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Ter, 16 Agosto 2022 15:49

Entrevista Nota 10: Carlos Lebran e José Almeida Leite exploram os potenciais da arte

Docentes da Especialização em Arteterapia e Arte-Educação, os artistas visuais falam sobre a pluralidade do fazer artístico e compartilham suas experiências na Entrevista Nota 10 desta semana


Lebran, escultor e ceramista, e José Almeida, pintor e aquarelista, são artistas cearenses que passaram pelo, hoje extinto, curso de Belas Arte da Unifor (Fotos: Arquivos pessoais)
Lebran, escultor e ceramista, e José Almeida, pintor e aquarelista, são artistas cearenses que passaram pelo, hoje extinto, curso de Belas Arte da Unifor (Fotos: Arquivos pessoais)

Além de seu aspecto estético, a arte também pode assumir um papel importante tanto no processo de ensino-aprendizagem quanto em procedimentos terapêuticos. O potencial de expressão pessoal no fazer artístico encontra um terreno fértil em ambas áreas de atuação, sendo uma ferramenta essencial para resultados não só eficazes e criativos, como também humanos.

Pensando nisso, a Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, abriu inscrições para a nova Especialização em Arteterapia e Arte-Educação. O curso visa desenvolver competências teórico-práticas nas aplicações tanto em contexto clínico e de saúde mental quanto como recurso nos contextos educacionais.

Voltado para profissionais das áreas de saúde e educação, a pós-graduação também abraça demais interessados no assunto, como artistas plásticos, músicos e atores. Em meio ao conteúdo sobre psicologia, filosofia e abordagens terapêuticas, a arte encontra destaque prático no corpo docente. É o caso do escultor e ceramista Carlos Alberto Leal Neto Brandão, o Lebran, e do pintor e aquarelista José Almeida Leite, que serão professores na Especialização.

Membro fundador da Academia Cearense de Artes Plásticas (ACA), Lebran acumula 20 anos de experiência na área, em especial com a escultura. Teve trabalhos expostos em duas edições da Unifor Plástica e em seis da CasaCor. O ceramista é formado em Belas Artes (Artes Visuais) pela Unifor e possui certificação acadêmica em Escultura pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Já ministrou aulas sobre escultura e cerâmica em um curso de curta duração na Unifor e em comunidades de Fortaleza ao longo dos anos.

Já em seus 40 anos de carreira artística, José Almeida expôs quadros em diversas mostras individuais e coletivas pelo Ceará. Nascido em Aracoiaba, o aquarelista estudou desenho com modelo vivo na Escola de Belas Artes de Paris e é graduado em Belas Artes pela Unifor. José se denomina pintor de retratos em óleo, mas também passeia pelos temas de paisagens, onde retrata a vida praiana cearense e as aquarelas sobre Paris.

A Entrevista Nota 10 desta semana conversou com os dois artistas sobre o potencial transformador da arte. Lebran e José revelam o que esperar do curso de Especialização em Arteterapia e Arte-Educação na Unifor. 

Confira a entrevista completa

Entrevista Nota 10 – Para começar, gostaríamos que contassem brevemente sobre suas carreiras profissionais e experiências no mercado artístico. Podem compartilhar conosco de que modo a arte mudou suas vidas?

Carlos Lebran – Sempre gostei de desenhar e modelar quando criança, mas minha experiência foi pouca na infância. Só em 2003, já adulto e trabalhando em uma expedição de uma grande fábrica, voltei a ter contato com a argila e me encontrei novamente. Coincidentemente a Unifor estava enviando alunos para o exterior a um intercâmbio entre universidades e vi ali uma chance de dar uma guinada em minha vida. Não tinha ainda a pretensão de ganhar a vida com isso, mas sentia necessidade de fazê-lo. E assim fui à Salamanca, na Espanha, cursar Escultura e Desenho. Foi uma experiência riquíssima, mas ao retornar, acabei por não me escutar novamente e voltei a trabalhar, digamos, de uma maneira racional, não era eu. Tive a sorte de ser salvo por uma tia artista que me deu oportunidade em seu ateliê. Voltei a me dedicar à minha formação artística: fiz cursos de Cerâmica e Escultura, bem como ingressei no extinto curso de Belas Artes da Unifor e participei de minhas primeiras exposições nessa época.

José Almeida – Comecei a pintar quando eu era muito jovem, tinha 18 anos. Fui conhecendo as pessoas, fazendo os contatos, e a gente com isso vai aprendendo. Por um período, dei aulas no meu ateliê para pessoas que o procuravam, depois eu dei um tempo. Conheci um empresário que começou a me patrocinar em 2004 e, em 2007, fui para França estudar na escola de artes, um pouco de desenho com modelo vivo. Estava acontecendo o curso de Belas Artes na Unifor, eu consegui ingressar em 2010 e fui para as artes visuais. Atualmente tenho me dedicado aos retratos, também à pintura dos nossos pescadores e jangadeiros e também às aquarelas. Eu tenho inclusive um projeto de exposição só de aquarelas aqui em Fortaleza, em alguns cafés que eu gosto de frequentar.

Entrevista Nota 10 –  Como artista plástico, é possível delimitar uma fronteira clara entre a arte e a sua vida pessoal/profissional ou ambos são campos que se fundem ao longo de sua trajetória?

Carlos Lebran – Acredito que ser artista é uma ocupação “full time” [tempo integral, em tradução livre], não consegue-se dissociar dela e ir pra casa ao fim do dia/jornada.

José Almeida Leite – Não há nenhuma diferença. Eu vivo esse ser artista o tempo todo. Não consigo ser outra coisa. A gente escuta até queixas da família porque a gente está sempre dedicado e, às vezes, negligencia atenção. Mas o artista está sempre muito atento a tudo, como à questão do aspecto filosófico de como é a vida, tentando traduzir isso de forma filosófica e artística. Acaba que o artista vai reproduzindo isso. No meu caso, com o meu desenho e a minha pintura. Mas eu só me desligo desse “ser artista” algumas horas para dormir, essa é a verdade. E isso me faz muito feliz.

Entrevista Nota 10 – A arte é indissociável da vida humana e, por isso, temos contato com ela desde que nascemos até o processo de nossa partida. Geralmente, temos uma relação com a arte e tomamos consciência sobre ela por meio do entretenimento, porém existem muitas possibilidades de uso para este “canal”. Por que utilizá-la como instrumento terapêutico e educacional?

José Almeida Leite – Eu costumo dizer que a arte é como a política. São ferramentas que possibilitam nos colocarmos enquanto seres humanos, colocar o nosso pensamento, colocar o nosso desejo, colocar as nossas respostas. Então, eu costumo sempre dizer que a arte é algo que está o tempo todo. É o nosso fazer. Na realidade, se a gente for para um olhar mais “romântico”, a gente vai ver um “que” de artístico nas realizações humanas.

Entrevista Nota 10 – Nesta nova Especialização em Arteterapia e Arte-Educação da Pós-Unifor, o intuito é desenvolver competências teórico-práticas em diversos tipos de profissionais, não apenas da área de saúde, para a aplicação das técnicas abordadas. Poderia explicar o que os estudantes irão aprender ao longo do curso? O que isso trará de benefícios para o desenvolvimento profissional deles?

Carlos Lebran – Levarei aos alunos interessados algumas técnicas usadas na elaboração de cerâmica e escultura, tendo como principal material a argila. Acredito que estas técnicas, bem como compartilhar minhas experiências, facilitará o caminho de quem se inicia nessa trajetória.

José Almeida Leite – Claro que os profissionais da psicologia como eles precisam, de alguma forma, ter alguma informação nesse sentido. Eu acho super bacana essa preocupação, que pessoa envolvida com a psicologia possa somar na sua vida um pouco de conhecimento e habilidades dentro desse aspecto que é a produção [artística prática]. Aqui no aqui não será só o conceito, a gente vai ter que realizar na prática. Primeiro vamos demonstrar. Vamos ter momentos em que as pessoas vão observar. Vamos praticar e explicar, também acompanhando. Isso é super importante. É uma maneira que a gente tem de despertar [a arte] nas pessoas, porque isso já está em todos nós. Nós temos todas essas habilidades e necessidade de nos expressarmos artisticamente.

Entrevista Nota 10 – A médica psiquiatra Nise da Silveira revolucionou o tratamento terapêutico de pessoas em sofrimento psíquico por meio da arte, que foi utilizada como ferramenta de expressão. Para Nise, os desenhos e esculturas que os pacientes faziam eram uma forma deles organizarem suas mentes. Como você enxerga o potencial transformador da arte para a natureza humana?

Carlos Lebran – Como Nise da Silveira experimentou, o fazer na arte produz uma calma, desenvolve a retidão e a paciência tão necessárias nos dias de hoje. Com dedicação é possível experimentá-las. Não acredito em "dons" ou talentos, mas, sim, em trabalho, entrega, empenho e persistência. Afinal, um artista se faz através de muita experiência, e uma obra de arte se cria através de muitas tentativas e erros, muitos deles.

José Almeida Leite – Humildemente, posso dizer que eu concordo [com Nise]. Acho que a arte, a habilidade de fazer isto, leva muito contentamento para a pessoa e muita sensação de realização. A gente vê muitos artistas que dizem “eu sofro pra conceber o meu trabalho, eu sofro pra produzir”. É verdade, mas, nesse aspecto, eu tento não ser tão romântico. Tento ver como uma atividade que eu estou realizando e assim filtrar da maneira mais fácil e mais simples possível, não complicando muito.