null Entrevista Nota 10: Xênia Diógenes e os desafios da Educação na pandemia

Qua, 18 Novembro 2020 14:57

Entrevista Nota 10: Xênia Diógenes e os desafios da Educação na pandemia

Professora e pesquisadora da Universidade de Fortaleza aborda como docentes e estudantes lidam com a nova realidade de aprendizagem


Doutora em Educação, Xênia Diógenes Benfatti é professora e pesquisadora da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)
Doutora em Educação, Xênia Diógenes Benfatti é professora e pesquisadora da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)

Da sala de aula física para a virtual: um movimento forçado pela pandemia. Mas o que pode a Educação para que estudantes e professores continuem a enfrentar esse momento de cabeça erguida? Para Xênia Diógenes Benfatti, pesquisadora e professora do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, a tecnologia é a ferramenta, mas juntos, eles são a transformação necessária. 

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, a Doutora em Educação destaca os impactos das diferenças sociais no Brasil e sua influência no processo de aprendizagem das crianças e jovens, e reforça ainda a importância de exercitar as capacidades inventivas com a resiliência que a nova realidade demanda. Confira a seguir: 

Entrevista Nota 10 - Professora, de acordo com dados da UNESCO, agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), a pandemia de Covid-19 obrigou, em seu auge, 1,6 bilhão de estudantes a deixarem suas salas de aula em mais de 190 países. O que isso representa?

Xênia Diógenes - Representa que tivemos que reconfigurar a sala de aula e o modo como nos comportávamos presencialmente, tudo aconteceu muito rápido, não houve um planejamento, mas provisoriamente conseguimos responder no Ensino Superior, mas não acho que as respostas encontradas na Educação Básica tenham sido satisfatórias, pois neste segmento aumentamos o fosso da desigualdade social. O acesso às plataformas educacionais ficou restrito a um minoria e quando falo em minoria, falo minoria mesmo, os dados de 2020 mostram que 47 milhões de pessoas ainda estão desconectadas e 60 % da população não possui recurso de comunicação. O vírus pode ser democrático, pois atinge qualquer pessoa, mas a doença não, a doença é social, atinge os mais vulneráveis, os que estão mais expostos a falta de saneamento básico, os que vivem em favelas e nas periferias, os que moram em microespaços, 3 pessoas ocupando o metro quadrado, estou falando de pessoas que podem até ter um celular, mas que não conseguem assistir aula por meio dele. As diferenças sociais mostraram o fosso que há entre o Brasil da minoria e os "Brasis" da grande maioria.

Entrevista Nota 10 - Como o Brasil tem lidado com os impactos da pandemia na educação? 

Xênia Diógenes - Na minha avaliação muito mal, um Governo Federal que não investiu em ações e respostas efetivas. Os dois ministros da educação não cuidaram do que de fato deveriam cuidar. Seus discursos foram desconexos e ideológicos, suas políticas foram de desvalorização às universidades e de descredenciamento às instituições de pesquisas confundindo  a população. Questionar o valor de vacinas, sucatear laboratórios de pesquisas, desvalorizar docentes, não pautar Fundeb, tudo isso mostrou a enorme incompetência deste governo, que neste momento deveria ser um articulador e um interlocutor entre as Secretarias de Educação.   

Entrevista Nota 10 - Como os professores e estudantes se posicionam diante do desafio de adaptação a uma nova dinâmica de aprendizagem? 

Xênia Diógenes - Fomos e somos guerreiros e guerreiras. Vi amigos e amigas adoecerem, chegarem ao limite. Nossas vidas privadas foram totalmente ceifadas, se antes nós já tínhamos nosso vida privada invadida por provas, trabalhos, formações e reuniões, agora nossos alunos estavam em nossas salas e quartos, ouvindo nossas panelas de pressão chiar e o cachorro latir, mas nós fomos resistentes e resilientes; enfrentamos a insegurança, planejamos sem rota, somente com nossa vontade e experiência, mas valeu a pena. Nossos alunos e alunas cansadas e a gente mesmo sem acreditar investia na ideia de que "vai passar e teremos aprendido muito mais que os livros tinham a nos ensinar "; foi assim ou está assim. 

Entrevista Nota 10 - E os pais? Qual a importância da sua participação nesse momento? Essa nova realidade mostrou que muitas famílias estavam longe das escolas, por exemplo...

Xênia Diógenes - Temos aqui um contexto controverso, pois se por um lado a família e todos em geral perceberam o valor e a importância da escola e da universidade, por outro tivemos escolas fechadas e professores demitidos. Pois é, muitas escolas particulares de Educação Infantil e de Ensino Fundamental de primeiro ao quinto ano não aguentaram e tiveram que fechar em função da inadimplência. Aprendemos neste contexto de pandemia que a educação nos aproximava, que ela era nosso melhor remédio para o distanciamento social, mas também aprendemos que sem políticas de educação ficamos reféns de nós mesmos.    

Entrevista Nota 10 - De que forma as tecnologias educacionais são aliadas para superar as dificuldades desse período e qual a urgência de acessibilizá-las? Dados do IBGE apontam que apenas 57% da população do nosso país possui um computador em condições de executar softwares mais recentes...

Xênia Diógenes - As tecnologias são sempre nossas aliadas, o problema é o acesso e a democratização, é inegável que precisamos de políticas públicas de inclusão digital e isso é urgente. Outra questão que quero falar é: eu sempre ouvia dizer que os professores "eram ou estavam obsoletos", a pandemia nos mostrou que não, aprendemos em um curto tempo a usar tecnologias educacionais robustas. Acredito que ainda "endeusamos" muito a tecnologia no campo da didática, mantivemos por muito tempo a fé que o uso das tecnologias renovaria a sala de aula, eu não penso assim, posso usar o Google Meeting para dar uma aula onde só eu falo por 1 e 20 minutos, o uso de tecnologia não indica a mudança que queremos para sala de aula. A sala de aula está precisando de sentido, de histórias...os momentos que percebo meus alunos integrados são aqueles em que eu lhes apresento Ferreira Gullar, quando discutimos a notícia do dia, quando conto as minhas histórias performáticas...nesses momentos eles abrem as câmeras, o chat se enche de mensagens e até dá microfonia risos. A tecnologia é ferramenta, nós somos a transformação.     

Entrevista Nota 10 - Poderia explicar um pouco sobre o que é a curadoria educacional e sua contribuição para o processo ensino-aprendizagem? 

Xênia Diógenes - A curadoria educacional foi um projeto desenvolvido no CCG [Centro de Ciências da Comunicação e Gestão da Unifor], criamos um grupo de professores interessados em estudar e praticar a curadoria no ensino, o resultado foi fantástico, reformulamos nossos planos, ampliamos nosso acervos. O grupo deu tão certo que ainda hoje socializamos nossos achados. No ensino híbrido o professor precisa exercitar a curadoria, temos um repertório vasto na web, acervos de vídeos, pesquisas, lugares que podemos visitar... há tanto a se fazer e se experimentar e a curadoria permite ao docente esse trabalho estético e ético.   

Entrevista Nota 10 - Agora, falando especificamente de educação superior: que conselho deixar aos futuros profissionais para que ressignifiquem esse momento e desenvolvam novas habilidades para o futuro? 

Xênia Diógenes - Você disse tudo, estamos em um momento momento de ressignificar, é hora de reaprender, vivemos em todo mundo a mesma lógica: estamos no mesmo lugar, ninguém sabe mais do que ninguém, todos somos aprendizes neste novo normal, sejamos mais tolerantes conosco e mais ousados com nossas capacidades inventivas.