“Fios do Nordeste” : cultura e literatura de gente forte (parte 1)
"Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome
e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do
Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do
Ceará".
Patativa do Assaré
No dia 8 de outubro é celebrado o Dia do Nordestino. A origem da celebração se deu na cidade de São Paulo, a partir da lei municipal 14.952/2009, sancionada no ano de centenário de nascimento do poeta cearense Patativa do Assaré (1909 - 2002).
Nascido em Assaré, interior do Ceará, Patativa só foi alfabetizado
aos 12 anos de idade. É reconhecido internacionalmente como um dos
maiores poetas populares, por representar na sua poesia e nos seus
repentes, a peleja do povo sertanejo em linguagem simples e, ao mesmo
tempo, profunda.
O objetivo da inclusão da data no calendário de
eventos da cidade de São Paulo era homenagear a cultura dos migrantes
nordestinos que representam boa parcela da população da grande
metrópole nacional. Porém, simbolicamente, a data acabou sendo adotada
em outras partes do Brasil.
Para além dos estereótipos
Para muito além dos lindos litorais, o nordeste brasileiro é terra de resiliência, fé e resistência, ou de gente “cabra da peste”, nas palavras de Patativa. É terra dos mártires da liberdade como Padre Mororó e Frei Tito, e de heroínas e heróis como Bárbara de Alencar e Antônio Conselheiro.
Para além do estereótipo da seca, o clima quente da região deixou o solo fértil para fazer brotar os frutos da brasilidade: o coração da bossa nova, João Gilberto; os tropicais Gilberto Gil e Caetano Veloso; o carnaval de Moraes Moreira; o frevo psicodélico de Alceu Valença e Zé Ramalho; o canto torto feito faca de Belchior; o manguebeat de Chico Science; e o baião de Luiz Gonzaga.
A regionalidade vira verso e prosa na literatura feita aqui. Entre compadecidas e severinas, as narrativas discorrem sobre o nascer, o viver e o ressignificar, no sertão e cidade grande, sem amansar na crítica, sem embrutecer a esperança, e sem perder a irreverência.
Nesta publicação especial do Dia do Nordestino, a Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza preparou, em 3 partes, a série “Fios do Nordeste”, que vai apresentar semanalmente, 3 autores nordestinos, totalizando 9 personalidades, uma de cada estado da região.
O ABC do nordeste no romance regionalista
Romance regionalista, ou Romance de 30 representa a segunda fase do movimento modernista brasileiro. A fase é marcada por narrativas com temáticas sociais e traços da cultura popular regional. O Nordeste participou com importantes escritores, entre os estados de Alagoas, Bahia e Ceará* - os três primeiros estados da região, em ordem alfabética, a serem abordados nesta primeira parte.
1 Alagoas - Graciliano Ramos
Nasceu no sertão de Alagoas, Quebrângulo, em 1892. É autor de
Vidas Secas, um clássico da literatura brasileira
modernista, que conta a história de Fabiano e sua família, incluindo
Baleia, uma cadelinha que tinha tantos sonhos quanto qualquer outro
sertanejo, em meio a tanta miséria social e humana.
Indicador cultural: A Coleção Rachel de Queiroz da
Universidade de Fortaleza possui um exemplar de Vidas Secas e
de outras obras do autor com dedicatórias à escritora cearense.
2 Bahia - Jorge Amado
Amado nasceu na fazenda Auricídia, interior da Bahia, em 1912. É um
dos autores brasileiros mais traduzidos para o exterior. Entre sua
obras mais populares, estão Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e
seus dois maridos e Tieta do Agreste, que ganharam adaptações
para televisão. Seu livro Capitães da areia, onde o autor
aborda a vida de crianças em situação de rua, foi censurado pelo
governo de Getúlio Vargas. Com escrita leve e valorizando traços da
oralidade, Amado dava voz ao povo, seus folclores, crenças e costumes,
e não perdia tempo em expor, com sarcasmo, as hipocrisias da elite
social. É um Imortal da Academia Brasileira de Letras, cadeira 23, e
vencedor do Prêmio Camões de literatura em 1994.
Indicador cultural: A Coleção Rachel de Queiroz da
Universidade de Fortaleza possui um exemplar de Gabriela, cravo e
canela e de outras obras do autor com dedicatórias à escritora cearense.
3 Ceará - Rachel de Queiroz
Rachel nasceu em Fortaleza, capital do Ceará, em 1910. Aos 20 anos,
publica sua obra-prima O quinze, que teve grande influência
na segunda fase do modernismo no Brasil, conhecida por “Romance de
30”. O romance que tem como plano de fundo a seca histórica de 1915 no
Ceará. Suas obras As três Marias e Memorial de Maria
Moura foram adaptadas para a televisão.
A presença de
Queiroz na literatura rompeu padrões da época. Por ser mulher e
nordestina, por vezes teve a autoria de suas obras questionada. Suas
personagens femininas têm características fortes, para além do
conformismo da vida doméstica, e que buscam sua autonomia.
E
isto era Rachel de Queiroz. Romancista, tradutora e jornalista. A
primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, cadeira
5, e a primeira mulher a receber o Prêmio Camões de Literatura, em 1993.
Indicador cultural: A Universidade de Fortaleza
mantém, com muito orgulho, a Coleção Rachel de Queiroz, composta por
parte do acervo pessoal da escritora.
*Nota: Também tivemos José Lins do Rêgo, paraibano, com a obra Menino de Engenho, ao lado desses autores regionalistas da geração de 30. Porém, escolheu-se apresentar as regiões em ordem alfabética, o que não incluiria a Paraíba nesta primeira parte.
Referências
ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
DIA dos nordestinos é comemorado neste 08 de outubro. Revista Globo Rural. 2014. Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2014/10/dia-dos-nordestinos-e-comemorado-neste-8-de-outubro.htm. Acesso em: 01 out 2020.
FRAZÃO, Dilva. Graciliano Ramos: escritor brasileiro. In: eBiografia. 2019. Disponível em: https://www.ebiografia.com/graciliano_ramos/. Acesso em 08 out 2020.
Fundação Casa de Jorge Amado. Biografia. Disponível em: http://www.jorgeamado.org.br/?page_id=75. Acesso em: 03 out 2020.
LOPES, Flávia. As mulheres de Rachel: O imaginário da mulher forte e nordestina em Rachel de Queiroz. Vós. Fortaleza, out./2018. Disponível em:http://www.somosvos.com.br/as-mulheres-de-rachel/. Acesso em: 07 out 2020.
PATATIVA do Assaré. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3743/patativa-do-assare. Acesso em 08 out 2020.
Thailana Tavares - Bibliotecária do Setor de Processamento Técnico