null Entrevista Nota 10: Alzir Falcão e os desafios da transformação digital

Ter, 4 Janeiro 2022 15:41

Entrevista Nota 10: Alzir Falcão e os desafios da transformação digital

O professor e pesquisador da Unifor destaca que as mudanças na era digital devem ser sustentadas por meio da cultura e da prática ao longo dos anos


O administrador Alzir Falcão explica que diversas atividades atuais serão substituídas pelas máquinas, o que nos obriga a desenvolver novas competências e a redesenhar a formação acadêmica para enfrentar este desafio (Foto: Arquivo Pessoal)
O administrador Alzir Falcão explica que diversas atividades atuais serão substituídas pelas máquinas, o que nos obriga a desenvolver novas competências e a redesenhar a formação acadêmica para enfrentar este desafio (Foto: Arquivo Pessoal)

Em um contexto de transformação digital é importante ressaltar que a digitalização não é apenas um problema de Tecnologia da Informação, lembra Alzir Falcão, professor e pesquisador da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz. “É (um tema) estrategicamente importante e crítico para os negócios”, destaca ele, que é mestre e doutorando em Informática Aplicada pela Universidade de Fortaleza.

Com 38 anos de experiência na área de Organização e Informática, com ênfase em Modelagem do Conhecimento Organizacional, Engenharia de Software e Arquitetura de Sistemas, Alzir Falcão avalia como as empresas estão lidando com as transformações da era digital. “A digitalização tornou-se um problema de gerenciamento - como deveria ser. O desafio, portanto, não são as ferramentas, mas a cultura - o ingrediente vital para a mudança digital desde a experiência do cliente até os sistemas de back office”, explica o diretor da F&F Informática e consultor. 

O professor e pesquisador falou para a Entrevista Nota 10 com exclusividade sobre o tema. “Transformação digital é entender que as regras do jogo mudaram essencialmente. Você não está apenas tentando transformar seu negócio, colocando suas práticas existentes na internet. E não se trata apenas de uma grande iniciativa. Não é para um lançamento ‘big bang’. Não é para o relatório trimestral aos acionistas. É algo que você só precisa fazer uma vez, mas deve ser capaz de sustentar por meio da cultura e da prática ao longo dos anos”, explica Falcão.

Entrevista Nota 10 - Transformação digital é um tema da moda que aparece nas agendas de executivos das empresas em todos os lugares, mas ansiedades sobre o que é, como funciona e o que significa para os processos de negócios ainda estão deixando várias dessas organizações inativas, muitas ainda tentando entender "o que é" e falhando em "fazer". Afinal de contas, o que se entende hoje por transformação digital?

Alzir Falcão - A verdadeira transformação digital não significa fazer sua empresa usar um conjunto específico de novas tecnologias; trata-se da capacidade da sua empresa de reagir e utilizar com sucesso novas tecnologias e procedimentos - agora e no futuro. Para a maioria, isso inclui a adoção de processos que permitem que a liderança e a equipe de sua empresa investiguem, experimentem e empreguem estrategicamente novas tecnologias de forma contínua.

Neste contexto da transformação digital é importante que se ressalte que a digitalização não é apenas um problema de Tecnologia da Informação. É estrategicamente importante e crítico para os negócios. Na digitalização dos processos de produção, por exemplo, os chamados aplicativos para Indústria 4.0, a gestão ou a diretoria costuma ser responsável pelo manuseio. A digitalização tornou-se um problema de gerenciamento - como deveria ser. O desafio, portanto, não são as ferramentas, mas a cultura - o ingrediente vital para a mudança digital desde a experiência do cliente até os sistemas de back office.

Entrevista Nota 10 -  Quais são as características da transformação digital e os seus principais requisitos para ser bem sucedida?

Alzir Falcão - Destaco duas características que a distinguem de outras mudanças que ocorreram no passado: a velocidade e amplitude da mudança. Um exemplo é o WhatsApp, que em poucos anos destruiu o mercado das mensagens de texto - SMS - das operadoras de telefonia móvel. A utilização dos serviços bancários via dispositivos móveis é outro exemplo que mostra claramente como o setor financeiro se tornou alvo de disrupções. Não estou falando da ponta onde os bancos já têm muitos serviços via smartphone. Aqui no Brasil boa parte dos correntistas já faz praticamente todas as suas interações com bancos por meio de smartphones. Estou falando aqui das novas fintechs como Nubank, Inter, Original, C6 e o mais recente Iti, do Itaú.

Velocidade e agilidade são fundamentais na introdução de novos produtos e processos. A computação em nuvem é a base tecnológica para isso. A nuvem é o que torna possível atingir a alta velocidade exigida nesta era da digitalização. Torna os serviços necessários mais rápidos, flexíveis e seguros. A questão não é mais se a nuvem deve ter um lugar na estratégia de uma empresa - a questão é sobre a forma e o escopo desse lugar. Os provedores de Tecnologias da Informação e Comunicação são os parceiros óbvios aqui porque a computação em nuvem requer bases tecnológicas e experiência em consultoria - “hardware” e “software”, se você preferir.

Tudo isso exige segurança de Tecnologia da Informação (TI)  e é hospedada em centros de dados altamente protegidos. Mas também exige uma gestão sofisticada da qualidade de TI, vital no mundo digital, aliada a uma relevante experiência em transformação digital. Em última análise, cada empresa possui diferentes requisitos e diferentes objetivos que devem ser continuamente adaptados às condições de mercado. Um parceiro de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) é, portanto, como o "arquiteto do futuro digital" de uma empresa.

Há outro obstáculo a ser superado: a transformação digital requer confiança. É aqui que entram os empresários, provedores de serviços de TI e uma legislação apropriada para criar um senso de confiança e enfatizar as possibilidades que a digitalização oferece. Uma abordagem sensível aos dados é crucial para isso. Os dados são a matéria-prima da economia digital. Temos que aproveitar as massas de dados acumulados e usar o tema de maneira eficiente - mas para as pessoas, não contra elas. A segurança e a proteção de dados devem, portanto, ser sempre a principal prioridade.

Entrevista Nota 10 -  Por ser um tema bastante discutido e que ganhou espaço em tempos de pandemia podem haver equívocos nesta interpretação do que é a Transformação Digital?

Alzir Falcão - Por esse motivo, acho importante compartilhar as informações mais críticas sobre a transformação digital bem-sucedida - começando com os três maiores equívocos sobre isso.

Equívoco 1: ‘A transformação digital precisa de um grande orçamento antes mesmo de começar. ’ Não importa seu setor ou tamanho, sua organização pode absolutamente "fazer" a transformação digital. Na verdade, existem mais exemplos de transformações digitais malsucedidas, que começam com grandes orçamentos, do que aqueles que começaram com pequenos investimentos em áreas críticas; Equívoco 2: Todos com quem falei sobre a transformação digital têm uma definição ligeiramente diferente do foco, extensão e propósito de fazê-la - e esta interpretação é uma das maiores razões para o fracasso dos programas; Equívoco 3: ‘Quando a transformação digital terminar, podemos voltar aos negócios normalmente. ’Esse equívoco é o mais desconcertante para mim, porque a palavra "transformar" significa que algo não é mais o que era antes.  De alguma forma, tantas empresas pensam que a "transformação digital" permitirá que continuem fazendo o que sempre fizeram, apenas com a nova tecnologia adicionada à mistura.

‘Transformação digital’ é entender que as regras do jogo mudaram essencialmente. Você não está apenas tentando transformar seu negócio, colocando suas práticas existentes na internet. E não se trata apenas de uma grande iniciativa. Não é para um lançamento ‘big bang’. Não é para o relatório trimestral aos acionistas. É algo que você só precisa fazer uma vez, mas deve ser capaz de sustentar por meio da cultura e da prática ao longo dos anos.

Entrevista Nota 10 - Qual deveria ser o caminho a ser seguido pelos executivos de empresas na digitalização bem sucedida dos seus processos de negócios?

Alzir Falcão - A luta pela transformação digital está enraizada em nosso DNA. Como humanos, todos nós amamos a conveniência. Cada peça de tecnologia que existiu, ou existirá, é criada para reduzir ou eliminar o trabalho necessário para alcançar um resultado desejado - tudo com o propósito de reduzir o esforço e liberar tempo para atividades mais dignas. Mas há um problema. Buscamos comodidade, mas também evitamos naturalmente novos processos. Mudança traz risco, incerteza e esforço (inimigo natural da conveniência). Diga aos integrantes da sua equipe que eles precisam aprender uma nova habilidade que tornará seu trabalho mais fácil no futuro, e sua pressão arterial aumentará. Mesmo as pessoas que gostam de aprender e realmente se oferecem para oportunidades de treinamento sentirão a vibração da adrenalina e ansiedade com a menção de uma rotina alterada.

Para minimizar a resistência e a ansiedade dos colaboradores, o caminho que mais gostei é o sugerido por Lindsay Herbert em seu livro “Digital Transformation”. Ele inclui cinco estágios que formam a sigla ‘BUILD’ que significa construir em inglês, por dois motivos. Primeiro, build simboliza a escala, permanência e impacto da própria transformação digital. Você deve pensar na transformação digital da mesma forma que pensaria na transformação física, porque o objetivo para ambos é o mesmo: garantir o sucesso futuro da sua empresa. Se sua empresa estivesse construindo novos edifícios - aqueles que deveriam ser resistentes, seguros e resistir ao teste do tempo - seus engenheiros e arquitetos seguiriam uma abordagem padronizada, colaborativa e sistemática. Isso é semelhante ao que é necessário para planejar, executar e dimensionar uma transformação digital. Você precisa de suas futuras plataformas digitais e dos processos de inovação que sua equipe segue para serem tão seguros e robustos quanto o chão e as paredes ao seu redor.

O segundo motivo é porque cinco etapas que representam algo significativo são fáceis de serem lembradas por outras pessoas, e isso ajuda significativamente quando você está ganhando o apoio para o método de colegas, executivos e partes interessadas.

Os cinco estágios do BUILD vêm de fases distintas que estão presentes na maioria das transformações digitais em grande escala, mas essas fases também estão presentes na transformação em pequena escala, apenas com menos etapas ocorrendo dentro de cada estágio.

O primeiro estágio, bridge, que significa construir pontes, objetiva preencher as lacunas entre sua empresa, as pessoas que ela deve servir e as mudanças que acontecem ao seu redor. O segundo estágio, uncover, é o momento de descoberta das barreiras ocultas da sua empresa, ativos úteis e recursos necessários para planejar e priorizar suas rotas de transformação. Iterate ou iterar em português (fazer ou dizer novamente; repetir) viabiliza a construção em ciclos curtos, testes com usuários reais e melhorias conforme se avança para saber quais inovações podem ser escalonadas. Leverage, o quarto estágio, aproveita os resultados bem sucedidos para acessar mais recursos, influência e espaço para dimensionar novas soluções, formas de trabalhar e a mentalidade de inovação. O último estágio, disseminate, divulga as inovações e formas de trabalhar, sistematicamente, para tornar o sucesso em ambientes de mudança o novo negócio de sempre.

Entrevista Nota 10 - Quais as competências necessárias a um profissional que deseje atuar em projetos de transformação digital?

Alzir Falcão - É preciso entender aqui que diversas atividades atuais serão substituídas pelas máquinas, o que vai nos obrigar a desenvolver novas competências e a redesenhar a formação acadêmica para enfrentar este desafio. Mas em outras, as máquinas nos complementarão. Isso significa dizer que temos que expandir nossos conhecimentos, pois as atividades básicas de diversas profissões serão automatizadas. O diferencial humano estará na nossa capacidade de criatividade, flexibilidade, emotividade, motivação, liderança, relações interpessoais, ponderação e senso comum.

Todo projeto de transformação digital requer uma equipe multidisciplinar com estas competências, que deverão ser encontradas em profissionais da área de negócios, tais como administradores, economistas, contadores, engenheiros e da área de Tecnologia da Informação como cientistas da computação e analistas e desenvolvedores de sistemas. O conhecimento de ambientes de computação em nuvem, redes de comunicação de dados (IoT, internet das coisas na sigla em português), desenvolvimento de software para múltiplas plataformas, análise de dados, gerenciamento de projetos e segurança da informação serão requeridos para aqueles que optarem pela atuação com as tecnologias consideradas os pilares de sustentação em projetos dessa natureza.