null Entrevista Nota 10: Izabel Gurgel e a arte que presenteia os jardins da vida

Sex, 9 Abril 2021 16:19

Entrevista Nota 10: Izabel Gurgel e a arte que presenteia os jardins da vida

Curadora da exposição “Águas de Março”, de Sérgio Helle, destaca a importância do incentivo à cultura nos tempos atuais 


Jornalista Izabel Gurgel assina a curadoria da exposição “Águas de Março”, de Sérgio Helle, em cartaz no Espaço Cultural Unifor (Foto: Ares Soares)
Jornalista Izabel Gurgel assina a curadoria da exposição “Águas de Março”, de Sérgio Helle, em cartaz no Espaço Cultural Unifor (Foto: Ares Soares)

Tempo para ver e viver o que pode brotar. Na linha dos desejos genuínos, a curadora de arte, jornalista e mestre em Sociologia, Izabel Gurgel, cultiva seu jardim de ideias para um futuro melhor, cuja travessia e a chegada são as iniciativas que instigam a fruição das artes, essenciais aos dias de ontem, hoje e amanhã. 

À frente da curadoria da exposição “Águas de Março”, do artista plástico Sérgio Helle, que está em cartaz no Espaço Cultural Unifor em celebração aos 50 anos da Fundação Edson Queiroz, Izabel fala com exclusividade ao Entrevista Nota 10 sobre o papel do incentivo à cultura diante das adversidades dos tempos atuais, convida para a visitação da mostra e compartilha ainda suas revisitações e descobertas culturais realizadas na pandemia. Leia a entrevista na íntegra: 
  
Entrevista Nota 10 - Izabel, para começar, gostaria que você nos contasse um pouco sobre a sua trajetória profissional… como se deu esse “casamento” entre Cultura, Jornalismo e Sociologia? 

Izabel Gurgel - Caminhos cruzados desde cedo. Estudante de Comunicação Social na UFC, trabalhei com a curadora de artes visuais Dodora Guimarães. Fui assistente dela na Arte Galeria, na Praia de Iracema. Nos altos, havia o ateliê do Sérvulo Esmeraldo. Os encontros na galeria tocada pela Dodora foram uma iniciação, uma escola intensiva para estudantes que se cruzavam no Benfica por conta das atividades universitárias nos cursos de Arquitetura, Sociologia, Psicologia, Comunicação... Adolescente, eu visitava o Museu de Arte da UFC - o Mauc, tinha fascínio pelo "Cidade em Festa", do Antônio Bandeira. Meu irmão fazia teatro e com 15 anos eu frequentava o Teatro Universitário, vi lá o ator Ricardo Guilherme fazendo "Apareceu a Margarida". Hoje me dou conta que dava continuidade ao meu aprendizado como público, que vinha sendo feito desde criança. Calçada, pracinha, cinema, circo, feira, festa de rua... Quando mudamos de vez para Fortaleza, para onde a gente vinha regularmente a passeio ou férias, a prática de viver a cidade já estava então em curso. Fomos descobrindo os movimentos, os lugares, como fazem adolescentes. E a faculdade foi um super abre-caminhos.   

Entrevista Nota 10 - Você é responsável pela curadoria de “Águas de Março”, de Sérgio Helle, que está em cartaz no Espaço Cultural Unifor. Qual a principal proposta da exposição e de que forma ela conversa com os tempos atuais? 

Izabel Gurgel - Costumo dizer que eu sou antes de qualquer coisa uma leitora. A descoberta da leitura é um acontecimento nas nossas vidas, você sabe. Digo que ler é escutar, um modo de prestar atenção. A ligação que tenho com artistas de várias linguagens, solistas ou em coletivos, deriva do gosto por prestar atenção. Escutando o Sérgio Helle sobre a confirmação da exposição para março, o título veio pronto. Águas de Março, título de uma canção de Tom Jobim, ganha um sotaque próprio no Ceará. O modo como esperamos as chuvas, sinônimo de bom inverno, inverno que se confirma no mês de março. Temos até uma data, o 19, passagem do equinócio e dia de São José, padroeiro do Ceará. Nos dois registros, temos uma promessa de vida. O Sérgio queria que o trabalho dele pudesse ser visto como esperança em tempos tão difíceis. É assim um convite para olhar para nossos bens: a Terra, nossa casa comum, ameaçada de tantos modos. 
     
Entrevista Nota 10 - E qual a relação de “Águas de Março” com os acervos da Unifor, como o de artes plásticas, de livros (Biblioteca Central, Coleção Rachel de Queiroz e Acervos Especiais) e os jardins do Campus? 

Izabel Gurgel - Realizar a exposição em uma instituição que guarda três importantes acervos potencializa esse convite. Há uma relação de cuidado, de zelo, na construção de acervos. A Unifor tem três que muito diretamente dialogam com Águas de Março: os jardins, os livros em distintas bibliotecas e as obras de arte. Sérgio vem compondo imagens, em pinturas ou infogravuras, a partir de elementos da natureza. A série Paradisus começou quando ele foi atraido por uma folha de torém, já ressecada. A Resurgentis, da atenção dele para planta nascendo em meio ao cimento, por exemplo. Nas duas séries, Um ciclo de vida - morte - vida, de resistência. Nos jardins da Unifor, você encontra torém. Jardins são também "biblioteca" de espécies e espécimes vivas. Você tem ali um campo de observação de múltiplas formas de vida, em troca permanente. 

Das bibliotecas Rachel de Queiroz e Acervos Especiais, selecionamos publicações que dão ênfase ao convite para prestar atenção, olhar melhor nossos bens. Tem uma edição japonesa d'O Quinze, o livro de estréia da Rachel de Queiroz, e duas publicações sobre Margaret Mee, a ilustradora botânica que vem morar no Brasil e só à Amazônia faz 15 expedições, de coleta, registro e documentação da flora. O Quinze traz para a exposição o sertão do Ceará - para onde desejamos que se dirijam as chuvas, realizando a promessa de vida. E o exemplar também realiza belamente a compreensão do livro como um objeto de arte. As publicações sobre a artista inglesa nos dão um vislumbre dos mundos da Amazônia e também das orquídeas presentes nos jardins da Unifor. Tem um reconhecimento a saberes de povos originários, que cuidam das florestas, das matas. Como os livros, as obras de arte também nos convidam a prestar atenção.    

Entrevista Nota 10 - Em tempos de pandemia, a Arte reafirma ainda mais sua importância. Em meio às dificuldades do momento, como a fruição artística tem resistido, na sua concepção?

Izabel Gurgel - Sim, temos vivido isso, não é? Uma live da Bethânia é um respiro. Não sei se você tem acompanhado a cena fértil que veio à tona via Lei Aldir Blanc. Política pública chegando ao destino: nossas vidas. Em um país desigual como o Brasil, condições igualitárias de produção, difusão e acesso são necessárias como utopia, mas longe ainda de ser uma realidade. Sempre acho que vou ter tempo de ver/viver o que pode brotar, por exemplo, das ações de bibliotecas comunitárias em Fortaleza. Eu vejo cada uma delas como jardins, como apostas no futuro.

Entrevista Nota 10 - Izabel, para finalizar, você teria alguma dica cultural que descobriu na pandemia? O tempo em casa fez muita gente atualizar as leituras, as playlists e o repertório audiovisual… 

Izabel Gurgel - Ler e reler Ana Miranda ("Clarice" e "Yuxin" são dois livros que se inscrevem na gente) e Natércia Campos ("A Casa" me espanta sempre. É um livro lindo, imensidão em formato compacto).
 
Releio com gosto cronistas que me oferecem uma Fortaleza que só posso freqüentar pela memória deles, Otacílio de Azevedo ("Fortaleza Descalça") e Edigar de Alencar ("Fortaleza de ontem e de anteontem"). É um elogio ao livro e à leitura o "EntreLivros", da Adelaide Gonçalves, que transformou sua biblioteca pessoal no público Plebeu Gabinete de Leitura, no Centro da cidade.
 
Usava uma música do Alberto Nepomuceno, "Prece", para receber as pessoas em atividades presenciais. Passei a usar nas aulas virtuais. Tem várias versões. Estou pensando na gravação do Arnaldo Rebello disponível no acervo do Instituto Piano Brasileiro.
 
Dois audiovisuais:  "Margaret Mee e a flor da lua", da Malu de Martino; e "Krajcberg - O poeta dos vestígios", do Walter Salles. Tem trechos das duas obras em "Águas de Março".