seg, 11 março 2019 08:37
Entrevista Nota 10: Sidnei Oliveira fala sobre o exercício da mentoria
No último dia 22 de fevereiro, em plena noite de sexta-feira chuvosa, um apinhado Teatro Celina Queiroz parou para escutar: “A conclusão que as pessoas têm é que se você fizer o que ama, você vai ser bem sucedido. Isso pode ser verdade, mas também pode ser que, caso você seja bem sucedido, você amará o que você faz. Afinal, você apenas ama ser bem sucedido”. A frase atribuída a Ben Horowithz, usada como disparadora de reflexão pelo escritor, mentor e palestrante Sidnei Oliveira, fez a plateia de jovens estudantes da Unifor interessados em se tornar monitores e, claro, posteriormente profissionais bem sucedidos apurarem ainda mais a audição, esticando a conversa: mas como usar a mentoria como ferramenta para se chegar a essa equação?
Autor dos livros Mentoria – elevando a maturidade e o desempenho dos jovens; Cicatrizes – os desafios de amadurecer no século 21 e Gerações – encontros, desencontros e novas perspectivas (Editora Integrare Business), Sidnei Oliveira não demorou a deixar claro: para que um talento se manifeste é necessário um mentor apostar no jovem e auxiliá-lo no desenvolvimento de seu potencial.
O convite chegou junto com o alerta: não se encontram mentores no Google, nem é possível dispensá-los quando se pretende um desenvolvimento. “Todo conhecimento tácito, que também é conhecido como experiência, está nas mãos dos mais veteranos. Para ter acesso a esse conhecimento é indispensável conquistar um mentor. Para isso só há um caminho: ser aprendiz. Nos dias atuais, em que os jovens querem ser vistos e reconhecidos como vencedores, não é muito comum identificar a postura de aprendiz, isto é, de estar aberto para o aprendizado”, afirma ele.
Ao refletir sobre o exercício da mentoria em seus livros você alia a necessidade do desenvolvimento das competências associada ao aceleramento da maturidade. Por que esse foco em um dado emocional para além das habilidades técnicas?
Porque o jogo hoje é diferente do que foi jogado quando os mais veteranos, como nós, aqueles que passaram dos 40 ou 50, estavam entrando no jogo. Quando a gente estava entrando no jogo os que eram os mais veteranos na época estavam saindo do jogo. O jogo hoje mudou. Hoje, nós, os mais veteranos, não estamos saindo do jogo, simplesmente porque estamos vivendo mais. Já que os veteranos estão vivendo mais e com mais qualidade de vida, demoramos mais tempo para sair do jogo. E somos uns concorrentes bem complexos, porque temos vivência, experiência, todo um conhecimento tácito para nos virar. E mais: a tecnologia que foi por algum tempo um diferencial do jovem não é mais, porque a tecnologia está entrando num processo tão intuitivo, que qualquer veterano consegue utilizá-la de uma maneira razoável. Então, nem esse diferencial o jovem tem. A única coisa que o jovem tem perante o mais veterano é uma energia e uma disposição. Só que se ele não tiver a disposição e se ele não usar essa energia, ele fica fora do jogo. A gente tem experimentado muito isso nos dias atuais, quando a gente vê que muitos jovens não conseguem se colocar no mercado de trabalho. Parte é por conta de uma conjuntura econômica e social. Mas tem uma parte também importante que tem a ver com a atitude do jovem diante da relação com o trabalho.
A que tipo de atitude exatamente o senhor se refere?
Isso é uma via de mão dupla, reflete também como estamos lidando com os jovens nos últimos 25 anos. Preparamos uma “geração de cristal”, capaz de ser brilhante diante de condições favoráveis, mas frágil diante das adversidades. Usando de estratégias erráticas, observamos jovens que trocam de empregos e de relacionamentos ao menor sinal de insatisfação, tentando “escapar” do desconforto, como se não percebessem que o resultado de longo prazo será muito mais difícil de suportar. Veja bem: isso não é um fato novo. Quando se está entrando no mercado de trabalho a gente tem desafios. Quando a gente está se qualificando para o mercado de trabalho, os desafios estão aí. Existe o pensamento do eterno estudante. Ou seja, você fica estudando, estudando, estudando... Tudo bem, estudar não é a questão. A questão é aprender. Eu acho que a gente está meio equivocado na percepção do que é essa estória. Hoje, a gente deve aprender a aprender. É quase um descolamento entre estudar e aprender. A gente tem que aprender. O estudar é uma forma de aprender, mas não é a única forma. Quando a gente só quer ser estudante, a gente entra no primeiro nível do aprendizado, que é um nível declaratório. Você tem que pegar isso e colocar em prática. Se não colocar em prática, você não completa o aprendizado. O aprendizado só coloca em prática quando você tem um problema, para que você pegue esse conhecimento e aplique. Os mais veteranos estudam pouco e aplicam, porque eles são mais aplicadores. Mas o jovem de hoje está se acostumando com a ideia de que tudo ele precisa estudar antes de começar a fazer.
Qual seria a causa disso?
Tem um problema nessa estória: quando eu vou para a aplicação, normalmente eu enfrento risco, pode dar errado, posso falhar, posso me expor. E parece que os jovens hoje - ou esse mundo que a gente está vivendo - não quer tolerar muito você se expor de maneira errada. Eu só posso acertar. Eu só posso fazer gol. Eu só posso ser bacana. As redes sociais mostram isso. A pessoa só pode acertar. Então o que é que ela faz: cria um mundo ilusório, um mundo de intenções. Mas antes de ser reconhecido pelas intenções você tem que ser reconhecido pelas realizações. Então a gente está vivendo um princípio de ilusão que custa caro. Custa caro não para a gente, que é veterano, mas para o jovem também, porque em algum momento ele encara isso. Nessa hora ele tá frágil, na hora em que ele tem que encarar a encrenca, não consegue, precisa de ajuda.
Uma fala de veterana aos 47 anos: na minha época, a partir dos 18, entrou na faculdade era “te vira”, acabou o milho e a pipoca...
Mas aí é que tá, a gente tá criando uma geração que eu chamo no livro de Geração Cristal. Cristal foi o nome que eu dei por conta de determinada atitude. Não é uma terminologia. Então, é uma a geração que a gente tem hoje de jovens que são muito frágeis, ansiosos, estão com dificuldade de lidar com frustrações e são muito pressionados a acertar, a resolver o mundo de problemas. Eles não têm meio que a chance de errar tanto, porque hoje você tem câmeras o tempo todo. Então tua vida é meio que pública. É difícil você errar, porque você não tem muita discrição no erro. Quando a gente estava vivendo lá atrás, a gente errava e ficava com o errinho aqui e ‘não conta pra ninguém’. Agora não, parece que se você errar, meio que rapidamente parece que a turma fica sabendo. Então, existe um grande receio de tentar, receio de avançar. Existe uma certa paralisia comportamental.
Isso de certa forma se reproduz em um ambiente de sala de aula?
Claro! “Ah, professor, eu não consegui trazer o trabalho, eu não consegui achar onde que estão conteúdo. Me diz exatamente qual é o nome, o local, me dá a bibliografia”. Aí você pega a bibliografia e é control C, control V. Cara... control C, control V a gente também fazia e copiava, mas dava trabalho. Pelo menos ficava com um calo na mão. Daí o que você era obrigado a fazer? Ler e escolher parágrafo para copiar. No mínimo isso você tinha que fazer. Agora você passa o mouse e copia tudo e pronto. Cadê o trabalho? “Ah, professor, eu não consegui entregar hoje”. E o professor: “tudo bem, você entrega semana que vem”. Quer dizer, cadê a autossuficiência que a pessoa precisa para lidar com as consequências de seus atos? Não, eu tiro as frustrações, administro um ambiente de harmonia legal. Nas universidades acontece isso. Ou fica uma brincadeira de vamos nos iludir mutuamente, eu sou professor e iludo você dizendo que passei a matéria. Não vou passar, porque você não está nem aí, porque enquanto eu tô passando, vocês estão em outro lugar, mas a gente precisa se iludir. Daí, na prova, os professores reduzem a gramatura da prova. Vamos fazer uma prova mais levezinha. É aquela história: se antes era uma dissertativa agora é uma de múltipla escolha. É muito mais simples, claro. Pelo menos uma das respostas está lá e a pessoa pode dizer: “ah, eu acho que é essa”. A rigor a gente vai simplificando tanto que os professores não querem mais se envolver com isso. O que é que eles estão fazendo ali? Aguardando um diploma.
Falta aplicabilidade no ensino então?
Não tô dizendo que é 100% assim. Mas é mais ou menos como você fazer uma faculdade para ensinar a pessoa a dirigir e quando termina você empresta seu carro pra ela? Não! Por que? Mas ele tem o diploma... mas é que ele ainda... então tá... mas aí você põe ele lá e ele não sabe de nada... mas ele não sabe engatar a primeira? Então, o que você fez lá enquanto teve aula? Não teve nada. Não tem aplicabilidade. Aí as empresas vão contratar: contratam um engenheiro e ele não sabe fazer cálculo; contratam um administrador e ele não sabe fazer plano, não sabe usar planilha, não sabe fazer cálculo estratégico, não sabe usar prioridade; contrata um médico e ele não sabe operar, não sabe diagnosticar, porque na verdade ele vai lá e está consultando o Google. O que a gente tá fingindo aqui? Parte disso tem professor que esqueceu um pouco a essência do que é trabalhar, mas parte é do aluno que está acostumado: “papai, vamos lá comigo, vou tomar uma injeção. É bonitinho, é amor, mas e quando ela tiver que fazer sozinha? Você pode chegar as quatro da manhã porque saiu pra tomar cerveja com os amigos mas não pode ir tomar uma injeção sozinha? O que é que a gente está fazendo? A gente está subestimando essa geração por um lado e por outro está supernutrindo ela de informação. Teoricamente, sua filha já viveu mais estímulo com 23 anos do que você, com mais de 40 ou 50, jamais tenha vivido na idade dela. Então você turbinou de informação, mas não deixa ela fazer, porque você está junto. E, obviamente, você estando junto, ela transfere para você. Existe aí uma conveniência meio predatória e a gente embarca nisso.
O que fazer para reverter o jogo então?
O grande desafio da atualidade é justamente criar um ambiente mais favorável ao desenvolvimento da maturidade dos jovens, que foram sistematicamente criados em um cenário social que favorece o desenvolvimento acadêmico, mas essa realidade, de certo modo, provoca avaliações distorcidas que “infantilizam” e subestimam as capacidades dos jovens e isso intensifica ainda mais os efeitos de retardamento da maturidade, paralisando perigosamente toda manifestação dos talentos dessa geração. Estamos prolongando a infância dos mais novos na esperança de também prolongar a juventude dos mais veteranos, esquecendo que o aumento real da expectativa de vida – bastante documentado em publicações científicas e também em meu livro Jovens para sempre (Integrare Editora) – já resolve essa questão. De fato, deveríamos nos preocupar com novos papéis para exercer com o tempo extra que recebemos e acredito que a melhor contribuição seja desenvolvermos nossas atividades não mais como grandes executores, mas, sim, como mentores com foco no desenvolvimento da maturidade dos mais jovens. Afinal, a condição da vida ainda é: keep calm, work hard e stop mimimi, ou seja, mantenha a calma, trabalhe duro e pare de mimimi.