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Seg, 13 Agosto 2018 09:36

Entrevista nota 10: Tarcísio Pequeno, presidente da Funcap, fala sobre os caminhos da pesquisa no Ceará

Tarcísio Pequeno, presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Funcap (Foto: Ares Soares)
Tarcísio Pequeno, presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Funcap (Foto: Ares Soares)

Uma paixão, uma vocação, um lido cujo desenrolar muda vidas, transforma realidades, desenvolve cidades e nações. A pesquisa científica é um dos pilares da atividade universitária, aliando a produção de conhecimento que, ao mesmo tempo contribui para o avanço da ciência e o desenvolvimento social. Por muitos anos desvalorizada, em detrimento de sua importância, a pesquisa brasileira foi alvo de grandes e importantes investimentos nos últimos 15 anos. A realidade de hoje, no entanto, vai de encontro ao que se projeta para um país das dimensões e importância do Brasil.

Apesar disso, há quem a viva integralmente e tenha orgulho de dizer: sou cientista. Nosso entrevistado é um desses apaixonados por fazer ciência, apesar das dificuldades. Presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e  professor emérito da UFC, Tarcísio Pequeno tem interesse pela ciência desde a infância.

Para a entrevista exclusiva, Tarcísio recebeu a equipe da Unifor em seu escritório, na sede da Funcap. Jeito descontraído, conversa fácil de uma mente que não para. Abordou questões inerentes ao fazer científico, desafios, incentivos, inovação, além de traçar um panorama da pesquisa realizada no Ceará.

O que é preciso para que alguém possa se tornar um pesquisador?

TARCÍSIO PEQUENO: É preciso muita loucura (risos). Mas, falando sério, é preciso vocação, até porque é uma atividade que exige dedicação integral. Um pesquisador cientista não trabalha apenas 8 horas por dia, 5 dias por semana, mas o tempo todo. Ele está sempre pensando nos pro blemas ligados à sua atividade, portanto requer uma vocação. Dito isso, é importante também falar que é preciso que exista na sociedade uma rede que per mita duas coisas: captar essas vocações e também inspirar esse desejo. É preciso um estímulo desde cedo. Normalmente, essa escolha vai se dar na graduação e deve haver um caminho claro para queo aluno perceba essa possibilidade. Por exemplo, no Brasil, as instituições de apoio à pesquisa, como a Funcap, man- têm um programa muito forte de bolsas de iniciação científica oferecidas para o aluno durante o curso de graduação. Dessa forma, se o estudante já demonstra interesse, competência e talento, ele pode se candidatar e já vai poder compartilhar os laboratórios junto com um pesquisador que vai orientá-lo e ele começa a frequentaros ambientes de pesquisa. Apenas dessa maneira o aluno pode saber se isso é de fato o que ele deseja. Ou seja, é preciso que haja a vocação e o lado institucional para dar suporte.

O senhor mencionou os incentivos que permitem que aqueles que escolhem esta carreira possam nela permanecer. Como estão os investimentos atualmente no Brasil?

TARCÍSIO PEQUENO: O incentivo à pesquisa nunca foi prioridade no Brasil e são poucas sociedades que têm a ciência como prioridade. São nações que estão no topo do mundo e têm investimentos estatais e privados pesados na economia do conhecimento. Inclusive, quem não faz parte desse clube vai ficando marginalizado. Contudo, o Brasil experimentou, por mais de uma década, apoio mais forte e continuado à ciência e, de fato, ela cresceu muito acima do crescimento da ciência internacional. Durantes os últimos anos, o Brasil foi o país em que a pesquisa científica mais cresceu. É claro que partimos de um patamar relativamente baixo comparado a outras  nações, mas a pesquisa cresceu muito rapidamente até chegar no 13o lugar de produção científica do mundo. Mas a ciência já havia sofrido restrições no governo anterior, e sobretudo agora, no atual governo, sofreu um corte drástico de 50%.

Quais as consequências diretas dessa falta?

TARCÍSIO PEQUENO: Se você corta o número de bolsas, você diminui o estímulo para a educação. A bolsa é um investimento pequeno no ponto de vista do Estado, mas torna possível um sistema muito maior, pois se formos examinar, manter a estrutura de uma universidade é muito caro, enquanto a bolsa para alunos, diante disso, é um investimento pequeno, mas que torna possível todo o investimento grande. Quando você paralisa o investimento por uma pequena economia é como se você tivesse um caminhão potente e não tivesse dinheiro para colocar gasolina nele. A Funcap consegue manter um certo nível de bolsas, mas já é um pouco aquém do necessário. Além disso, é definido que o professor, dentro das universidades, deva fazer ensino, pesquisa e extensão, mas as universidades, que são aparelhos caros, geralmente só dão meios para que o professor promova o ensino. No entanto, há a cobrança para que ele faça pesquisa e inovação. Para isso, o professor precisa de equipe e laboratórios. Daí é que entra o sistema de financiamento da ciência e tecnologia do País – o CNPq, a Capes e a FINEP no âmbito federal, e no estadual, a Funcap, por exemplo. Portanto, o pesquisador deve conseguir os próprios recursos, e ele faz isso por meio de projetos que ele submete a esses órgãos. Quando se consegue financiamento privado, geralmente vem de empresas internacionais, como por exemplo a IBM na Unifor, a Samsung e LG na UFC e a Apple no IFCE. Ou seja, com os cortes, todo esse sistema fica abalado.

Por que não existe a cultura de valorização da pesquisa no Brasil e porque o os pesquisadores do País de pendem tanto do dinheiro público?

TARCÍSIO PEQUENO: Em primeiro lugar temos que ver o nível educacional do nosso povo e temos que ver também o nível econômico e a desigualdade social do nosso país. Há uma dificuldade muito grande para que pessoas com necessidades primárias tenham sensibilidade para entender o valor da ciência. A própria mídia não entende bem dessa área. Outro fator é que a ciência não dá voto para os políticos de uma maneira geral. Além disso, tem a dependência do investimento de fundos públicos, problemas na legislação brasileira, das heranças não serem devidamente taxadas, das renúncias fiscais para quem doa. Nos Estados Unidos, por exemplo, se você andar em universidade e hospitais, encontrará alas inteiras – fabulosas e caríssimas – que têm o nome de uma pessoa que nunca se ouviu falar, mas que acaba se tornando famosa porque doou. Esse tipo de coisa não acontece no Brasil porque não se tem a legislação adequada, não há uma construção social que conduza a esse tipo de ação. Para mudar, poderia haver uma taxação de heranças que estimule a pessoa a doar antes de ser taxado. Ela vai fazer um bem e, consequentemente, tem uma decisão do que fazer com seu dinheiro. Também existe uma cultura do reconhecimento e apreciação desse
tipo de ação fora do Brasil.

Quais os desafios especificamente para o Ceará, no âmbito da pesquisa?

TARCÍSIO PEQUENO: Nossas necessidades são grandes no Ceará, até porque muitas das nossas ações são desenhadas para funcionar em colaboração com os órgãos fede rais. No momento que falta dinheiro no âmbito federal, o local fica prejudi cado. Sem levar em conta que há uma retração financeira no próprio Estado. Esse corte nos atinge de forma particularmente severa, pois estávamos em um momento de expansão. Mas além das pesquisas em geral, a nossa pós-graduação tem crescido bastante. O nível das nossas universidades têm aumentado. No último ranking da Folha de São Paulo, a Universidade Federal do Ceará ocupou o 10º lugar em melhores universidades do País, além de ser a melhor do Nordeste. A Uece foi escolhida como a melhor universidade estadual da região, e a Unifor foi apontada como a melhor universidade particular do Nordeste.

Que ações foram realizadas para estimular a pesquisa em nosso estado, inclusive em outras cidades que não só a capital?

TARCÍSIO PEQUENO: Nos últimos 10 anos, houve o fenômeno da interiorização da universidade, da pesquisa e da ciência no Ceará. Nós tínhamos duas universidades no interior, Urca e Uva. Elas tinham um número pequeno de doutores pesquisadores que estava sempre declinando, pois eles acabavam migrando para centros maiores, como Fortaleza, João Pessoa e Campina Grande. Portanto, em 2008,a Funcap criou um programa chamado Bolsa de Pesquisa e Interiorização (BPI), para que os doutores de boa produção científica se mantivessem no interior por meio de um adicional ao seu salário. Além disso, bolsas de iniciação científica eram oferecidas para que eles tivessem um grupo de alunos nas pesquisas. Pudemos ver que isso provocou retenção maior de doutores nas cidades do interior, mas não apenas isso, nós conseguimos interiorizar a pós-graduação, tanto mestrado como doutorado. Portanto, esse corte é prejudicial.

O que está sendo feito para driblar a situação do corte de investimentos especialmente no Ceará?

TARCÍSIO PEQUENO: Atualmente, estamos negociando parcerias internacionais para tentar sanar essa situação. Estamos lançando um edital junto com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, de Portugal. O seu presidente esteve aqui e foi estabelecido que pesquisadores cearenses que se associarem a grupos portugueses podem competir neste edital. Nós colocamos recursos nisso, mas em um valor menor do que se fosse um projeto todo. Também estamos negociando parcerias com a França, Inglaterra, Noruega e Alemanha. Estamos tentando buscar maneiras de superar o corte, contudo, será preciso uma ação mais forte do governo, mesmo sabendo que o País está em um período de crise, pois a ciência é uma ponte para o futuro importante.

No atual contexto, ainda vale a pena ser um pesquisador no Ceará e no Brasil?

TARCÍSIO PEQUENO: O fim do Ciência Sem Fronteiras, por exemplo, é desanimador, pois embora tivesse falhas e excessos que deveriam ser modificados, o projeto todo não deveria ter sido encerrado. O programa em si era brilhante. Mas, veja, o investimento na pesquisa é como em um pomar. A fruta que você está comendo hoje veio da árvore que foi plantada há alguns anos. Nós estamos começando a fraquejar no ato de plantar, mas ainda temos frutos interessantes sendo colhidos. Hoje acontece ainda um fenômeno interessante. Uma quarta opção além do mercado de trabalho, do profissional liberal e de ser um pesquisador se abre para o jovem que está na universidade. Ele agora pode tornar-se um inovador. Isso é crescente nas universidades e é importante, pois não há economia sem inovação no mundo atual. Essa aspiração de transformar a ciência e tecnologia em riqueza está muito presente nas gerações atuais, e essa percepção está muito evidente nos alunos da Unifor.

O senhor citou a Unifor, que, apesar da crise, vem investindo em pesquisa e inovação, com parcerias de impacto direto na sociedade, como é o caso dos projetos em mobilidade urbana. Qual a importância de investimentos  desse tipo?

TARCÍSIO PEQUENO: A Universidade de Fortaleza está organizando fortemente a atividade de pesquisa e inovação. Essa opção está muito clara nas áreas que estão mais relacionadas com essa prática. A inovação, que costuma ser um pouco voluntarista, está começando a ser competentemente estruturada na Unifor, ou seja, a prática se institucio naliza. O aluno agora vê com clareza as possibilidades nessa oportunidade.

Apesar do momento, fazer pesquisa é tão necessário quanto apaixonante. Qual conselho o senhor dá para quem quer começar a vida de pesquisador?

TARCÍSIO PEQUENO: É preciso estar convicto de que a pessoa gosta e quer ser um pesquisador. Ela deve fazer a escolha de dedicar a vida ao conhecimento. Se a pessoa realmente compreender que é isso que ela quer, jamais vai precisar trabalhar na vida, pois não chamará o que faz de trabalho. Vale ressaltar que é uma escolha para a vida toda. Um pesquisador é, sobretudo, um eterno estudante. No entanto, ele será dono de seu destino, pois seu próprio interesse vai guiar o que ele estudará.