Entrevista Nota 10: No ritmo do empreendedorismo

qua, 3 julho 2019 17:20

Entrevista Nota 10: No ritmo do empreendedorismo

Professor, coordenador do Escritório de Gestão Empreendedorismo e Sustentabilidade da Unifor e músico, Rogério Nicolau de Barros fala sobre a relação entre arte e empreendedorismo


Rogério Nicolau durante o tradicional evento 'Você Empreendedor', que reconhece iniciativas econômicas cearenses (Foto: Ares Soares/Unifor)
Rogério Nicolau durante o tradicional evento 'Você Empreendedor', que reconhece iniciativas econômicas cearenses (Foto: Ares Soares/Unifor)

Empreendedorismo é música para os ouvidos do professor e coordenador do Escritório de Gestão, Empreendedorismo e Sustentabilidade (EGES) da Unifor, Rogério Nicolau. Com um disco autoral de rock já lançado e um livro de poemas publicado de forma independente, ele tomou para si o desafio de levar para a sala de aula tudo o que as artes têm a ensinar para os negócios – e vice-versa. Nessa empreitada, até o multi-instrumentista Naná Vasconcelos foi convidado a compartilhar experiências criativas com docentes e discentes mais familiarizados com cifras e estratégias de mercado.

Há oito anos à frente do EGES, o professor vibra com projetos hoje consolidados no campus, como o Você Empreendedor e o Aluno Empreendedor, utilizando o poder de todas as mídias, incluindo o jornal Diário do Nordeste, para aliar teoria e prática de modo que a equação entre razão e sensibilidade feche redonda, a ponto de estimular alunos e alunas do século XXI a empreender cada vez mais com criatividade e responsabilidade social.

O que professores e alunos do EGES têm descoberto que é imprescindível, no século XXI, para empreender?

O imperativo do século XXI para que pessoas e empresas possam se diferenciar é a criatividade. Tendo em vista que a concorrência acontece em um ambiente em que as empresas detêm a mesma tecnologia e preço, o grande diferencial é conseguir promover ideias originais e as ideias originais nascem em grande parte das tentativas, do erro e de colocar em prática aquilo que foi imaginado. 

Mas de que forma a criatividade vem sendo estimulada na prática?

A principal forma é fazendo o aluno ser protagonista da sua ideia. Incentivar e dar os meios necessários para que ele tire essa ideia da cabeça e coloque no papel e em prática. Isso acontece por meio de vários movimentos: pelas metodologias usadas em sala de aula, como design thinking, formas de pensar, pesquisar, prototipar, fazer trabalhos em equipe, bem como o atendimento e as ações de fomento ao empreendedorismo promovidas pelo EGES. Aproveitamos o fato de termos uma universidade vocacionada para a arte para estimular os alunos a pensar “fora da caixa”. Isso passa pela sala de aula, pela formação dos nossos professores e pelos inúmeros projetos promovidos. Em um desses seminários do projeto Você Empreendedor, por exemplo, a gente trouxe o multi-instrumentista Naná Vasconcelos. Naná é um brasileiro que poucas pessoas conhecem. Infelizmente faleceu há pouco tempo. Mas é um grande caso de empreendedor. Com um berimbau, ele tocou nas maiores orquestras do mundo. Ganhou oito vezes o prêmio de maior percussionista do mundo. Quando eu o conheci, fiquei surpreso com a sua capacidade, genialidade e simplicidade. Ele conseguia prender a nossa atenção quando pegava qualquer coisa para fazer percussão. Podia ser uma garrafa, podia ser um berimbau, mas parece que tinha uma orquestra tocando perto dele. 

Como foi esse encontro?

Eu trouxe o Naná para ministrar uma palestra na Unifor sobre empreendedorismo. Sempre gostei de música, de tocar violão, mas de forma muito tímida, para duas ou três pessoas. Quando eu conheci o Naná, ele logo disse: - “olhe, você não pode parar de fazer música, a música é uma das manifestações da arte que mais tocam a alma humana, porque vai do silêncio ao grito em um segundo”. Eu nunca esqueci disso. E o que é a empresa? A empresa é um sistema orgânico que se movimenta e precisa sincronizar esses movimentos. Você tem que sincronizar a operação do negócio com a ideia do empreendedor. Às vezes o empreendedor sonha muito... Você pode sonhar que vai abrir uma pizzaria maravilhosa, ok! Mas tem uma operação prática. Uma operação pragmática de produção, de recebimento de matéria-prima, de capacidade de produção, de satisfação do cliente. É a velha capacidade para conseguir equilibrar o valor à eficiência. O Naná nos mostrou a sincronia dos movimentos e ritmos que se aplicam aos movimentos de uma empresa. O sucesso tanto na música quanto na empresa é quando esses movimentos são harmônicos e sincronizados. Foi um momento muito especial. Além de grande ser humano, iluminado e reconhecido internacionalmente, ele também nos trouxe essa forma de enxergar o ambiente corporativo. Eu lembro que o Teatro Celina Queiroz estava bem lotado, quase 100%, e os alunos vibraram com isso, aplaudiram bastante. 

Mas qual foi o clímax desse momento, você consegue recordar?

O grande ensinamento foi esse: que o maior poder que a música tem é o de mexer com as emoções. E como a gente vive em uma época em que precisamos voltar a conectar as pessoas às suas emoções, às vezes até desconectá-las um pouco do mundo online e, de repente, voltar um pouco a algumas origens que ficaram deixadas para trás, Naná conseguia fazer isso. Eu lembro que em um dos restaurantes que a gente almoçou estava meio barulhento e ele pegou uma garrafa e começou a soprar dentro dela e fez um som que ecoou no restaurante todo. Um som de vento, de ventania, uma coisa linda. E, de repente, deu uma calmaria em todo mundo (risos). 

Então empreendedorismo e sensibilidade têm que caminhar juntos?

Lógico! Os produtos, as ideias nascem das emoções. Eu costumo muito perguntar quando alguém procura o EGES para abrir uma empresa: por que você está fazendo isso? É que às vezes o sonho não é da pessoa, é do outro. A gente tem que ter muito cuidado para não estar sonhando o sonho do outro. Isso às vezes acontece, a pessoa investe, coloca energia em uma coisa e depois diz que não era isso que queria. Então tem uma metodologia que colocamos em prática no EGES: por que você está aqui? Por que você considera que essa ideia tem força para ter continuidade no mercado? Essa ideia conecta você a você mesmo? Quer dizer: o que tem de seu, o que mais profundamente é seu nisso? Isso é a parte que está relacionada aos valores, quem a pessoa é, quem o empreendedor é.  A segunda parte é como vencer. Essa parte é a estratégia. A gente modula, muda a estratégia, muda preço, muda segmentação e posicionamento de mercado. Agora, quem o empreendedor é e o que ele acredita, essas são verdades mais profundas. Quando você começa o negócio sem pensar nisso, a chance de você desistir na primeira crise é maior, porque as crises vão vir, as dificuldades são inerentes à atividade, não tem como fugir. Ninguém está livre, por exemplo, dessa situação totalmente conturbada que o País vive. Existem fatores que não estão no controle do empreendedor. Então, no geral, você tem que ter muito amor, ter muita paixão pelo que você está fazendo, porque não vão faltar motivos para você desistir. Se não tiver uma raiz muito forte, um DNA seu que realmente faça você acreditar, você vai desistir. É nesse sentido que falo do sentimento, do envolvimento emocional que o empreendedor tem que ter com sua ideia, sentir prazer em ver a coisa ganhar corpo, fazer a empresa crescer de maneira orgânica, às vezes começando pequeno... Tenho muito medo dos empreendedores que começam logo grandes, com planos muito ousados e imobilizando muito dinheiro em obras e reformas e depois sem capital de giro para as oscilações que podem acontecer. 

Então eu gostaria que você me dissesse como a arte pode ajudar a empreender, levando em conta sua própria experiência pessoal. Você gravou recentemente o seu segundo CD e essa experiência também foi para a sala de aula, justamente para dizer sobre essa arte de empreender. 

Eu sempre toquei violão e fui apaixonado por música. Venho de uma família onde a casa era 24 horas com música. Então, cresci em um ambiente de muita música e também de muita literatura. Meu pai era uma figura bem eclética. Ele era militar, filósofo e professor, então havia uma heterogeneidade dentro de casa absurda que se manifestava em ideias, músicas e comportamentos etc. Em um determinado momento da minha vida, alguns acontecimentos me levaram a pegar aquele violão que eu sempre tocava para duas pessoas e comecei a tocar para três, para quatro, para cinco, para seis e aí eu decidi apresentar uma composição autoral. E aí as quatro pessoas: “ah, tá muito bom!”. E eu pensei: “bem, são amigos querendo me incentivar (risos)”. Mostrei para a família: “ah, tá muito bom!”. Isso, organicamente, como acontece no empreendedorismo. E fui apresentando para outras pessoas até que cheguei num ponto em que eu já estava fazendo algumas apresentações para uma quantidade bem maior de gente e as pessoas gostando. Foi quando decidi fazer um teste, um protótipo por assim dizer. A gente gosta muito dessa palavra na Administração: fazer o protótipo, um experimento, e se lançar no mercado. Gravei uma música, gravei duas, fui no estúdio e comecei a me encantar com a operação de gravação, o processo de estar com músicos profissionais, de ver a sua ideia, no caso sua letra e composição ganhar ritmo, forma, a melodia crescer nas mãos desses profissionais 

E continua empreendendo, ou melhor, gravando? 

No meu caso, não paro de fazer música. Eu sempre gostei de escrever, tenho inclusive um livro de poesias. Então eu sempre escrevo e em um determinado momento comecei a musicar esses textos. E não gosto de mexer nos textos depois que escrevo. As composições e as músicas foram nascendo de uma maneira muito orgânica, justamente porque nasceram de textos que já existiam. Então, a música acompanha o texto que já havia sido produzido. Meu primeiro trabalho está nas plataformas Spotfy, Deezer. Chama-se “Uma vida dentro de outra” e lancei um ano atrás, na Livraria Cultura. Então, aquela brincadeira que começou com duas pessoas hoje envolve muito mais gente escutando. Mas é algo que faço muito mais por prazer pessoal, uma espécie de hobby e uma forma de linguagem e comunicação que levo para meus amigos, interessados e também para a sala de aula. Eu uso esse contexto para explicar a relação da emoção e sonho com a prática e execução das ideias. Eu acho que a arte ajuda muito, não só a música, mas também todas as outras manifestações, porque elas têm o poder de sublimação, de colocar você em um plano mais elevado no sentido, acho, espiritual.

Queria então saber sobre seu mais recente trabalho como músico. 

São 12 músicas e a obra chama “Cruzando Horizontes”, e que será lançado em um modelo também ousado, que é vídeo-audio-book, espécie de catálogo com  pendrive encartado com vídeos e música. É uma tentativa de levar o conteúdo de uma forma diferenciada. Além de estar nas plataformas online esse formato permite que o público possa ver o desenvolvimento do trabalho em ilustrações, fotos, letras áudio e vídeo.

Então arte, por sua vez, também se alimenta dessa cadeia produtiva que é inerente ao empreendedorismo.

Exatamente! Especificamente no caso da música, hoje a força do poder está na mão do artista. Hoje você pode filmar com seu celular, tem boas condições de fazer produções de qualidade, sem precisar de grandes investimentos, as redes sociais ajudam a levar esses conteúdos para pessoas em tempo real e as plataformas estão aí para ser uma grande vitrine do seu trabalho para o mundo todo. Eu incentivo que as pessoas possam testar, descobrir suas aptidões artísticas, sobretudo para estimular a criatividade, a comunicar-se por meio dela e para que essa descoberta seja também um refrigério em épocas de tantos problemas e ansiedades. 

Professor, no século XXI, a gente percebe que as artes, a área de entretenimento, das mídias, das artes integradas são um campo de empreendedorismo fértil, visado. No escritório, existem experiências de alunos que querem empreender no campo das artes e da cultura? 

Sim! Tem alunos criando coisas interessantes, inovadoras e com estratégias bem claras. Já atendemos no EGES alunos que criaram modelos de negócio de uma editora para colocar em evidência autores locais e levar esses conteúdos para o público de interesse em formato de taxa de assinatura. Alunos desenvolvendo escolas de música e diversas outras modalidades, alunos que organizaram festivais de música autoral fora do país. Então tem muita gente inteligente pensando e fazendo coisas diferentes. De uma forma geral o artista, independente de onde esse está posicionado precisa encontrar o segmento de clientes, entender o segmento de clientes e, a partir desse entendimento, desse amadurecimento, entender como é que ele lhe entrega valor. Não é entregar o produto em si, né? É entregar conteúdos, entregar formas de se comunicar, estabelecer relações mais duradouras com esses clientes, para que ele possa, de fato, ficar satisfeito e o empreendedor possa atingir seus objetivos.