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Qui, 17 Setembro 2020 16:46

Das escolhas fora da curva

Fotógrafo e cientista social, o professor da Unifor Wilton Martins fala sobre suas escolhas profissionais


Wilton Martins é cientista social e mestre em Psicologia (Foto: Arquivo pessoal)
Wilton Martins é cientista social e mestre em Psicologia (Foto: Arquivo pessoal)

É atípica, mas profícua a trajetória acadêmica do professor e fotógrafo Wilton Martins. Desde 2007, o também cientista social e mestre em Psicologia integra o corpo docente da Universidade de Fortaleza (Unifor), instituição da Fundação Edson Queiroz, mas até ouvir, em seu íntimo, o mais sonoro “sim” diante da real possibilidade de abraçar a docência teve que fazer escolhas estratégicas de vida, ora com a razão, ora com o coração. Isso porque veio de uma classe social vulnerável, o que ainda adolescente o fez abandonar os bancos da escola para trabalhar, suando a camisa em busca de sustento. E eis que no meio do caminho pedregoso encontrou a fotografia, linguagem feita de arte, técnica e magia usada por ele para reenquadrar o próprio destino.  

Foi de máquina fotográfica em punho que pisou pela primeira vez na Unifor. Rompia os anos 2000 e um amigo com quem já compartilhava “freelas” como fotógrafo o avisou da vaga de técnico para o laboratório que servia aos cursos ligados à Comunicação. Encarou a seleção e de repente se viu funcionário da instituição de ensino que lhe abriria as portas para a formação superior, a pós-graduação e, enfim, a docência. Já beirava os 40 anos quando tomou nas mãos o canudo de graduado em Ciências Sociais, emendando uma especialização em design gráfico e o mestrado em Psicologia. Diferentemente da grande maioria de seus colegas e alunos, que nessa fase da vida já encaram um pós-doutorado, fez do “atraso” um “corre” e da maturidade sua principal estratégia de planejamento para tomadas de decisões capazes de fazer valer o jargão “antes tarde do que nunca”.

“Ter uma graduação não fazia mesmo parte dos planos de quem vem da periferia. Era um ou outro da minha classe social que conseguia com muito custo ingressar na universidade, mas a grande maioria não. Sobravam os subempregos. Mas trabalhando como técnico no laboratório da Unifor, dentro daquele contexto universitário e já formando redes com pessoas que me inspiravam e estimulavam a progredir, me vi com a necessidade de fazer uma graduação caso quisesse reaver um sonho antigo que adormecia calado em mim: o de ser professor. A Unifor dava 50% de desconto para o funcionário que desejasse investir na própria formação e, para mim, contar com isso foi fundamental.  Psicologia já me chamava atenção na época, assim como Arquitetura. Mas eram cursos longos e eu não tinha mais tempo a perder. E foi assim que optei por Ciências Sociais, um curso de quatro anos de duração com o qual também sentia afinidade e cujos conteúdos poderiam contribuir com meu trabalho de fotógrafo, além de me dar o título necessário para chegar à docência”, relembra Wilton. 

Feita a escolha principal, o cientista social, mestre em Psicologia e hoje professor dos cursos de Publicidade, Jornalismo e Design de Moda ainda não cansou de fazer escolhas para escancarar seu leque de oportunidades e conhecimentos: atualmente, numa reviravolta que o reposiciona no início do jogo, cursa com um alegria juvenil - e de cabelos brancos - a graduação em Psicologia na Universidade de Fortaleza. “Essa foi uma escolha, digamos, em atenção à minha subjetividade, por conta de um sonho que ficou marcado lá no início da trajetória acadêmica: se as Ciências Sociais foi por necessidade, a Psicologia é por vontade, porque sempre me encantaram a mente e as emoções humanas... interesse muito mais pessoal. Mas muito do que aprendi como cientista social acabo utilizando na formação em Psicologia. A sociedade moderna acabou separando e compartimentando as áreas de conhecimento para formar especialistas, mas eu não consigo perceber o social e a psiquê do indivíduo em separado. Elas são complementares e aprendo com essas conexões todos os dias”, ensina o professor.

Ser um ponto fora da curva, no entanto, não livra Wilton de dúvidas e questionamentos diante das escolhas feitas até aqui. “Durante algum tempo essa minha trajetória incomum gerou certa angustia, porque a academia exige que você siga um roteiro: graduação, mestrado e doutorado na mesma área. Hoje isso tem mudado um pouco, mas ainda há a necessidade de tornar a pessoa especialista em um assunto. De qualquer forma, a interdisciplinaridade tem feito uma diferença muito grande na minha prática e na minha abordagem em sala de aula. Se não tivesse essas outras lentes, esses olhares múltiplos, não teria a compreensão de mundo que compartilho no dia a dia como docente. Então, se a princípio as decisões não foram bem planejadas, hoje percebo a importância que cada uma tem em termos de qualificação profissional”, pontua. 

Nenhum arrependimento. “Não me arrependo das escolhas feitas porque isso me constitui, faz parte de quem eu sou, de onde vim, da minha experiência pessoal. E essa vivência não era e não é exclusivamente minha. Muitos jovens não têm oportunidades e a vida segue outros caminhos, a ponto de muitas vezes a gente perder essas pessoas com talentos e habilidades em potencial. Então, não me arrependo. E não é pela questão financeira hoje remediada, que isso nunca esteve em primeiro lugar. Mas pela troca de conhecimentos e experiências de vida, pela oportunidade conquistada de contribuir com a formação de alguém, de desenvolver trabalhos sociais e de extensão na Unifor. Tudo isso é que faz com que a minha vida ganhe sentido. Sou professor hoje por conta do que ganho existencialmente e não financeiramente. E enquanto estiver dando sentido para minha vida tô nessa, apesar da docência também ser árdua, trazer sofrimento e dor, mas tem muito prazer e satisfação envolvidos também”, reitera.

Como professor adepto às livres escolhas, Wilton também arrisca dizer que lhe parece prematura a idade com que os jovens são levados a escolher seu curso de graduação e, consequentemente, a carreira profissional a seguir. “Ao terminar o ensino médio ou mesmo antes disso o jovem já sente a pressão dos pais e da sociedade para que escolha o que vai fazer ou “ser”. A nossa sociedade não prepara as pessoas para responder por que vão fazer determinada coisa e sim o que vai fazer. “Vá para essa área porque vai dar a você uma rápida estabilidade financeira e status”. E rapidamente são arroladas as profissões que estão em destaque ou as profissões do futuro. Dizem: 'faça isso!'. Acho que o jovem deveria ser levado a pensar por que escolho determinada área e o que tem ali que faz com que ele sinta o seu 'sim'. Esse 'por que' tem um apelo mais íntimo do que material e diz sobre a possibilidade que terá de desenvolver seu potencial ao invés de se tornar um adulto frustrado nas escolhas feitas”, ensina. 

Para ele, o mundo contemporâneo acelerado, que exige decisões cada vez mais rápidas, pode gerar efeitos contrários, bloqueando ou embotando a capacidade de escolha do jovem prestes a entrar na universidade. “O importante talvez seja perceber aonde você não quer estar, o que não quer fazer. Isso já diz muito. Mas o tipo ideal seria aquele estudante que, após o ensino médio, teria a oportunidade de experimentar um ano sabático. Assim, iria em busca de outras experiências, viajaria para conhecer outras culturas e realidades, faria intercâmbios lá fora e, a partir desse distanciamento do ensino formal, teria mais maturidade e segurança para escolher as atividades ou profissões a seguir. Mas isso, para a maioria das pessoas, é privilégio, claro. E entre o ideal e o possível temos que encontrar aquele meio termo confortável, mas sem abrir mão de escutar bem lá no fundo o nosso “sim” existencial”, conclui.