null Entrevista Nota 10: Ana Cristina Moreira e o papel da universidade no combate ao câncer de mama

Seg, 31 Outubro 2022 09:55

Entrevista Nota 10: Ana Cristina Moreira e o papel da universidade no combate ao câncer de mama

Ana Cristina Moreira é farmacêutica, mestre e doutora em Bioquímica. Na Unifor, ela leciona na pós-graduação e coordena o Núcleo de Biologia Experimental (Nubex). Em alusão ao Outubro Rosa, a docente fala sobre a própria trajetória profissional e o papel da universidade no combate ao câncer de mama


(Foto: Ares Soares)
(Foto: Ares Soares)

Tipo de câncer que mais acomete mulheres em todo o mundo, o câncer de mama ocupa a primeira posição em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil, com  taxa de mortalidade ajustada por idade, pela população mundial, para 2019, de 14,23/100 mil. As maiores taxas de incidência e de mortalidade estão nas regiões sul e sudeste do Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer. 

A fim de conscientizar a população acerca da detecção precoce da doença, foi criado no início da década de 1990, em Nova York, o símbolo da prevenção ao câncer de mama: o laço cor-de-rosa. Desde então a campanha “Outubro Rosa” é celebra em todo o mundo visando compartilhar informações e promover a conscientização sobre o câncer de mama, a fim de contribuir para a redução da incidência e da mortalidade pela doença.

Nesse sentido, encontrar a cura do câncer é um dos grandes objetivos para os profissionais que atuam na área da saúde. Por mais que a doença seja uma das mais letais, avanços em pesquisas trazem boas notícias e dão esperança. Boa parte desse progresso e das novas discussões se deve aos trabalhos realizados em universidades. Na Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, alguns desses projetos são orientados pela farmacêutica, mestre e doutora em Bioquímica, Ana Cristina Moreira. 

Docente do Mestrado em Ciências Médicas e do Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio) da Pós-Unifor, Ana Cristina contribui periodicamente com agências de fomento e revistas científicas de circulação nacional e internacional. Como diretora do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex) da Unifor, ela orienta e desenvolve pesquisas na área de Bioquímica, com ênfase em isolamento, caracterização e aplicação biotecnológica de carboidratos e proteínas, especialmente lectinas, e análise proteômica na prospecção de biomarcadores de doenças.

Em alusão ao Outubro Rosa, a docente fala sobre a própria trajetória profissional, o papel da universidade no combate ao câncer de mama, bem como a Unifor está contribuindo no desenvolvimento de tratamentos para este câncer por meio de projetos de pesquisa. 

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 - Professora, poderia compartilhar conosco detalhes de como sua trajetória profissional?

Ana Cristina Moreira - De 1996 a 2002 realizei mestrado e doutorado em Bioquímica, nesse período aprofundei os estudos com as lectinas vegetais e trabalhei com processos de purificação de proteínas. Além disso, investiguei as propriedades físico-químicas, estruturais e biológicas de lectinas e iniciei pesquisas utilizando polissacarídeos vegetais. Antes da conclusão do doutorado, comecei minha carreira docente como professora da graduação em Farmácia da Unifor em 1999, sendo efetivada em agosto de 2000.

Após a defesa do doutorado, em 2002, dei continuidade as pesquisas com lectinas e polissacarídeos vegetais, visando à ampliação dos conhecimentos básicos, aplicados e à formação de recursos humanos qualificados. Como consequência desse esforço, formamos um grupo de pesquisa consolidado com alunos orientados por mim e por outros pesquisadores da Unifor. Em 2013, houve a implantação do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex). Conseguimos nossa primeira carta patente com o trabalho “Processo de isolamento de glicoconjugados e depleção de imunoglobulinas séricas por cromatografia de afinidade em matriz de frutalina”, em 2021. 

Antes disso, em 2007, iniciei como professora orientadora do Programa de Pós-Graduação do Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia. Já em 2017, iniciei no Mestrado em Ciências Médicas da Universidade de Fortaleza. Na última década (2011-2021), orientei 18 alunos de doutorado, 11 de mestrado e 31 alunos de iniciação científica, 28 alunos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e supervisionei três alunos de Pós-Doutorado. Nesse período, publicamos 115 artigos científicos, fator H 23; cinco capítulos de livros publicados;  e solicitamos 14 depósitos de pedidos de patentes, das quais duas cartas patente foram concedidas, uma delas em parceria com a EMPRAPA Ceará. 

Entrevista Nota 10 - O que a atraiu para a especialização em Bioquímica? Havia interesse nessa área desde o início da graduação?

Ana Cristina Moreira - A Bioquímica vem fazendo parte de minha vida acadêmica e profissional desde 1993, quando iniciei minha jornada no mundo da pesquisa como bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Ceará, no período da minha graduação em Farmácia. Trata-se uma área bastante complexa, mas apaixonante.

Entrevista Nota 10 - O câncer de mama é uma realidade difícil para muitas mulheres em todo o mundo. Ocupando, no Brasil, a primeira posição em mortalidade por câncer entre as brasileiras. Diante dessa estatística assustadora, qual o papel da universidade no combate ao câncer de mama?

Ana Cristina Moreira - O papel da Universidade é fundamental, pois a mesma atua desde a formação de profissionais qualificados que irão atuar no acolhimento, diagnóstico, tratamento do paciente até nas várias fases da pesquisa científica que envolvem o estudo da doença, métodos diagnósticos, tratamentos, técnicas cirúrgicas, etc.

Entrevista Nota 10 - Como orientadora de projetos acadêmicos no mestrado e no doutorado, a senhora tem participado de bancas em que o câncer de mama é constantemente citado como objeto de estudos. Nesse sentido, que contribuições relevantes estão sendo proposta por estudantes da Unifor no desenvolvimento de tratamentos para este câncer?  

Ana Cristina Moreira - O câncer de mama é um tumor originário do revestimento interno dos ductos de leite ou dos lóbulos que suprem os ductos de leite e é o segundo tipo de câncer mais comum no mundo. Ele é tratado de forma mais eficaz em estágios precoces e, atualmente, o método mais comum para detecção é o uso da mamografia, que ainda apresenta falhas. Tendo em vista que a glicosilação anormal de proteínas está correlacionada com o câncer e que os avanços técnicos em espectrometria de massas permitem a identificação e quantificação de proteínas em fluidos biológicos, tal como o sangue, algumas glicoproteínas séricas têm sido utilizadas como biomarcadores para detecção precoce e diagnóstico de doenças. 

E, embora já existam alguns biomarcadores para o câncer de mama, nenhum deles é efetivo ou foi validado o suficiente para ser utilizado clinicamente no atendimento ao paciente. Dessa forma, os estudos desenvolvidos pelo nosso grupo de pesquisa analisam quali e quantitativamente glicoproteínas séricas de pacientes com câncer de mama visando a identificação de novos biomarcadores. Para isso, inicialmente, o plasma ou soro sanguíneos de mulheres portadoras, ou não, do câncer de mama são utilizados e as glicoproteínas séricas isoladas por meio de cromatografia de afinidade em matrizes cromatográficas contendo frutalina, uma proteína isolada de semente de fruta-pão que venho estudando desde a minha iniciação científica, há quase 30 anos. 

As glicoproteínas séricas isoladas são digeridas com tripsina e, em seguida, identificadas e quantificadas utilizando o Espectrômetro de Massas. Proteínas com níveis de expressão significativamente alterados em pacientes com câncer de mama, que se configuram como biomarcadores em potencial, são quantificadas pelo método de ELISA para validação. Assim, a identificação de novos biomarcadores para o câncer de mama auxilia de forma significativa para diagnóstico e prognóstico precoces e precisos, contribuindo para a redução da morbi/mortalidade. 

Entrevista Nota 10 - Uma das suas áreas de pesquisa, a prospecção de biomarcadores de doenças, ajudam no combate ao câncer. Explique o que é um biomarcador e como eles podem ser aliados na prática clínica para o diagnóstico do câncer de mama? 

Ana Cristina Moreira - Biomarcadores são substâncias que se apresentam em níveis alterados no sangue, na urina ou outros fluidos biológicos, e até mesmo em tecidos tumorais, podendo ser hormônios, proteínas, peptídeos, etc., específicos ou não, que podem ser mensuradas e avaliadas como indicadores de processos biológicos normais, processos patológicos ou de respostas farmacológicas a intervenções terapêuticas. Biomarcadores do câncer clinicamente úteis devem proporcionar diagnóstico precoce e mais preciso, facilitando o estadiamento, o entendimento da patogênese do câncer e permitindo tratamentos que sejam iniciados em fases precoces da doença, nas quais a chance de serem mais eficazes aumenta. 

Apesar de vários biomarcadores tumorais terem sido identificados para o câncer de mama, a falta de sensibilidade e especificidade para o diagnóstico precoce é a principal desvantagem. Consequentemente, os marcadores disponíveis não se mostram úteis em qualquer rastreio ou diagnóstico do câncer de mama em estágio inicial. Estes marcadores tumorais se tornam úteis apenas quando somados a resultados de outros testes, tais como biópsia, mamografia, ultrassom e ressonância magnética da mama.

Claramente, novas estratégias devem ser desenvolvidas, tanto para identificar as proteínas individuais envolvidas no início ou progressão do câncer, bem como novas abordagens que não se concentram apenas em proteínas individuais, mas em padrões de co-expressão de proteínas que representem um sistema biológico característico do câncer de mama.  E, para tal, técnicas como a espectrometria de massas e ferramentas de estatística e bioinformática são necessárias para a interpretação de dados e abrem a perspectiva de um novo caminho para a identificação de marcadores tumorais.