ter, 21 julho 2020 15:59
Leia a crônica inédita "Saudade do Jardim", escrita por Hermínia Lima
Autora: Hermínia Lima, professora das disciplinas de História da Arte e Produção de Texto da Universidade de Fortaleza e coordenadora do projeto Educação e Saúde na Descoberta do Aprender
Muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, quando pensamos em ambiente de trabalho, pensamos em um lugar fechado. Lugar-limite, lugar-sem-natureza, lugar-sombrio, lugar-alvenaria, lugar-de-vidro, lugar-parede, lugar com soleiras que estabelecem limites entre o estar dentro e o estar fora. Entre a alegria do lá-livre e o aqui-preso. O ambiente de trabalho, normalmente, entra em contraste com a imagem que temos da natureza. Local de trabalho torna-se sinônimo de confinamento; natureza, sinônimo de liberdade.
Curiosamente, quando penso no meu ambiente de trabalho, tenho a alegria de pensar num espaço de paz e liberdade, porque penso em um jardim. É isso: eu trabalho num grande jardim! Essa constatação leva-me a pensar sobre a alegria que é, principalmente, nesse isolamento da pandemia, ter o privilégio de poder conviver, diariamente, em tempos normais, com a natureza exuberante que é o campus da Universidade de Fortaleza. Neste instante, em que rememoro, “bate” uma saudade! Saudade generalizada que todos estão sentindo do trabalho presencial. Saudade dos colegas de ofício, do convívio com os alunos, do apoio dos funcionários, saudade inclusive das rotinas vistas, em alguns momentos, como chatas ou “antipáticas”. Saudade até dos horários que pesavam ao serem cumpridos.
As lembranças do Jardim trazem-me à memória alguns personagens especiais do campus. Personagens que passaram a fazer parte da minha rotina há muitos anos. Cada um do seu jeito, com a sua própria personalidade, ocupando espaços específicos no grande jardim. Nem sei bem qual o curso que eles frequentam, mas sei que estão sempre lá! Nos corredores, nas escadarias, nos canteiros, na praça de alimentação, no lago, nas sombras das árvores. Marcam presença e interagem de modo que se tornam inesquecíveis. São “alunos” especiais que, às vezes, tornam-se professores nos ensinando, sobretudo, acerca da natureza. Nesse rememorar saudoso, vale mencionar, no intuito de homenageá-los, suas presenças, às vezes, discretas, às vezes, indiscretas.
Começo, lembrando de uma senhora, lépida e fagueira, a Moema, também conhecida, em outros lugares por nandu, nhandu, guaripé e xuri, uma ave da família Rheidaea*. Na Universidade, ela é ema-mascote, virou garota propaganda da Unifor! E desfila, com suas longas e fortes pernas, ora encantando, aos que já a conhecem; ora assustando, aos desavisados. Seu nome é Moema, mas já recebeu até apelido artístico de Gisele Bündchen, pelo alongado do corpo e o passo elegante de “maneca” (riso). Ela adora passear, exibindo-se e admirando-se, mirando sua imagem refletida nos vidros dos carros estacionados.
Outra aluna, já famosa, é uma jovem também de vários nomes: a seriema, siriema, seriema-de-pé-vermelho ou, cientificamente, simplesmente, Cariamidae*. Essa jovem de cordas vocais de aço que grita, de forma gasguita, nas manhãs do campus e que pousa leve nas esculturas clássicas do jardim, parece acreditar que cabeça de escultura é poleiro de pássaro!
Uma menina simpática, conhecida por “Bolinha”, uma Felis catus, a gata fofa e mansinha “da biblioteca”, habita os bancos e o pátio central e fica distribuindo manhas e dengos aos que por ali passam. Nunca mais a vi... Existem por ali outros gatos. Alguns bem famosos, adotados pelos grupos de alunos. Para esses dengosos felinos, as mochilas e colos são camas sob o verde das árvores. O que muito nos entristece, com relação aos gatos, é o cuidado desavisado de alguns humanos que pecam por excesso de amor, alimentando os animais de forma errada, tornando-os mal-educados e contribuindo para a transmissão de doenças. Muitas vezes, esse trato inadequado, ainda favorece a formação de uma hiper população de felinos que adoecem e ameaçam a fauna silvestre local. Embora a Universidade já tenha feito várias campanhas de educação, muitas pessoas insistem em não seguir as regras e alimentam os animais em locais inadequados e estimulam o abandono de filhotes nas áreas do campus. Isso é lamentável!
Outros “alunos” são os pequenos saguis que saltitam graciosos pelas frondosas árvores do campus. Alguns, já habituados à presença humana, ousam descer pelos troncos e arriscar receber fragmentos de guloseimas que os alunos saboreiam nos horários de lanche.
Há ainda, uma nuvem-verde que voa no fim das tardes, musicando espaços e adornando copas de árvores. Vêm sempre em bandos, das bandas da lagoa, e há uma musicalidade gorgeante, na revoada que invade o campus todos os dias! São os periquitos! Dezenas de pontinhos verdes que buscam sementes e pousos nos galhos acolhedores! Tornando mais verde o verde das árvores!
Caminhamos um pouco mais pelas cercanias do campus e encontramos ainda muitas outras espécies! As galinhas e capotes, com seus variados padrões de penas. Os patos deslizando tranquilos nas águas do lago ou passeando faceiros nas margens das avenidas internas do Jardim. As iguanas, sorrateiras, escondidas sempre entre as folhagens, em aparições furtivas e surpreendentes, mimetizadas nas cores das plantas. Já me assustei com uma delas! São lindas! Os faceiros faisões, com sua reluzente plumagem, cintilam sob a luz do sol desfilando beleza e charme nos arredores das quadras de esporte. Além dessas, muitas outras dezenas de espécies de aves fazem a beleza natural do campus ficar ainda mais bela e exuberante. Pensando nesse deslumbramento, deixamos aqui o convite: venha visitar o campus da Universidade de Fortaleza e partilhar essas maravilhas naturais.