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DA TERRA BRASILIS À ALDEIA GLOBAL Parte 1

Em comemoração aos 45 anos da Unifor, a Fundação Edson Queiroz realiza a exposição “Da Terra Brasilis à Aldeia Global”, reunindo 250 obras dos principais artistas do Brasil e de estrangeiros que o retrataram, abrangendo arco temporal que se estende do século XVI ao século XXI, iniciando com o livro America Tertia Pars, publicado na Europa em 1592, e finalizando com obras contemporâneas. A exposição acontecerá de 20 de março de 2018 a 24 de março de 2019, no Espaço Cultural Unifor.

A mostra, que reúne parte do acervo da própria Fundação Edson Queiroz, tem a curadoria de Denise Mattar, que optou por uma abordagem histórica e didática, contextualizando os principais movimentos da arte brasileira. “Além disso, procuramos mostrar para o público que cada um desses movimentos reflete um momento histórico, político e social e que a arte acaba por transcender todos esses marcos”, salienta. Como novidade, a exposição reúne também livros raros, pertencentes à coleção da Biblioteca Acervos Especiais, da Unifor.

Subordinada durante séculos às correntes artísticas internacionais, a arte brasileira, segundo explica Denise Mattar, sempre viveu constante processo de cópia/repetição, adaptação/transformação, conseguindo algumas vezes imprimir à sua produção um sabor nacional. Barroco, Academia, Modernismo, Abstracionismo, Concretismo, Nova Figuração, Conceitualismo, Transvanguarda e Neoexpressionismo foram se sucedendo de forma cada vez mais veloz. “Somente a partir do final da década de 1980, esse quadro começou a se reverter, abrindo maior espaço para a internacionalização e integração ao circuito de arte mundial – para o bem e para o mal...”, frisa.

Além de traçar esse roteiro com o exterior, a exposição “Da Terra Brasilis à Aldeia Global” aponta como a questão centro e periferia se repetiu internamente no Brasil, sempre privilegiando os centros econômicos. No início da colonização, até então situados nas regiões Norte e Nordeste, esses centros deslocaram-se para o Rio de Janeiro, em função da descoberta do ouro – até a absoluta predominância do eixo Rio-São Paulo.

“Dessa dinâmica resulta o fato de que alguns artistas significativos, por viverem fora dessa área, não chegaram a integrar o chamado circuito de arte, enquanto que outros alcançaram essa meta ao preço de sair de sua terra natal. O foco para ilustrar essa questão será a produção de artistas cearenses de vários períodos, apresentados na mostra integrados aos fluxos artísticos aos quais pertencem”, ressalta a curadora. Segundo ela, “a excepcionalidade da coleção da Fundação Edson Queiroz permite contar essa história, quase sem lacunas, pois seu acervo excede em qualidade e quantidade a de muitos museus do eixo Rio-São Paulo, acentuando sua importância dentro da discussão proposta”.

A curadora ressalta que a dinâmica das relações centro e periferia está tomando novos e inesperados rumos, pois o inevitável e irreversível processo de globalização vem desorganizando tudo, em alta velocidade. “A queda do muro de Berlim, as fissuras no bloco europeu, a eleição de Trump, a ascensão econômica da China, a falência do comunismo, a fragilidade do capitalismo e, principalmente, a Revolução Digital, com computadores, smart-phones, internet e redes sociais, nos colocou frente a um mundo novo para o qual não estamos minimamente preparados, tornando quase impossível fazer qualquer previsão do futuro. A própria relação entre as periferias também se alterou e não consegue encontrar formas definidas”, destaca.Neste panorama, circula hoje o artista plástico brasileiro. “Ele se move solitário, tendo como objetivo principal desenvolver sua obra e conseguir sua inclusão no circuito internacional. Nunca, nas artes plásticas, essa inserção foi tão possível como agora. As barreiras continuam presentes, e os meios de ação para um artista são muito maiores num país desenvolvido – mas a busca de talentos tem ultrapassado fronteiras”, complementa Denise Mattar. Para ela, artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark ou Tarsila não teriam passado despercebidos no exterior por tantos anos. Em contrapartida, essa procura da internacionalização tem levado bons artistas a deixar de lado suas pesquisas pessoais e sua matriz nacional para se adaptar às correntes mais aceitas por este circuito, algumas vezes com resultados decepcionantes. “Ser universal sem se perder de suas origens é um grande desafio”, conclui.

A arte em nove módulos

Dividida em nove módulos, a exposição “Da Terra Brasilis à Aldeia Global”, compreende seis séculos de arte, com artistas de renome nacional e internacional. Do primeiro módulo, “Terra Brasilis”, que vai de 1500 a 1637, constam as obras “Primeira Missa”, de Victor Meirelles, e “Primeira Missa em São Vicente”, de Rugendas, além de quatro óleos de Frans Post (1612-1680) e “Vista do Recife e seu porto”, de Gillis Peeters (1612-1653).

O módulo 2, “Barroco”, abrange os séculos XVII e XVIII, e dele consta o conjunto de quatro obras denominado “Os Quatro Continentes”, pinturas de forros caixotonados de autor desconhecido, usuais nas igrejas, capelas e salas senhoriais desse período. Segundo Denise Mattar, esses trabalhos guardam similaridade com o forro da Igreja Matriz de Aquiraz, datada de 1713. A exposição terá vídeo sobre essa igreja, mostrando a herança barroca presente na primeira capital do Ceará. O vídeo será produzido pelo professor Glauber Filho, do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, com apoio técnico da TV Unifor.

Do módulo 3, “Reais Mudanças”, de 1808 a 1821, constam, entre outras, as obras “Retrato de D. Pedro I”, 1829, óleo de Simplício de Sá Rodrigues, que tem um similar no Museu Imperial de Petrópolis (RJ), e “Juramento da Regência Trina”, de Araújo Porto Alegre, 1831, que retrata, em proporções murais e riqueza de detalhes, a cerimônia de posse da Regência Trina, realizada no Paço Imperial.

Quase todos os integrantes da Missão Francesa estão representados no grupo “A Presença Francesa”, destacando-se as obras “São João”, 1799, de Nicolas Antoine Taunay, e “Cascatinha da Tijuca”, 1840, de Félix-Emile Taunay. O módulo 3 encerra-se com o conjunto “O Olhar Estrangeiro” que inclui ainda pinturas, gravuras e álbuns de viagens, destacando-se obras de Adolphe D'Hastrel, August Müller, Durand-Brager, Conde de Clarac, Arnaud Julian Pallière e Johann Moritz Rugendas.

No módulo 4, “Uma Academia nos Trópicos”, que vai de 1826 a 1922, a exposição mostra obras de artistas influenciados pela Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). A Coleção da Fundação Edson Queiroz reúne os mais importantes artistas acadêmicos brasileiros desse período. Segundo Denise Mattar, o conjunto é surpreendente pois traça panorama dos caminhos da arte brasileira, da AIBA a meados do século XX, mostrando que muitos já antecipavam a modernidade. Fazem parte do núcleo obras de Belmiro de Almeida, Eliseu Visconti, Almeida Junior, Rodolpho Amoedo, Vicente Leite e Raimundo Cela.

O quinto módulo, “Modernidade”, é dividido em dois núcleos (“A Virada” e “Moderno, mas não tanto”) e abrange o período de 1917 a 1950. A Coleção da Fundação Edson Queiroz tem obras dos principais artistas do Primeiro Modernismo, dentre os quais, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Gomide, entre outros. A criação dos Museus de Arte Moderna em São Paulo e Rio, entre 1947 e 1948, encerra o ciclo do Segundo Modernismo, abrindo espaço para a chegada do Abstracionismo. Obras de Pancetti, Guignard, Segall, Volpi, Bruno Giorgi, Flávio de Carvalho, Ceschiatti, Aldemir Martins e Silvio Pinto completam o módulo, que prestará homenagem especial a três artistas brasileiros, com salas em separado: Di Cavalcanti, Milton Dacosta e Candido Portinari.

O sexto módulo destaca “A Força da Abstração”, indo do final dos anos 1940 aos dias atuais. Dele fazem parte artistas abstrato-informais da Coleção da Fundação Edson Queiroz: Vieira da Silva, Antonio Bandeira, Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Walber Batinga, Iberê Camargo e Frans Krajcberg. Dos grupos Concreto e Neoconcreto integram a exposição: Ivan Serpa, Lygia Pape, Abraham Palatnik, Franz Weissmann, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Sem fazer parte dos grupos citados, outros artistas desenvolveram, ao longo dos anos, sua pesquisa no abstracionismo geométrico, e por isso merecem destaque na exposição: Aldo Bonadei, Heloísa Juaçaba, Mira Schendel e Eduardo Frota.

O sétimo módulo, denominado “Tempos Difíceis” (1960 a 1970), faz alusão ao período da Ditadura Militar. Entre os artistas deste período a Coleção da Fundação Edson Queiroz está representada na exposição por obras de Antonio Dias, Wesley Duque Lee, Sérvulo Esmeraldo, Lygia Pape, Cildo Meireles e Waltércio Caldas.

O módulo oito, denominado “Chuvas de Verão”, agrupa os artistas da chamada “Geração 80” (1980 a 1990), reunindo obras dos principais artistas desse período: Beatriz Milhazes, Adriana Varejão, Daniel Senise, Francisco de Almeida, João Câmara Filho, Leda Catunda e Leonilson.

No nono e último módulo, “A Aldeia Global” (de 1990 aos dias atuais), Denise Mattar selecionou obras significativas da Arte Contemporânea presentes na Coleção da Fundação Edson Queiroz. Dentre esses artistas, estão presentes Adriana Varejão, Mariana Palma, Henrique Oliveira, Vik Muniz, José Tarcísio, Luiz Hermano e Efrain Almeida.

TERRA-BRASILIS (1500 – 1637)
Descoberta (1500 – 1548)
O Brasil Holandês (1637-1644)

A MATRIZ BARROCA (séc. XVII, XVIII)

REAIS MUDANÇAS (1808-1821)
A Família Real - 1808
A Presença Francesa - 1816
O Olhar Estrangeiro – Séc. XIX

UMA ACADEMIA NOS TRÓPICOS – (1826 -1922)

MODERNIDADE (1917-1950)
A - A Virada - 1917-1929
B – Moderno, mas não tanto - 1930 -1950

A FORÇA DA ABSTRAÇÃO (De final de 1940 até hoje)
A – Abstração Lírica ou Informal
B – Abstração Geométrica – Concretismo e Neoconcretismo

TEMPOS DIFÍCEIS (1960-1970)
Nova Figuração e Arte Conceitual

CHUVAS DE VERÃO (1980 - 1990)
Geração 80

A ALDEIA GLOBAL (1990 até hoje)

 

Texto publicado na Revista Unifor | Edição 03 | Março 2018