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Qua, 7 Outubro 2020 11:23

Entrevista Nota 10: Lianne Ceará e o olhar transformador do Jornalismo

Estudante de Jornalismo da Unifor destaca a importância da checagem de informações para o viés social da profissão


Graduanda em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza, Lianne foi seleciona para a Revista Piauí, veículo de referência em jornalismo literário no Brasil (Foto: Arquivo pessoal)
Graduanda em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza, Lianne foi seleciona para a Revista Piauí, veículo de referência em jornalismo literário no Brasil (Foto: Arquivo pessoal)

Natural de Jaguaribara, interior cearense, a futura jornalista Lianne Ceará tem a leitura e a escrita como lugares de afeto desde a infância. 

Motivada pelas transformações positivas que o jornalismo é capaz de realizar, ela reativou junto à comunidade jovem e amigos, um portal de notícias em sua cidade, o Jaguaribara em Foco

Recentemente selecionada para colaborar na revista piauí, a estudante de Jornalismo tem aprofundado seus conhecimentos na vertente investigativa com base em dados, reflexo disso é a presença de Lianne entre os 26 finalistas do Nordeste durante o concurso Fact Checking Lab, da Agência Lupa

Ao Entrevista Nota 10, a jovem destaca a importância da checagem de fatos na divulgação de informações transparentes, declara seu amor pelo jornalismo literário e reflete também sobre os passos de sua profissão. Confira a seguir:

Entrevista Nota 10 - Lianne, para começar, gostaria de saber como o Jornalismo entrou na sua vida…

Lianne Ceará - Sendo bem sincera, foi de uma forma muito natural, mas ao mesmo tempo inesperada. Acho que não fui eu quem escolhi o jornalismo, mas ele me encontrou e me escolheu. Sempre gostei muito de escrever, desde novinha, mas acho que pelo "efeito de manada" que a escola tradicional causa na gente, nunca pensei em fazer jornalismo, pensava em medicina, psicologia... No meu 2º ano do Ensino Médio, quando estava perdida, mas apaixonada por teatro, querendo fazer artes cênicas depois de ter feito uma peça teatral num festival, fiz um teste vocacional. Nele, apareceram alguns cursos com os quais me identifiquei muito: jornalismo, publicidade e propaganda, psicologia, artes cênicas, ciências sociais, teatro... E eu notei que nunca tinha passado pela minha cabeça fazer jornalismo. Comecei a pesquisar sobre o curso e juntei isso com o meu amor pela escrita. O resultado foi uma vestibulanda sedenta por ingressar no curso de jornalismo. 

Entrevista Nota 10 - E o curso da Unifor? Poderia contar sobre a escolha dele? 

Lianne Ceará - As pessoas da minha família que tiveram acesso à educação superior (que não foram muitas) cursaram na Unifor. Eu morava no interior e lá não havia possibilidades de fazer jornalismo ou até mesmo minha segunda opção de curso, que acabou por ser ciências sociais. No ano anterior, eu visitei a Unifor numa feira de profissões e gostei da estrutura que encontrei. Como acabei por não me dar tão bem assim no Enem e a tia que eu viria a morar em Fortaleza mora próximo à Unifor, a minha escolha foi essa. Hoje em dia, muito pelos meus professores que me dão coragem pra continuar no meu propósito e perseguir aquilo que quero, não me arrependo da escolha feita.

Entrevista Nota 10 - Você é natural de Jaguaribara e está desenvolvendo uma iniciativa que divulga notícias na cidade. Como ela funciona? 

Lianne Ceará - Estou reativando, junto com outros amigos e jovens da cidade, um portal de notícias comunitário, o Jaguaribara em Foco. Pretendo implementar o projeto "Olho d'Água", iniciativa de checagens que pude projetar no concurso FactCheckLab, ao Jaguaribara em Foco num futuro próximo, mas por enquanto, estamos capacitando e conversando com esses jovens para que eles se sintam parte da comunidade e percebam a importância da comunicação comunitária para a democracia e políticas públicas eficazes, por exemplo. Mesmo no contexto de pequenas cidades isso é muito importante, ainda mais quando feito pelas juventudes. Somos pouco mais de 20 jovens, realizamos uma espécie de seleção com eles e os dividimos em dois times: os comunicadores e os mobilizadores. Ministrei uma aula para que eles pudessem entender mais sobre jornalismo, comunicação comunitária, importância de um projeto como o nosso e para que se sentissem parte daquilo. A escolha dos comunicadores, que são aqueles que produzem o conteúdo e notícias, foi feita através de um desafio advindo do "workshop". Na verdade nós não descartamos ninguém. Os que não estão no time de comunicadores, são os mobilizadores, responsáveis pela divulgação e discussão acerca do conteúdo produzido. 

Nesta fase inicial, estamos nos dedicando na nossa organização e na produção de conteúdos mais factuais, como a cobertura das eleições e também os desdobramentos da Covid-19 na cidade. Além disso, artigos de opinião sobre assuntos que abrangem o município também estão sendo publicados. O mês de setembro, por exemplo, é marcado por ser o mês que a população se mudou da antiga sede da cidade para a atual, fizemos uma programação especial com cards de curiosidades sobre a cidade. Algumas delas eram até de nosso próprio desconhecimento. A nossa pretensão é resgatar o sentido de pertencimento à cidade, que muito se perdeu com a inundação da antiga cidade pelas águas do Castanhão, além da conscientização cidadã, tudo isso através da comunicação comunitária.

Entrevista Nota 10 - A especialização em jornalismo investigativo é algo que você pensa a longo prazo para a sua carreira? 

Lianne Ceará - Não descarto a possibilidade. Tenho gostado muito dessa área e acho que ela é uma das mais promissoras daqui pra frente. É urgente darmos a devida importância ao campo investigativo e de dados do jornalismo e, para isso, é essencial que tenhamos profissionais capacitados na academia e no mercado. Quando fiz a disciplina, realizei um trabalho junto aos meus colegas, também sobre Jaguaribara e a economia da cidade. A orientação docente foi fundamental nesse processo, principalmente por que nós, universitários, somos muito inseguros.

Entrevista Nota 10 - Nesse sentido, como avalia a importância do papel do jornalista na checagem dos fatos na contemporaneidade, visto que as notícias falsas têm sido cada vez mais facilmente disseminadas?

Lianne Ceará - Sem dúvidas, a cadeira de Jornalismo Investigativo, acoplada às interdisciplinaridades com o Jornalismo de Dados foi uma das mais essenciais para a minha formação, principalmente por realizá-la durante o período das eleições de 2018, no qual as fake news ganharam mais vida no Brasil e o jornalismo investigativo e de checagem de fatos se fez ainda mais importante. Agora, já com uma bagagem maior acerca desse assunto, percebo o compromisso que o jornalismo tem com a verdade. A checagem de fatos ela vem para que não restem dúvidas, mas o jornalismo já fazia isso há muito tempo. O jornalismo rompe com barreiras impostas por mentiras que se tornam críveis. Hoje em dia, temos a missão de fazer um jornalismo, além de verdadeiro e compreensível, didático. Os profissionais da checagem de fatos são essenciais para a manutenção da democracia e monitoramento do poder público. Só existe jornalismo com democracia e vice-versa. E por mais que haja uma onda contra, o verdadeiro jornalismo vai sempre resistir e continuar fazendo o seu papel.

Entrevista Nota 10 - Você participou do Fact Checking Lab, da agência Lupa. Como foi a experiência?

Lianne Ceará - Foram, ao todo, 93 finalistas e 5 vencedores. As regiões competiam entre si, então, fui uma dos 26 finalistas do Nordeste. Foi uma experiência muito prazerosa mas também atrapalhada pela Covid-19, como tudo tem sido, não é? Passamos quase um ano numa troca absurda de conhecimento. Me inscrevi em novembro de 2019 e o resultado saiu no último dia 01 de outubro. Nesse tempo, tivemos muitas aulas, orientações, e uma formação excelente em checagem de fatos. A intenção era que fôssemos à Salvador em agosto para dois dias de workshop com professores americanos, mas a pandemia não permitiu. Mesmo assim, tivemos os workshops de forma remota e foi tudo incrível. O time da Agência Lupa é muito acolhedor e solícito. 

Entrevista Nota 10 - Durante o Fact Checking Lab você disse que desenvolveu o projeto “Olho d'Água". Do que se trata? 

Lianne Peixoto  - É um projeto cívico com checagem de fatos sobre a distribuição de águas do Açude Castanhão. O "carro-chefe", digamos assim, seria essa checagem de fatos. Mas, além disso, teríamos um intercâmbio de conhecimento muito válido entre jovens acadêmicos e a população atingida pela problemática, com simpósios, expedições ao sertão e fóruns de discussões, por exemplo. Além de buscar gerar renda para as cidades próximas ao Castanhão, com projetos turísticos, etc. Seriam dois eixos: o comunicacional e o educacional.

Nas minhas vivências por Jaguaribara, eu percebi que muitas famílias que moram perto do Açude não têm acesso à água encanada e isso me preocupou. Depois, uma professora da cidade me apresentou um projeto de alunas do ensino médio de lá, em que elas levantaram dados sobre a população não saber para onde ia essa água do Castanhão. Se a água é importante num contexto mundial, imagina em pleno sertão cearense, numa cidade em que a população perdeu suas casas para a obra do maior reservatório de água para múltiplos usos da América Latina? O projeto é muito importante em nível estadual, já que o Castanhão é responsável pelo abastecimento de Fortaleza e a região metropolitana... pelo menos é o que dizem. Fora que a população atingida diretamente pelo Açude não é só a de Jaguaribara, mas o Vale do Jaguaribe inteiro. Então, pretendo sim dar vida a ele o quanto antes. 

Entrevista Nota 10 - Lianne, agora você tem pela frente uma nova fase profissional na revista piauí. O que você espera desse momento? Sabemos que a piauí é uma referência em jornalismo literário... 

Lianne Ceará -  Isso! E o jornalismo literário é uma das vertentes que mais gosto no jornalismo. Engloba as minhas paixões desde criança, a leitura e a escrita, com o jornalismo. Isso pra mim é fantástico. É tão fantástico que eu nunca ao menos cogitei estagiar na revista piauí, por exemplo. É como se fosse algo muito distante, sabe? Não costumo carregar comigo crenças limitantes mas percebi que eu levava algumas comigo, mesmo que de forma inconsciente. Sempre admirei muito a revista, desde o meu ensino médio costumo ler o conteúdo que é produzido pela piauí, e neste ano de 2020 tive uma relação ainda mais íntima com ela antes mesmo de participar da seleção, muito pela Agência Lupa mas também por usar uma matéria da revista como referência para um artigo que produzi que será apresentado no Intercom em dezembro. Então pra mim foi absurdamente gratificante e surpreendente saber que, agora, eu posso assinar um conteúdo do qual sou leitora. É como se, de fato, tudo fosse possível. Às vezes me sinto insegura, pensando se estou no caminho certo, se é isso mesmo que quero, mas é engraçado como sempre as coisas se encaminham para me dizer que devo seguir.

O que eu espero é poder aproveitar cada troca de aprendizado que encontrar pelo caminho e seguir no meu propósito. Apesar de estar, praticamente, me inserindo no eixo comunicacional Rio-São Paulo (só que direto de Fortaleza e Jaguaribara), não pretendo e nem vou me esquecer de onde vim.

Sempre digo que prefiro ter um só leitor que se afete do que milhares que sejam indiferentes ao que está escrito, portanto, o que pretendo e espero, é poder afetar e inquietar positivamente as pessoas. Só acredito na comunicação que gera lucidez, mobilização e promove a democracia. Do contrário, é inválida.