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Ter, 16 Novembro 2021 14:54

Conheça o Núcleo de Superendividamento, iniciativa pioneira no Ceará

Parceria entre a Universidade de Fortaleza, a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça do Ceará tem o intuito de desburocratizar e intensificar os acordos de conciliação entre devedores e credores 


Precisa de ajuda? Núcleo de Superendividamento realiza conciliações, mediações e outros atendimentos de natureza legal gratuitamente para a população (Ilustração: Getty Images)
Precisa de ajuda? Núcleo de Superendividamento realiza conciliações, mediações e outros atendimentos de natureza legal gratuitamente para a população (Ilustração: Getty Images)

Luz no fim do túnel. Os superendividados já têm onde e como recuperar o fôlego de consumo: instalado no próprio campus da Universidade de Fortaleza, instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz, o Núcleo de Superendividamento promete desburocratizar e intensificar os acordos de conciliação entre devedores e credores, graças a mais uma parceria firmada entre o curso de graduação em Direito, através de seu Escritório de Práticas Jurídica (EPJ), a Defensoria Pública do Estado do Ceará e o Tribunal de Justiça do Estado de Ceará, através do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) e do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC/CE).

A soma de esforços para os tão necessários e esperados apertos de mão viabilizados pela intervenção humanizada do poder judiciário provém da sanção da Lei do Superendividamento (14.181/21), em julho último. É o que informa, em tom de comemoração, a coordenadora do Curso de Direito/EPJ e supervisora da Extensão CEJUSC/Unifor, professora Juliana Mamede: “o Núcleo do Superendividamento é pioneiro no Ceará, resultante de mais uma parceria firmada entre a Unifor, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e a Defensoria Pública do Estado do Ceará. Através desse Projeto podemos, a um só tempo, proporcionar novas experiências ao nosso corpo discente, ampliando o seu espectro de atuação e concedendo-o a oportunidade de desenvolver competências necessárias à atuação no mercado de trabalho, além de acolhermos de uma forma empática aquelas pessoas que se encontram em situação de superendividamento, promovendo o resgate da autoestima, de modo a reinserí-las social e economicamente.

O conceito, formulado pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), deixa ainda mais claro: “o superendividado é aquele cuja renda está tão comprometida que perdeu a capacidade de pagar suas dívidas, a ponto de pôr em risco sua subsistência, ou seja, de quitar contas básicas como alimentação e moradia”. Carapuça que cabe atualmente em nada menos do que 40 milhões de brasileiros, segundo estimativa da BRASILCON, maior entidade de defesa do consumidor do Brasil. 

“A pauta do superendividamento vem preocupando bastante todas as instituições, especialmente em virtude da crise econômica vivenciada pelos brasileiros, agravada pela pandemia, que terminou por aniquilar o poder de compra de milhões de brasileiros. Assim, a  lei em referência desponta como um normativo de extrema relevância, estabelecendo o necessário e indispensável equilíbrio da relação jurídica travada entre as partes, Juliana Mamede, professora do curso de Direito da Unifor e supervisora da Extensão CEJUSC/Unifor. 

Tudo porque quem deve, em geral, quer pagar, assim como quem empresta ou vende precisa receber. Mas chegar ao acordo de paz é que são elas. Na prática, o toma lá dá cá, mesmo quando amparado legalmente, exige perícia, bom senso e boa vontade, além de uma insuspeitada, mas profunda mudança cultural. Assim percebe a advogada conciliadora credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado e também professora do curso de Direito da Unifor, Isabela Fares, responsável pela intermediação da intrincada conversa entre credores e devedores no processo de negociação entre as partes: “já fiz a mediação de duas conciliações após a sanção da Lei do Superendividamento e, antes dela e da instalação do nosso Núcleo, o credor sequer era obrigado a comparecer às sessões, portanto, em geral, não ia ou quando ia era só para se negar a negociar, já que poderia cobrar na justiça e ainda aplicar juros e multas junto ao devedor ao longo de anos, até o ponto de levar uma casa ou um carro a leilão. Agora, após entender amiúde a situação do devedor, ouvindo uma proposta efetiva de pagamento, prefere manter aquela relação, sabendo que ele pode sim pagar a dívida e ainda ser seu cliente para o resto da vida”.   

"A Lei do Superendividamento empodera as pessoas. O devedor já não precisa ter vergonha porque está devendo. Ele tem que ter sim a conscientização quanto à necessária mudança de atitude. Se ele é devedor até hoje não pode continuar assim e tem que pagar o que deve, mas a gente coloca na mão dele o poder de negociação, assim como cabe a ele entender porque é devedor, qual o contexto econômico, financeiro e social em que está inserido e como pensa em sair dessa condição. Não é fácil nem rápido, mas ele pode sair. Junto ao Núcleo de Superendividamento e com o apoio capacitado de professores conciliadores da Unifor, além de contar com a representação da Defensoria Pública do Estado, ele consegue enxergar de forma prática algumas atitudes que deve tomar para, em um prazo mais longo, sanar dívidas e retomar a capacidade econômica”Isabela Fares, advogada conciliadora credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado e professora do curso de Direito da Unifor. 

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A falência civil da pessoa física há muito carecia de uma lei para chamar de sua. “Historicamente, as empresas sempre tiveram a possibilidade de suspender dívidas, colocar todos os credores à mesa e pleitear uma recuperação. A pessoa física superendividada não, ela chegava até mesmo a cometer suicídio, entrava em processo depressivo, se desfaziam casamentos... Tudo porque parecia não haver solução ou saída. Então a Lei 14.181/21, do Superendividamento, que passou dez anos tramitando e finalmente foi promulgada, é de suma importância”, defende a professora do curso de Direito da Unifor e Supervisora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Ceará , Amélia Rocha. 

Nada parecido com “lei do calote”. Para ela, não se trata, como pode supor o senso-comum, de passar a mão na cabeça do devedor. “Costumo comparar a Lei do Superendividamento com a cirurgia bariátrica. Ninguém vai para uma bariátrica, algo tão invasivo e doloroso, porque quer, assim como ninguém fica numa situação de superendividamento porque quer, já que é desgastante em todos os aspectos. E o pós-operatório da bariátrica é muito complicado também, assim como a pós-audiência do superendividamento. Simplesmente porque implica em mudança de hábitos. De nada adianta, em ambos os casos, se a pessoa não estiver disposta a mudar o comportamento e a atitude”, enfatiza a Defensora Pública. 

“Não poderíamos fazer nada sozinhos. Seria preciso uma estrutura para identificar o superendividado, uma estrutura para fazer as audiências e uma estrutura para que se pudesse dar vazão à judicialização. Há cerca de 20 anos a Defensoria Pública tem convênio com a Unifor para o funcionamento do EPJ. E foi providencial poder viabilizar o Núcleo de Superendividamento, entre outros projetos compartilhados, a partir de mais uma parceria entre a universidade, a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça do Estado e o Ministério Público”, Amélia Rocha, professora do curso de Direito da Unifor e Supervisora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Ceará.

Foco no fluxo: o Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública recebe a demanda que vem da população, identificando se é caso de superendividamento ou não. Se for, encaminha-se para o EPJ-Unifor, que tem a tarefa de formular o plano de pagamento depois de conhecer a fundo as condições de vida dos superendividados. É de lá que também virá a carta-convite que determina a audiência de conciliação, realizada em parceria com o Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) do Tribunal de Justiça. Por fim, o xeque-mate. “Se houver acordo, esse termo vai para a homologação do juiz-coordenador do CEJUSC de Fortaleza. Caso não haja - ou só se chegue a acordos parciais – a peça volta para o EPJ-Unifor que, junto com o NUDECON da Defensoria Pública, vai ajustar a parte que será judicializada e encaminhar para o Judiciário, com o intuito de estancar a sangria”, aferra a defensora pública.

O princípio do “ganha-ganha” faz girar a engrenagem colaborativa do Núcleo de Superendividamento do Ceará. “Ganhamos na Defensoria Pública, porque ampliamos nossa capacidade de atendimento e de dar resposta ao consumidor superendividado, assistido originalmente por nós; ganha a universidade, que articula conhecimento e prática, desponta com um laboratório inédito e fomenta produção científica apurada na matéria; e ganha o Tribunal de Justiça e o CEJUSC, qualificando ainda mais os seus serviços e podendo replicar esse modelo futuramente de uma maneira testada e aprovada. Por fim, ganha o cidadão, porque todo mundo tem o direito de recomeçar”, avalia a professora e coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado, Amélia Rocha.

Responsável pela homologação dos acordos conciliatórios para constituição dos títulos judiciais, o juiz-coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC-Fortaleza) do Tribunal de Justiça do Ceará, Gúcio Carvalho Coelho, vibra com a parceria que também implanta no Núcleo de Superendividamento uma cultura da paz, franqueando ao cidadão comum acesso ágil e eficiente a um serviço especializado de assistência judiciária sem qualquer ônus. Para ele, não há dúvida de que a retração da economia e consequente redução dos postos de trabalho resultaram em desamparo financeiro de muitos que já não são capazes de cumprir as obrigações na forma pactuada, sem sacrifício do mínimo existencial. 

Daí porque a edição da lei 14.181/2021 é um esforço louvável do legislador, ao mesmo tempo em que insere no ordenamento jurídico inovações criativas, sendo lenitivo para os superendividados e instrumento  a conferir mais prestígio à via autocompositiva de solução de conflitos.

“Desse esforço legislativo, o que se espera é mais agilidade no tratamento das situações extremas de endividamento, reverência à dignidade do devedor, flexibilidade na revisão das cláusulas contratuais, restabelecimento do crédito e consequente oxigenação da economia”, Gúcio Carvalho Coelho, juiz-coordenador local da CEJUSC. 

Desenhado e efetivado a muitas mãos, o projeto-piloto para atendimento de demandas processuais e pré-processuais envolvendo superendividados também traz no seu escopo a assinatura do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC-TJCE), que responde pela realização de capacitações voltadas ao aprimoramento e especialização de conciliadores, mediadores e outros profissionais envolvidos na parceria. Para a juíza-coordenadora do NUPEMEC, Ana Kayrena da Silva, são inúmeros os benefícios de uma lei que permite ao jurisdicionado negociar a totalidade de seus débitos em um único ato, contemplando forma de pagamento e prazos diferenciados.

“Para o Poder Judiciário é também uma oportunidade de tratar de forma consensual, personalizada, célere e especializada as demandas complexas envolvendo consumidores de múltiplos débitos, solucionando-as inclusive pela via pré-processual. Com a efetivação do projeto, portanto, espera-se que o consumidor possa solucionar sua demanda de forma autocompositiva, em menos tempo e com menor burocracia pelo rito do pré-processual. Espera-se, outrossim, a redução de novos casos processuais envolvendo os superendividados, pela utilização da via simplificada”, Ana Kayrena da Silva, juíza-coordenadora do NUPEMEC.

Oferecer uma escuta atenta e sensível aos superendividados é também uma oportunidade ímpar de crescimento pessoal e profissional para estudantes do curso de Direito da Unifor. Responsável pelas turmas de estágio, a professora Ana Paula Melo vê o trabalho compartilhado no Núcleo de Superendividamento como um aliado na formação humanística e com foco na responsabilidade social que cada vez mais ganha centralidade em todas as matrizes curriculares das graduações e pós-graduações.  

“Por ser um projeto pioneiro e tratar-se de uma lei extremamente nova, tanto discentes quanto docentes têm a oportunidade de enriquecer seus repertórios e expertises profissionais. Os jovens em formação serão os advogados mediadores, os defensores públicos e os juízes do futuro, saindo dessa experiência mais conscientes da realidade de milhões de brasileiros, além de aptos a tentar solucionar o problema através da prática consensual, já que estão aprendendo in loco como atuar enquanto conciliador/mediador e gestor de conflitos, que inclusive é uma das habilidades exigidas para o século XXI”, Ana Paula Melo, professora do curso de Direito da Unifor responsável pelas disciplinas de estágio. 

Para ela, ao contribuir com a repactuação das dívidas de consumidores de boa fé o aluno Unifor deve olhar além, entendendo que não se trata de problemas pessoais, mas coletivos, algo que impacta na atividade econômica do país como um todo. “Em curto prazo, nossa expectativa é ‘estartar’ esse projeto para que possamos ter um alcance social massivo, reconhecimento e popularização da Lei. Em médio prazo, seria impulsionar e tornar viáveis esses acordos de repactuação das dívidas em prol dos superendividados. E em longo prazo, despertar a consciência de que o acesso ao crédito fácil pode ser uma armadilha, ou seja, será preciso pensar em ações voltadas à reeducação financeira”, projeta a professora.
 

“É muito gratificante enquanto acadêmico de Direito participar de projetos pioneiros como o Núcleo de Superendividamento. Nesse caso, estamos falando de assistidos da Defensoria Pública, pessoas com baixo poder aquisitivo e que têm uma vida financeira complicada e quase nenhum acesso à Justiça. O superendividamento é algo muito comum às famílias brasileiras, assim como o nível de inadimplência é muito grande no Brasil. Então é muito bom transmitir para essas pessoas que existe uma saída. Também é auto-cautela, porque você passa a ter mais cuidado ao lidar com instituições financeiras. Ao mesmo tempo, é conhecimento jurídico porque estamos lidando com a produção das peças jurídicas, as minutas e petições, tudo, claro, sob a supervisão dos professores. Ao lidar diretamente com as pessoas, a gente também precisa saber se comunicar com as pessoas, respondendo às suas perguntas e acolhendo suas angústias, que são muitas. Isso também faz com que a gente trabalhe a empatia e a capacidade de comunicação e escuta. Como aluno da Unifor, fico muito feliz em estar presenciando esse início e vendo os primeiros  casos se resolverem. Nosso primeiro caso teve acordo, então é muito tocante e estimulante. E espero que essa nova lei nos ajude a mudar essa cultura de fomento ao endividamento compulsivo existente no Brasil, aquele que você não consegue sair”, Arthur Freitas Fernandes, estudante do 10º semestre da graduação em Direito da Unifor.

“Estar imerso como aluno Unifor na condução desse projeto pioneiro é uma experiência única, mas que ao mesmo tempo nos exige muita responsabilidade, já que somos nós que escutamos as histórias de vida dos assistidos e vamos montar, a partir dessa interação, as propostas de repactuação das dívidas. Por isso, estudamos com profundidade o Código de Defesa do Consumidor, buscando elaborar bons argumentos para fazer constar nas peças judiciais. Tudo isso é exercício e não temos sequer parâmetros de comparação, já que a lei é nova e estamos trabalhando junto com as professoras no desenvolvimento do modelo das petições e até de um manual de rotinas para padronizar para futuras ações. Sei que enquanto estudantes-estagiários temos muito a contribuir com o senso de responsabilização das pessoas na hora de solicitar crédito junto às instituições financeiras. Fui o primeiro aluno contemplado com a primeira ação judicial de um assistido que teve um veículo penhorado por conta de uma dívida com o banco. E esse caso infelizmente teve que ser judicializado, ou seja, o processo corre na Justiça. De qualquer forma, é muito gratificante poder elaborar as tratativas de conciliação e saber que dali podem sair acordos plausíveis para a repactuação das dívidas. Essa expertise vai ser cada vez mais solicitada na área do Direito e nós já estamos dominando a matéria, então me sinto bem mais seguro para entrar no mercado de trabalho”, Francisco de Assis Araújo Júnior, estudante do 10º semestre da graduação em Direito da Unifor.

Escritório de Prática Jurídica (EPJ)
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