null Entrevista Nota 10: Ana Maria D´Ávila e a pesquisa em Direito como ferramenta de transformação social

Qua, 11 Novembro 2020 15:56

Entrevista Nota 10: Ana Maria D´Ávila e a pesquisa em Direito como ferramenta de transformação social

Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Unifor destaca a importância da produção científica pelas mulheres


Ana Maria D´Ávila Lopes coordena o grupo de pesquisa Direitos das Minorias e das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, do PPGD-Unifor (Foto: Alex Campêlo/Marcia Travessoni)
Ana Maria D´Ávila Lopes coordena o grupo de pesquisa Direitos das Minorias e das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, do PPGD-Unifor (Foto: Alex Campêlo/Marcia Travessoni)

A atividade científica tem papel fundamental nas mudanças pelas quais a sociedade atravessa. Para a constitucionalista Ana Maria D´Ávila Lopes, o olhar sobre essas transformações são base para seu trabalho dedicado à análise e às repercussões das decisões dos sistemas Interamericano e Europeu de Direitos Humanos. 

Nascida no Peru, onde se graduou e encontrou sua afinidade com a pesquisa científica, a professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, foi a primeira mulher bolsista de produtividade em pesquisa na área do Direito pelo CNPq. Além disso, é também a autora mais citada em pesquisas na área Constitucional pelo ranking do Google Scholar.

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, Ana Maria D´Ávila destaca a importância de que as mulheres conquistem cada vez mais espaços de visibilidade e ressalta ainda o papel das universidades no estímulo à formação de pesquisadores no campo das ciências sociais. Confira a seguir: 

Entrevista Nota 10 - Professora, como surgiu seu interesse pela pesquisa científica?

Ana Maria D´Ávila - O interesse pela pesquisa científica começou já no primeiro ano dos meus estudos da graduação em Direito, quando percebi a importância de realizar atividades acadêmicas que me permitissem aprofundar os conhecimentos adquiridos em sala de aula e me envolver, também, em estudos com potencialidade para mudar a teoria e a prática jurídica, que eu considerava deficientes por não estarem contribuindo para acabar com a discriminação.

Entrevista Nota 10 - Atualmente, de que forma avalia a produção científica na área do Direito pelas mulheres? Ainda há muitos desafios para conquistar espaços de visibilidade?

Ana Maria D´Ávila - A cada dia que passa, nós mulheres estamos quebrando as diversas barreiras que historicamente foram levantadas para limitar nossa atuação em igualdade de condições que os homens. Ainda há muitos desafios para alcançar uma verdadeira igualdade, mas não há dúvida que, nos próximos anos, poderemos mostrar que não há lugar que uma mulher não possa ocupar nem meta que não possa alcançar.   

Entrevista Nota 10 - Poderia nos contar um pouco sobre a história da conquista da mulher ao voto?

Ana Maria D´Ávila - A conquista do direito ao voto das mulheres foi produto da luta do movimento feminista que, no mundo, surgiu no final do século XIX, sendo a Nova Zelândia o primeiro país a reconhecer esse direito em 1893. No Brasil, as lutas começaram no início do século XX, destacando-se a bióloga Bertha Lutz. Foi, entretanto, apenas em dia 3 de novembro de 1930 que o Presidente Washington Luis instituiu esse direito, embora inicialmente com diversas restrições, assim, por exemplo, as mulheres casadas precisavam da autorização do marido para exercer esse direito. Participar da vida política não apenas como eleitoras, mas também como eleitas, é fundamental para reverter o quadro de profunda discriminação que ainda persiste na nossa sociedade. Nós mulheres precisamos ocupar os espaços formais de poder, porque é nesses lugares onde se tomam as decisões que determinam grande parte de nossas vidas. Já conquistamos o direito de eleger, mas ainda falta conquistar o direito de sermos eleitas. Não se trata de um problema de ausência de normas, porque elas já permitem isso, mas de um problema que gira em torno do grave descompasso entre o que uma norma determina e como ela é aplicada. 

Entrevista Nota 10 - Agora falando sobre formação: as escolas de Direito têm estimulado os jovens/as jovens estudantes a perseguirem esse sonho de se tornar pesquisadores um(a) pesquisador(a)?

Ana Maria D´Ávila - Tradicionalmente, as escolas de Direito caracterizavam-se por serem espaços avessos às mudanças, nos quais a pesquisa científica não era incentivada nem valorizada, pois pesquisa-se para mudar o mundo. Nos últimos anos, essa realidade vem paulatinamente mudando e já é possível encontrar ricas experiências como no caso da Unifor, onde há diversos programas de estímulo à pesquisa científica, tanto para professores como para alunos da graduação e da pós-graduação. Esses programas incluem bolsas, auxílios para a participação em eventos nacionais e internacionais, financiamento de projetos, prêmios e promoção na carreira profissional pela publicação em periódicos científicos qualificados, dentre outros.

Entrevista Nota 10 - Você se dedica à análise e às repercussões das decisões dos sistemas Interamericano e Europeu de Direitos Humanos. Qual a urgência de a sociedade voltar seu olhar com mais atenção para as minorias e pessoas em situação de vulnerabilidade?

Ana Maria D´Ávila - Historicamente, as minorias e as pessoas em situação de vulnerabilidade tiverem muitos dos seus direitos limitados e, inclusive negados, o que é totalmente incompatível com a noção de Estado Democrático de Direito, no qual todo ser humano deve ter sua dignidade reconhecida e respeitada. Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, a exemplo do interamericano e do europeu foram criados porque, na geopolítica mundial, não se aceita mais Estados nos quais os direitos de todos os seres humanos não sejam garantidos. Trata-se de um imperativo previsto nos principais documentos jurídicos internacionais bem como na nossa própria legislação constitucional e infraconstitucional. A urgência, entretanto, não deriva apenas de ser um imperativo jurídico, cuja desobediência acarreta sanções, mas de um imperativo ético que deriva da consciência da nossa própria humanidade e do reconhecimento da humanidade do outro, a quem devo tudo aquilo que reivindico para mim. É dessa consciência que depende nossa civilidade, nossa vida pacífica e harmônica em sociedade.

Entrevista Nota 10 - Muitas transformações jurídicas são desencadeadas por aspectos diversos. No Brasil, por exemplo, a união homoafetiva é um direito garantido pela justiça. Nesse sentido, qual a contribuição dos estudos realizados no campo das ciências humanas e sociais?

Ana Maria D´Ávila - Os direitos humanos são conquistas alcançadas tanto por obra dos movimentos sociais como pela atividade intelectual dos pesquisadores. É por meio da atividade científica que as reivindicações sociais ganham o substrato teórico necessário para adquirir os contornos e fundamentos necessários para seu reconhecimento jurídico como reivindicações justas.

Entrevista Nota 10 - Que trabalhos vêm sendo desenvolvidos pelo grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Unifor vinculado ao CNPq o qual você coordena? 

Ana Maria D´Ávila - Atualmente o grupo de pesquisa que coordeno sobre os direitos das minorias e das pessoas em situação em vulnerabilidade vem desenvolvendo três projetos de pesquisa. Um projeto sobre a jurisprudência do Sistema Interamericano, executado em parceria com a Universidade Federal do Pará, a Universidad de Buenos Aires, a Universidad Austral de Chile e a Pontificia Universidad Católica del Peru, com financiamento do CNPq (Edital Universal); outro projeto sobre empresas e direitos humanos, financiado pela DPDI/Unifor; e, finalmente, um projeto sobre intransição democrática e violência armada, em parceria com 16 universidades da América Latina e financiado pela Fundação Ford.

Entrevista Nota 10 -  Professora, você é a autora mais citada em pesquisas na área do Direito Constitucional pelo ranking do Google Scholar realizado em outubro deste ano. O que isso representa para você pessoalmente e também enquanto docente da Unifor? 

Ana Maria D´Ávila - Ser a mulher constitucionalista mais citada do Brasil representa uma conquista fundamental na minha trajetória acadêmica, na medida em que confirma a qualidade da minha produção científica, que fez com que me tornasse a primeira mulher do Norte-Nordestes do Brasil a ser bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq da Área do Direito, coordenadora da Comissão Qualis/Capes de Direito durante 4 anos e atual representante da Área das Ciências Sociais na Diretoria das Relações Internacionais da CAPES. Os índices de impacto, como o do Google Scholar, objetivam avaliar a qualidade da produção científica de um pesquisador, por meio de métricas que permitem aferir a sua repercussão entre os pares. Busca-se, assim, reconhecer e promover a qualidade em lugar da mera quantidade. Esses índices são utilizados por organizações nacionais e internacionais para construir os rankings das universidades. Nesse sentido, como docente da Unifor, é uma grande satisfação saber que, de alguma forma, estou retribuindo todo o apoio institucional recebido para realizar meu trabalho.

News Navigation Portlet está temporariamente indisponível.