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Qui, 11 Junho 2020 22:23

Entrevista Nota 10: sonhos, acredite neles

Hercilia Correia, professora do curso de Administração da Universidade de Fortaleza, fala sobre a importância dos sonhos para o diálogo coletivo


Hercilia Correia é professora do curso de Administração da Universidade de Fortaleza (Foto: Arquivo pessoal)
Hercilia Correia é professora do curso de Administração da Universidade de Fortaleza (Foto: Arquivo pessoal)

Formada em Administração e Psicologia pela Unifor, Hercilia Correia leciona no curso de Administração nas disciplinas do Eixo de Gestão de Pessoas da instituição e atua em clínica particular. Mãe de Eduardo, Henrique e Esther, e à espera de Heloísa, ela conta ao Entrevista Nota 10 como tem conciliado o Mestrado na linha de pesquisa Organização e Sociedade com a maternidade em tempos de pandemia. A pesquisadora deixa um importante recado sobre o papel dos sonhos em nossas vidas. Confira a seguir:

UNIFOR: Como a senhora está lidando com o isolamento social?

HERCILIA CORREIA: Considero um privilégio poder me proteger em casa e lamento por todos aqueles que estão sobrevivendo em situações adversas. Há um retiro físico na cidade, porém minhas relações sociais seguiram em outros formatos. Somos uma família de 5 pessoas, com um cachorro, alguns pássaros e plantas, numa relação que se tornou mais íntima e intensa, com divisão de tarefas e seus laços sendo estreitados de uma forma jamais vivida. Converso com uma média de 100 alunos por semana, escuto as angústias de meus pacientes e interajo com familiares e amigos de forma remota. Diante disso, não me considero isolada. Estou até dando entrevista! 

UNIFOR: Como está sendo feita a "gestão" do seu tempo no contexto da pandemia?

HERCILIA CORREIA: Minha gestão de tempo é baseada no possível. Há sempre um "urgente" atravessando nosso cotidiano e procuro estar atenta aos meus limites. No começo, foi mais difícil conciliar o novo formato na docência e no atendimento aos pacientes, devido ao acúmulo das atividades domésticas, mas o essencial ganha figura e todo o resto vira fundo, para a harmonia ser o pilar.

UNIFOR: Como e por que surgiu a ideia da campanha "Sonhos"?

HERCILIA CORREIA: Após uma reunião do grupo do eixo que faço parte no CCG, algumas palavras ecoaram. Os dados de realidade diziam que maio ia ser um mês difícil. Analisei as datas e vi que, no dia 16/05/2020, faríamos 2 meses de aulas remotas. Achei a data convidativa para abrir um novo ciclo.

A partir disso, escrevi um texto para organizar minhas ideias e pedi à minha irmã para desenvolver uma arte, cujo formato da comunicação me encantou. Enviei para meus alunos e o movimento ganhou força. O feedback deles foi emocionante. Aluno que já tinha decidido trancar a disciplina, retornou. Fui recebendo fotos com frases e assim o afeto me mobilizou mais ainda.

No dia 10/05, meu pai, que tem 80 anos, foi internado em um hospital com COVID-19. Minha mãe também testou positivo, mas, felizmente, conseguiu ser tratada em casa. Acho que tive uma das semanas mais difíceis dos últimos tempos. No entanto, também foi uma semana em que as palavras, a música e a poesia me afetaram. Foi o retorno do afeto que eu havia semeado. As mensagens que eu recebia me ajudaram a ter minha atenção em outro assunto que não fosse pressão arterial, saturação e temperatura.

Como grande parte das profissionais mães e docentes, estou vivendo tempos infortúnios e toda esta dificuldade está sendo recebida com aprendizado e crescimento pessoal. Então, dia 16/05/2020, postei sobre isso pela primeira vez no meu Instagram. Com o retorno dos participantes, decidi fazer uma semana inteira de postagens. Fechei esse ciclo dia 22/05/2020, mas os sonhos ficaram reverberando e continuei mesmo assim recebendo algumas mensagens. Pessoas com as quais até então eu não dialogava me enviaram mensagens inbox para saber como poderiam participar. Além disso, ainda hoje recebo relatos de sonhos esquecidos, seguidos de agradecimentos pela motivação. A campanha ganhou homenagens em formato de cordel, feito por Sally Lacerda, e como escultura em cerâmica, feita por Mariana Rôla.

Estou vivendo a pandemia atuando como professora de 6 turmas, mestranda do PPGA, com qualificação em andamento, e psicóloga, realizando atendimentos on line. Sou casada com um médico hematologista, que também está vivenciando tudo com muito estresse emocional, mãe de 3 adolescentes e ainda estou grávida de 6 meses.

Mas, eu sou sonhadora e respondendo a sua pergunta sobre qual o objetivo da minha ação, vou dizer que agora ela não é mais somente minha, pois penso que sentimentos e ideias devem ser livres. Afeto que afeta vira relação e reflete no coletivo.

UNIFOR: Falando do coletivo e trazendo um pouco para a sua prática clínica, psicologia e sonho podem caminhar juntos? 

HERCILIA CORREIA: Juntos e de mãos dadas, se nosso diálogo for permeado pela psicanálise, que compreende o ser humano como o sujeito do processo civilizatório.

UNIFOR: Como assim? 

HERCILIA CORREIA: Pagamos um preço alto para vivermos em sociedade. Nem tudo pode virar ato. Alguns desejos e pulsões precisam ser reprimidos para que possamos viver civilizadamente. Foi à partir dos estudos oníricos que Freud inaugurou a teoria psicanalítica com a publicação de “A Interpretação dos sonhos” em 1900.

UNIFOR: Então a psicologia interpreta os sonhos? 

HERCILIA CORREIA: Os sonhos em si, não! Através de técnicas clínicas e dentro de um contexto analítico, interpretamos as narrativas que os pacientes trazem e, a partir disso, podemos adicionar elementos oníricos ao processo de análise e ao autoconhecimento do mesmo, pois como Freud disse: "o sonho é a via régia para o inconsciente". 

UNIFOR: Por que às vezes não entendemos bem nossos próprios sonhos? 

HERCILIA CORREIA: Porque há uma experiência singular no ato de sonhar, onde a criatividade e a capacidade de simbolizar podem fazer do sonho uma história sem raciocínio lógico, chegando a sintetizar pessoas, lugares e até mesmo o seu próprio tempo. 

UNIFOR: Mas, às vezes, os sonhos se repetem? 

HERCILIA CORREIA: Sim, porque sonhos são restos e impressões do nosso mundo interno, que não ganharam ainda uma forma de representação consciente. Além do que, existem pensamentos que não são ditos ou dialogados, mas que mesmo assim criam ruídos que permeiam a nossa mente. Quando dormimos, há um relaxamento e enfraquecimento de um estado de alerta fazendo com que o que ficou reprimido encontre suas vias de escoamento. Tem sonho que tem começo, meio e fim, e tem aquele que pode até ser sonhado por dias seguidos; afinal, tudo que é real vai aparecer por bem ou por mal.

UNIFOR: Então o que um sonho quer anunciar?

HERCILIA CORREIA: Sob a perspectiva psicanalítica, o sonho não tem uma intenção comunicativa, ele é uma descarga de tensão, uma catarse, pois há um prazer em sonhar. O sonho em si é um mecanismo de simbolização. Ele é criativo e pode nos contar algo que ainda não formulamos ou que elaboramos de forma equivocada.

UNIFOR: Mas até agora falamos de sonho somente enquanto experiência durante o sono, certo? E sonhar acordado? 

HERCILIA CORREIA: Sonhar acordado também é uma experiência subjetiva e, para falarmos nesse contexto, compreendo que a arte nos fornece inúmeras possibilidades. Através de poesias, músicas e diversas outras expressões artísticas, podemos sublimar pensamentos e inquietudes, transformando-as em prazer psíquico e realidade vivida. Afinal, como disse Fernando Pessoa: “o que mata o sonhador é não viver quando sonha”. 

UNIFOR: Para finalizar, dá para revelar qual o seu sonho agora? Ou sonhos…

HERCILIA CORREIA: Postei no meu Instagram, você visualizou? Caso sim, agora me conta seu sonho e me responda: você ainda lembra dos seus sonhos antes da pandemia.