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Seg, 2 Março 2020 14:52

Entrevista Nota 10: Renato Leite Monteiro e os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados

Renato Leite Monteiro, advogado cearense e sócio do escritório de advocacia Baptista Luz em São Paulo. (foto: Divulgação)
Renato Leite Monteiro, advogado cearense e sócio do escritório de advocacia Baptista Luz em São Paulo. (foto: Divulgação)

Fundador do Data Privacy Brasil, o advogado cearense Renato Leite Monteiro é uma das vozes mais sapientes quando falamos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Sancionada em 2018, a nova legislação, considerada avançada diante do cenário mundial, passará a valer a partir de agosto próximo. Entidades públicas e privadas precisarão se adequar aos novos parâmetros da legislação – que funcionará como a peça central de um grande tabuleiro. Renato Leite Monteiro – que trabalhou, inclusive, na redação da LGPD – explica que será necessário ampliar conhecimentos técnicos e habilidades específicas para os operadores do Direito.

Professor universitário, advogado especialista em proteção de dados e sócio do Escritório Baptista Luz, localizado em São Paulo, ele explica as principais conceituações da Lei Geral de Proteção de Dados e os impactos para governo, para empresas privadas, par aos operadores do Direito e, principalmente, para o cidadão comum.

Nesta terça-feira, 3 de março, a partir das 19 horas, Renato falará sobre estes e outros pontos da LGPD na Aula Magna da Escola de Direito da Pós-Unifor. O encontro acontece na sala B28, do Bloco B, e tem como tema “O impacto da Lei Geral de Proteção de Dados no Direito e na Economia”.

Confira a entrevista

UNIFOR: O que é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) do Brasil e de quais pontos principais ela trata?

RENATO LEITE MONTEIRO: A Lei Geral de Proteção de Dados visa regulamentar o uso de dados pessoais no Brasil. E se aplica tanto no online e no off-line. Não é uma lei apenas de internet. É uma lei que se aplica em empresas, em idas a farmácias, em compras online, em busca por emprego, em busca por plano de saúde e seguro de vida. Ou seja, toda e qualquer interação, online e off-line, público ou privado, em que há o uso de informações pessoais. E dado pessoal é muito além do que normalmente pensamos. Não é só nome, RG e CPF. É toda e qualquer informação sobre a pessoa física, o ser humano. Os gostos, os interesses, a rotina, o endereço, os familiares, o desempenho. E como ela regulamenta isso? Uma coisa importante de frisar é que a lei não limita o uso de dados pessoais, ela não torna mais difícil o uso de dados pessoais. Ela não vai engessar. Ela flexibiliza o uso de dados pessoais, mas traz segurança jurídica para o uso desses dados. (A Lei Geral de Proteção de Dados) estabelece uma série de novas obrigações para as organizações públicas e privadas, estabelece uma série de direitos para os titulares dos dados, estabelece uma série de princípios que norteiam a forma como os dados serão utilizados – princípios de finalidade, de transparência, de segurança, entre outros.

UNIFOR: Como a LGPD vai afetar a economia brasileira? Como será o processo de adequação exigido para as nossas empresas?

RENATO LEITE MONTEIRO: O projeto de adequação que todas as organizações – públicas e privadas , vão ter que passar – pode ser dividido de diversas formas. Mas, basicamente, terá que ser realizado por um corpo jurídico que faça um mapeamento das atividades de uso de dados pessoais da empresa. Um corpo jurídico – muitas vezes junto de um corpo técnico – terá que identificar, mapear, entender e conhecer quais são os processos das diferentes áreas que lidam com dados pessoais para analisar os processos e verificar se estão em conformidade com a LGPD. Provavelmente, muitos desses processos não estarão em conformidade e o corpo jurídico irá sugerir uma série de medidas que precisam ser implementadas pela organização para que ela possa estar adequada. Essas medidas podem ser jurídicas, organizacionais, procedimentais e tecnológicas.

UNIFOR: E de que forma a LGPD afeta o cidadão comum? Ela vai afetar também a forma como o usuário se relaciona com a internet e o mundo virtual?

RENATO LEITE MONTEIRO: A legislação estabelece novos direitos que os cidadãos poderão exercer para garantir que as informações sejam usadas de forma adequada. Por exemplo, estabelece o direito de acesso. O cidadão vai poder chegar para uma organização e perguntar quais são os dados sobre ele ou ela que a organização utiliza, como utiliza os dados, com quem são compartilhados os dados, poderá pedir uma cópia dos dados, poderá pedir que os dados sejam apagados em algumas situações, poderá pedir o direito de explicação de como os dados são usados. Imagine que você vai em uma farmácia e é solicitado o seu número de CPF. Você poderá chegar na farmácia e perguntar o motivo de querer o CPF, se a farmácia recebeu dados de um plano de saúde, como será o uso desses dados.

UNIFOR: Mas nós vamos buscar esses direitos na prática e vamos ter acesso de fato?

RENATO LEITE MONTEIRO: Acredito que sim. Eu já estou vendo – e trabalho com isso todos os dias – isso acontecer aos montes. Inclusive, clientes do Nordeste e, inclusive, do Ceará que estão recebendo requisições sobre os direitos. Pessoas que batem à porta e dizem “quero saber como os meus dados estão sendo utilizados e quero uma cópia dos meus dados”. A lei cria uma nova entidade reguladora – que é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – que terá amplos poderes. É uma super entidade reguladora. Diferente do Bacen que regula o mercado financeiro e da Anatel que regulamenta o setor de telecomunicações, essa autoridade terá poderes para regulamentar, supervisionar, investigar e aplicar sanções em todos os setores da economia e da sociedade.

UNIFOR: A redação da Lei, da qual você participou, levou oito anos até ser concluída e só regulamentar usos de dados entrará em vigor em agosto de 2020. Até lá, que tipo de ordenamento jurídico tem tratado da proteção dos nossos dados na internet?

RENATO LEITE MONTEIRO: Nós já temos muito, na verdade. Acho que um pensamento, infelizmente, muito comum e inadequado, é que não temos leis que protegem nossas informações. Nós temos várias. Nós podemos citar o Código de Defesa do Consumidor, desde 1990; nós podemos citar o Marco Civil da Internet, desde 2014; nós podemos citar a Lei de Acesso a Informação. Existe uma série de leis que já tem vários desses direitos – mas desorganizados e não tão claros. Isso não impediu que tivéssemos uma série de procedimentos. Grandes empresas foram investigadas e estão sendo investigadas com base nessas leis. Com a LGPD, esses direitos estão mais estruturados e mais claros em como devem ser vistos. As leis antigas, por mais que tratem de direitos, fazem de forma nebulosa e podem entrar em conflito entre si. As diferentes leis que nós temos hoje são como um quebra-cabeças. E faltava uma peça central para encaixar todas as demais peças. e essa peça central será a Lei Geral de Proteção de Dados – que não revoga nenhuma dessas leis, mas todas terão que ser interpretadas sob à ótica da LGPD - trazendo robustez para os direitos que já existiam e estabelece novos direitos que não existiam antes.

UNIFOR: Os debates e as discussões sobre essa legislação chegaram ao Brasil no momento certo? Nós estamos atrasados diante do restante do mundo?

RENATO LEITE MONTEIRO: O Brasil sofreu um atraso regulatório de 30 anos ou 40 anos – comparado com outros países do mundo. Principalmente com a União Europeia, que já tem leis com essa robustez desde 1995. Este atraso regulatório trouxe uma série de vantagens. A nossa lei é considerada muito avançada. Em certos pontos, ela é mais avançada do que a lei em vigor na União Europeia. Nós temos uma série de particularidades na nossa lei que a tornam bem diferente da legislação europeia e algumas dessas particularidades são grandes inovações que estão mais adequadas para essa vida permeada por tecnologias que coletam dados a todo momento. E o movimento que o Brasil fez, em 2018, não é um movimento isolado. Mais de 40 países, no mundo inteiro, já aprovaram leis similares, e até mesmo regiões do mundo onde tradicionalmente havia uma abordagem mais abstrata, agora estão trabalhando em legislações como essa. O estado da Califórnia aprovou a sua legislação. Temos mais seis estados norte-americanos trabalhando em suas legislações. E, hoje, o Congresso Americano também discute uma lei federal em moldes similares.

UNIFOR: Na União Europeia , onde a lei já foi implantada há cerca de dois anos, têm-se visto eficácia na lei? Ouve-se falar em aplicações de multas vultuosas a empresas que não cumprem a lei. Você acredita que no Brasil também veremos isso?

RENATO LEITE MONTEIRO: Nós temos alguns casos emblemáticos na União Europeia de multas que foram aplicadas em empresas como Google, como Facebook. Esses são casos que dão a tônica da força dessa legislação. Mas as autoridades nacionais de proteção de dados de cada país da União Europeia, além da função de aplicar multas, também tem tido função pedagógica. Uma função de tentar trabalhar com a iniciativa privada, com o mercado com os governos para educar na melhor forma de não apenas utilizar a lei, mas como utilizar os dados pessoais de forma adequada. Nós esperamos que a nossa autoridade nacional, quando estiver estabelecida, tenha um papel similar. Que, sim, ela aplique e investigue com penalidades altas para os casos que sejam de violações graves – mas que também tenha um papel educativo muito forte. E, nesse ponto, a nossa legislação é bastante avançada – pois ela realmente estabelece que a autoridade nacional tem que trabalhar em conjunto com os mercados, para entender como eles funcionam, para sugerir formas melhores de uso de dados. Mas isso não impede que tanto a autoridade nacional de uso de dados possa aplicar penalidades altas como também que o Ministério Público faça investigações e processos levados ao Judiciário.

UNIFOR: Quais habilidades e quais competências serão exigidas dos profissionais do Direito com a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados? Como os nossos advogados podem se preparar para este novo momento do mercado brasileiro?

RENATO LEITE MONTEIRO: Esse é um dos pontos que vou tratar na nossa Aula Magna. Para a maioria dos advogados - estamos falando de mais de um milhão de advogados no Brasil - esta é uma lei ou um assunto totalmente novo. Ao ponto de ser desconhecido para uma maioria. Se você perguntar, sem sombra de dúvida, alguns vão dizer que nunca ouviram falar desse termo ou não tem uma visão tão adequada sobre a lei. Mas o que se exige do profissional? Primeiro, é importante dizer que a Lei Geral de Proteção de Dados não trata apenas sobre privacidade ou sobre confidencialidade. É uma lei que trata sobre direitos e liberdades fundamentais. O advogado que milita nessa área terá que ter conhecimentos da LGPD, de outras leis que também regulamentam dados pessoais, de funcionamento e de como as empresas lidam com dados pessoais. Portanto, um conhecimento técnico é muito desejado. Um advogado que quer trabalhar em grandes projetos de adequação vai ter que possuir capacidade de gerenciamento muito forte. É algo que não está sendo ensinado nas faculdades de Direito. (O advogado) terá que ter conhecimento, também, de questões éticas, filosóficas e morais. Pois chega a esbarrar em determinadas questões para as quais a lei não trará uma resposta fechada – como questões de Inteligência Artificial. O operador de Direito que quer atuar nessa área terá que ter conhecimento multifacetado e que está além do que está sendo ministrado nas faculdades de Direito. É por isso que vemos, em algumas faculdades, a matéria específica de proteção de dados na sua grade curricular. Não é uma disciplina de Direito Digital, pois isso é outra coisa. Direito Digital e Proteção de Dados são diferentes. Algumas instituições estão inserindo, como obrigatória ou com optativa, a disciplina de Proteção de Dados. Pois é uma disciplina que tem impacto em outras áreas: Civil, Penal, Societário. Todas terão impacto dessa lei. E vemos novas iniciativas educacionais surgindo. Eu sou fundador do Data Privacy Brasil, que é uma organização focada na educação, treinamento e pesquisa na área de Proteção de Dados e Novas Tecnologias. E já treinamos mais de dois mil profissionais de várias aulas. Com profissionais de Direito, Regulatório, Jornalismo, Tecnologia da Informação. Nossas faculdades terão que se adaptar fortemente e rapidamente para englobar todos os temas.

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