisa na área de atuação do aluno.

Entrevista Nota 10 - Para finalizar: gostaria de compartilhar conosco alguma pesquisa que tenha desenvolvido recentemente? 

Geraldo Bezerra - O foco das minhas pesquisas são as doenças renais, com interesse para a Saúde Pública. Uma pesquisa recente que desenvolvemos, junto às alunas do mestrado e do doutorado, Ana Carolina Rattacaso e Juliana Oliveira, e que é bem interessante, foi sobre o conhecimento da população sobre a doença renal, no intuito de entender como as informações em saúde chegam até a população e quais as necessidades de educação em saúde são necessárias para uma efetiva prevenção da doença renal crônica. Foram entrevistadas 735 pessoas em Fortaleza, e um percentual muito baixo tinha conhecimento sobre as principais causas de doença renal crônica (15%). A maioria dos entrevistados (79%) apontou a baixa ingestão hídrica como o principal fator de risco para a ocorrência de doença renal, e apenas 5% tinham conhecimento sobre creatinina, o principal exame para diagnóstico de doença renal. Esta pesquisa ilustra, portanto, a importância da comunicação científica correta e da educação em saúde, para que se possa alcançar um nível adequado de prevenção, não só da doença renal, mas das doenças crônicas em geral.