null Em cartas, professores emocionam com relatos de experiências na pandemia

Qua, 30 Dezembro 2020 11:06

Em cartas, professores emocionam com relatos de experiências na pandemia

A pandemia da Covid-19 ampliou as distâncias físico-espaciais entre os indivíduos, ainda que estas tenham se estreitado virtualmente. Na tentativa de reaproximar as pessoas, a Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, lançou o projeto “O Que Aprendi: Cartas de Professor”.

Diferente do que se espera do rápido tête-à-tête cotidiano em aplicativos de chat e em salas do Google Meet ou Zoom, a iniciativa propõe um momento de reflexão e sensibilidade, no qual os docentes da instituição possam discorrer entre si a respeito dos aprendizados e percepções que bateram à porta durante a quarentena.

Na dinâmica, educadores, de diferentes áreas, convidam-se sucessivamente para trocar missivas manuscritas, relatando suas novas percepções e estabelecendo, assim, uma corrente imprevisível de significados. Neste primeiro momento, sete professores aderiram à iniciativa. As primeiras cartas, trocadas no segundo semestre de 2020, algumas delas em estão acessíveis à leitura em um ambiente digital criado especialmente para o projeto no portal da Unifor. Para isso, basta clicar aqui.

Os próximos caminhos da ação se guardam promissores: há expectativas de que novos professores se engajem no projeto e as cartas, agora redesignadas como relíquias de um 2020 conturbado, sejam dispostas em exposição física. No mais, as cartas virtuais podem ser compartilhadas por todos e levar reflexões aos seus destinatários em potencial.

“O isolamento mexeu muito com as pessoas, tanto na dimensão física quanto na emocional. Colocou todo mundo em situações-limite para as quais não se estava preparado. Houve solidão, medo, raiva e todo tipo de perda durante essa forçada experiência. Essa foi a primeira “herança” desse período. Mas foi só isso? A tragédia com suas negativas e garantidas sequelas será tudo que restará? E a ‘parte boa’? Como é que podemos transformar uma situação dessa em algo positivo e tirar uma lição? Como podemos fazer deste limão uma limonada?”

Pedro Boaventura
Professor e curador do projeto

A resposta para a inquietação de Pedro veio com a necessidade de reflexão sobre o momento, de forma a se construir um legado construtivo e restaurador, de reunir informações, conselhos e filosofias que pudessem ajudar outras pessoas, atingindo-as de forma positiva.

“É por isso que se escolheu o formato carta, pelo poder evocativo da palavra escrita à mão, algo que se perdeu com a tecnologia, e o ambiente da amizade, essa dimensão da existência que nos fez tanta falta no isolamento”, explica Boaventura.

O projeto “O Que Aprendi: Cartas de Professor” demonstra uma preocupação ainda mais profunda da Unifor em relação à atual situação do mundo. A instituição promoveu anteriormente ações diretas de combate ao novo coronavírus, como campanhas informativas, de pesquisa científica e de vacinação. Agora, essa atenção se estende para outro nível: a criação de conhecimentos por meio do debate filosófico, potencializando esperanças para a construção de dias melhores.

Como participar

O fluxo do projeto se dá da seguinte maneira: cada professor que for contemplado com a carta de um amigo, compromete-se a escrever uma missiva para outro amigo professor, dando continuidade à corrente. O documento deve ser manuscrito e, após terminada a redação, deve-se contatar a Unifor para o envio de um mensageiro, que levará a correspondência ao destinatário indicado.

Confira, abaixo, alguns trechos das cartas. E não deixe de lê-las, na íntegra, aqui.

“Fiz tantos planos para o semestre e as férias em seguida… sabe como gosto de viajar, não é?! Seriam três viagens para o Rio de Janeiro: um seminário em março, um encontro em abril e nas férias, o grande Congresso Internacional de Arquitetas… muitos conhecimentos e descobertas: tudo cancelado! Foi muito triste, mas ficou aterrador quando perdi a Bia, uma amiga referência de vida, jovem, saudável, que partiu sem anúncio de despedida. Com isso, aprendi a ressignificar sua presença em minha vida! E só não foi pior, porque pude dizer a ela, algumas vezes, o quanto a admirava. E ai vai, mais um aprendizado: explicitar cada vez mais meus afetos! Aliás, o fato de ter escolhido você, Camilla, como minha interlocutora, também tem essa finalidade: registrar meu afeto e admiração por você, mulher corajosa, competente colega de profissão e de trabalho, que é referência na condução e resolução de problemas, com coerência e tranquilidade. É tão reconfortante ter pessoas assim, como faróis…”

(De Fernanda Rocha para Camilla Girão)


“Na minha rotina diária, voltei a ter uma relação com minha moradia, com meu marido e com minhas filhas só comparável com o período em que elas eram recém-nascidas. Isso foi fantástico. Me dediquei mais, com menos e melhor. Me dediquei a resolver situações que já me pareciam muito distantes: - Vamos fazer um bolo de chocolate?- me pediu muitas vezes a Lulu, minha filha caçula. E eu tenho respondido: - Vamos sim! Vamos fazer juntas!”

(De Camilla Girão para Pedro Boaventura)


“Tomara que enxerguemos os caminhos sobre os quais foram lançadas poucas luzes e que fique evidente não haver a necessidade de ampliarmos produtividade, jornadas laborais, mobilidades aleatórias; ao contrário, precisamos conferir densidade às coisas e sair das superficialidades toscas, tão presentes em nossas vidas ao ponto de vermos até mesmo quem conteste a validade da ciência!”

(De Humberto Cunha para Marina Cartaxo)


“O ano de 2020 está sendo um ano para aprender a fazer planos de curto prazo, ou de aprender a lidar com as coisas e fatos não planejados de forma mais “leve”, sem pânico e resistência. Tem sido um ano muito interessante no trabalho, porque aprendi que existem outras formas de executar o meu ofício, bem como outros conhecimentos e habilidades de que não sabia da existência”

(De Marina Cartaxo para Carolina Quixadá)