Acidentes de trânsito: um fardo para a rede hospitalar

Quinta-feira 24 de Janeiro de 2019 11:16
Por Yasmim Rodrigues

“Eu estava no trabalho, eu tinha tomado vinho… quando fui pra casa, só lembro de ter atravessado a rua, quando acordei eu já estava no hospital”. O relato é do pizzaiolo Maurício Ferreira, de 23 anos, que no início de 2019 sofreu um acidente de trânsito. Ele conduzia uma motocicleta e se chocou contra um poste em uma madrugada após o trabalho - quebrou o fêmur, o braço e a clavícula: “Eu não estava de capacete, confiei porque morava há três quarteirões de lá e aí deu nisso” confessa.  Depois do que poderia ter sido uma tragédia para a família, ela reavalia o comportamento. “Eu sempre fui a favor da proibição [de beber e dirigir], só que a gente sempre acha que nunca vai acontecer com a gente, mas já falei até pros meus amigos para não fazerem isso, aqui não é brincadeira não”.

Casos como o de Maurício se multiplicam em Fortaleza. De acordo com a última edição do Relatório Anual de Segurança Viária de Fortaleza, 49,7% das vítimas fatais em acidentes de trânsito de 2017 são motociclistas, o principal grupo que morre e sofre ferimentos no trânsito. As consequências disso podem ser vistas em corredores de unidades hospitalares por toda cidade. No Instituto Dr. José Frota (IJF), referência em traumatologia na capital cearense, centenas de leitos são ocupados com frequência por vítimas como Maurício. E o volume de casos assim, tem repercussões severas para a rede pública de saúde.

Apesar do desafio para reduzir esse drama, há sinais de que o quadro começa a ser revertido, pela primeira vez. É o que mostra o Relatório Anual de Segurança Viária de Fortaleza, explica o gerente de operação e fiscalização da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza (AMC), Disraeli Brasil. “Aqui em Fortaleza o número de vítimas fatais vem diminuindo, isso se deve muito as campanhas que estão sendo realizadas, como também a um incremento maior na fiscalização” afirma. Na cidade houve a readequação da velocidade em vias como a Avenida Leste-Oeste e em parte da Osório de Paiva ao longo de 2017. No primeiro caso,  apenas nos primeiros 6 meses, o número de chamados para acidentes reduziu em 54% .

As melhorias podem ser observadas também no alívio no volume de atendimento no IJF “A gente tem percebido uma diferença satisfatória, se fizermos um corte a partir do ano que começaram a ocorrer as implementações, vai haver um declínio” afirma a coordenadora do núcleo hospitalar de epidemiologia do IJF,  Luciene Miranda, funcionária há 25 anos. No primeiro semestre de 2014 o IJF recebeu 10.251 pacientes lesionados em acidentes de trânsito, enquanto no mesmo período de 2018 o número caiu para 5.942, totalizando uma redução de 42% nas ocorrências. Mesmo assim, a coordenadora também chama atenção para a questão cultural dos riscos nos acidentes de trânsito “Infelizmente há pessoas que acham que os acidentes são fatalidades, precisamos trabalhar mais campanhas que tirem esse pensamento, os acidentes são passíveis de prevenção”.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê duras penalidades para quem insiste em colocar a própria vida e a de terceiros em risco, ao beber e conduzir. Entre elas está a suspensão do direito de dirigir por um ano e a detenção de 3 meses a 6 anos se o teste do etilômetro (ou simplesmente bafômetro) for positivo. Em 2018 a AMC realizou mais de 72 mil testes com a utilização do etilômetro e destes, 968 resultaram em medidas administrativas ou penalidades “Essa gravidade da penalidade veio exatamente para reprimir esses comportamentos nocivos à segurança no trânsito” afirma Disraeli Brasil.

Álcool e direção

Acidentes envolvendo beber e dirigir são muito comuns nos corredores do IJF, como relatam profissionais da unidade. “Muitas vezes, não tem um plantão que não chegue [uma vítima de] acidente de moto” conta a cirurgiã-dentista do IJF, Leda Jorge. Os relatos das vítimas também são similares ao do jovem Renan Silveira, de 18 anos. Ele sofreu traumatismo craniano e quebrou o fêmur em uma acidente, enquanto conduzia a motocicleta, sob efeito do álcool. “Eu estava em uma festa bebendo, fui colocar gasolina na moto, dormi e bati em um poste”. Depois do trauma,  a visão sobre o comportamento no trânsito mudou. “A minha visão sobre a lei seca mudou depois do acidente, acho que meu caso serve de exemplo para os meus amigos e pra mim também”.

A motocicleta e o uso do capacete

Em Fortaleza, no ano de 2017, acidentes com motociclistas e passageiros de motocicletas representaram 61,2% do total de vítimas feridas no trânsito. Além disso, histórias de quem sofre um acidente e não estava usando equipamentos de segurança como o capacete são comuns. “O meu filho estava na moto e o outro rapaz que bateu nele estava bêbado, não deu tempo de desviar, ele não estava de capacete… em cidadezinha do interior não usam muito capacete” explica Luzinete Drummond, 34, sobre o acidente do filho Airton Jhones, de 15 anos. A falta do equipamento de segurança obrigatório poderia ter custado a vida do jovem.

A cirurgiã-dentista, Leda Jorge, explica ainda que no interior do Ceará a maioria dos acidentes acontecem em decorrência do não uso ou uso incorreto do capacete, mas que na capital o excesso de velocidade é a maior causa. O tipo de ferimento que eles mais lidam são traumas faciais e cranianos, além da fratura de mandíbula.

“Eu estava vindo do trabalho com uns 50 ou 60km/h, quando eu fui entrar na rua de casa tinha um buraco e não deu pra frear, a moto capotou, quebrei a mandíbula, o braço esquerdo, o direito e também quebrei dente, eu estava de capacete e mesmo assim quebrou” afirma Wesley Pereira, de 21 anos. “É uma coisa essencial [o uso do capacete], se eu não tivesse com ele isso aqui ia ser pior. Pra acontecer qualquer coisa que mude a nossa vida é questão de segundos, as pessoas tem que ser mais conscientes”, avalia.