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Seg, 6 Março 2023 15:47

Entrevista Nota 10: Luiz Roberto Liza Curi e os desafios do ensino híbrido na educação superior

Sociólogo e doutor em Economia, o atual presidente do Conselho Nacional de Educação esteve em Fortaleza para participar do Encontro Pedagógico Integrado 2023, realizado pela Universidade de Fortaleza


Luiz Roberto comenta sobre os desafios do ensino superior na implementação do modelo híbrido de ensino (Foto: Divulgação)
Luiz Roberto comenta sobre os desafios do ensino superior na implementação do modelo híbrido de ensino (Foto: Divulgação)

Nos últimos dois anos, impulsionadas principalmente pela pandemia, vieram discussões e ações pensando no ensino híbrido. O modelo é uma das grandes apostas para a década e promete ser parte estratégica no futuro educacional. Embora o conceito já seja bastante difundido, ainda surgem dúvidas relacionadas a sua implementação no dia a dia da sala de aula. E, mais importante, despontam incertezas ligadas a forma com pode ser aplicado. 

Para falar sobre o tema, Luiz Roberto Liza Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), veio à capital cearense para participar do Encontro Pedagógico Integrado 2023, realizado pela Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz.

Sociólogo e doutor em Economia, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Roberto foi presidente da Câmara de Educação Superior por dois mandatos (2016 a 2018) e presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Atualmente, também é membro do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Comissão do Plano Nacional de Pós-Graduação.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ele comenta sobre os desafios do ensino superior, parte da palestra “O Ensino Híbrido na Educação Superior: aproximações e sinergia” apresentada aos professores da Unifor no último sábado.

Confira a entrevista na íntegra a seguir: 

Entrevista Nota 10 — Poderia compartilhar conosco um pouco da sua trajetória? Como decidiu entrar na área da educação? 

Luiz Roberto Liza Curi — Minha carreira inteira foi dedicada a áreas muito próximas à educação. Desde muito cedo ingressei no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) como pesquisador e analista, chegando a me aposentar no CNPq dois anos atrás. Portanto, meu trabalho com pesquisa, ciência e tecnologia sempre foi muito próximo à educação. Minha área de formação também ajudou: sou sociólogo e tenho doutoramento em Economia pela Unicamp, com temas relativos à avaliação da educação. Por isso, acabei sendo convidado a compor a equipe do MEC, em 1997, com o ministro Paulo Renato Souza.

Comecei atuando como Secretário de Políticas de Educação Superior, de 1997 a 2002, quando ocupei um cargo no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, também vinculando a relação entre educação, ciência e tecnologia, trabalhando com áreas estratégicas e prioritárias para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. Em 2012, entrei no Conselho Nacional de Educação. Fui presidente do Inep, em 2015, e voltei ao CNE, onde estou até hoje. Meu mandato como presidente vai até 2024.

Entrevista Nota 10 — Uma das grandes apostas para os próximos anos, que promete ser parte estratégica no futuro educacional, é o ensino e aprendizagem híbridos. Como você vê esse processo de educação antes e depois da pandemia? 

Luiz Roberto Liza Curi —  Antes da pandemia, o ordenamento, os currículos, as transformações necessárias na educação superior, claramente não foram realizadas de maneira adequada. As escolas, portanto, foram surpreendidas pela covid-19, ainda num gesto educativo muito conservador presencialmente e à distância, o que trouxe problemas, mas, ao mesmo tempo, um conjunto de soluções. A educação híbrida surge, portanto, dessas resoluções da onda de pandemia nas instituições de educação superior.

Essa onda fez com que o presencial fosse desativado e reunido à educação a distância. E também fez com que a educação a distância fosse reordenada para que não gerasse na educação presencial um abalo grande em relação à saída dos estudantes da escola, porque são duas formas de ordenamento educacional com peculiaridades. Nessas circunstâncias, o ensino remoto visou ampliar o esforço do EAD a fim de que acolhesse os estudantes presenciais, bem como para que os estudantes presenciais mantivessem a matrícula e o aprendizado por meio da educação remota. Não daria para realizar isso de maneira diferente. Então, foram reordenadas as estratégias de aprendizagem, o que batizamos como educação remota durante praticamente os dois anos de pandemia. 

No final de 2021, com a volta à normalidade, esses mundos começaram a se separar, o que gerou questões para ambos os grupos. O EAD já não queria ser o velho EAD, e os estudantes presenciais não gostariam de voltar ao presencial e manter a velha formação conservadora que tinham. Nessa circunstância geral, propusemos, desde o início de 2022, a educação híbrida para que tanto o EAD quanto o presencial incrementassem suas metodologias e tornassem um pouco mais complexo o seu ordenamento curricular. E essa complexidade, no caso do presencial, chega por intermédio da introdução de tecnologias de informação e comunicação que deverão mediar novas pedagogias, que devem flexibilizar ainda mais o aprendizado diante das práticas mais amplas. E até aperfeiçoando ao acrescentar uma agenda de aprendizagem mais ampla por meio de práticas remotas, com interações entre grupos de estudantes e grupos de professores, mas presencialmente.

A ideia que temos de educação híbrida não é manter uma parte dos alunos na escola e outra fora da escola. A educação híbrida que propomos é para os cursos que são presenciais, que deverão organizar uma série de tecnologias de informação e comunicação, no sentido de flexibilizar não a saída deles da escola, mas a amplitude do aprendizado fora da sala de aula, porém dentro da instituição. E, no caso da EAD, reforçar os princípios básicos de autoaprendizado e de ordenamento de práticas pedagógicas a fim de fortalecer o aprendizado por competências, seja na educação à distância, seja na educação presencial. 

Entrevista Nota 10 — Ainda nesse mesmo mote, como você enxerga os processos híbridos de ensino no contexto do ensino superior nos próximos anos?

Luiz Roberto Liza Curi —  A educação híbrida que estamos propondo não é bem híbrida. Na verdade, ela fortalece o presencial, sem necessariamente retirar os estudantes da instituição. É híbrida por acrescentar pedagogias de aprendizado, com sistemas de comunicação e informação que transportem os alunos, mas sem retirá-los da escola, além de oferecer ambientes de estudo prático, ambientes de debates e interações por via remota e síncrona. Acredito que esse caminho é importante para o futuro porque o que está em jogo sempre é o aprendizado. Sem qualificá-lo, não adianta nada a diplomação.

Entrevista Nota 10 — O conceito híbrido de ensino já é bastante difundido. No entanto, ainda surgem dúvidas relacionadas à eficiência na implementação do modelo no dia a dia da sala de aula. E, mais importante ainda, incertezas ligadas à forma com pode ser aplicado. Para explicar esse tipo de abordagem, alguns pesquisadores baseiam-se no modelo do quadrante híbrido, que irão diferenciar as atividades didático-pedagógicas. Qual a leitura que o senhor faz desse modelo? 

Luiz Roberto Liza Curi — A nossa proposta enquanto Conselho Nacional de Educação é um pouco diferente. Nós não estamos trabalhando com domiciliaridade e presencialidade, nós estamos trabalhando com a realidade presencial e inserindo tecnologias de informação e comunicação como forma de mediação de novas pedagogias para que haja a superação plena da sala de aula como único e exclusivo espaço de aprendizado. Na verdade, a sala de aula hoje é espaço exclusivo de ensino que nem sempre alcança seu objetivo de aprendizado. Então a nossa ideia de educação híbrida é gerar instrumentos tecnológicos de diversidade do aprendizado.

Portanto, nossa proposta difere um pouco do quadrante híbrido, que incorpora possibilidades de coexistência entre educação a distância e presencial. Quando falamos de educação híbrida, não estamos falando de coexistência presencial e à distância. Estamos falando de mediação tecnológica para alcance de novos modelos de aprendizado e sua diversidade para poderem levar o estudante, a partir da sua presencialidade, a práticas remotas, a conferências internacionais, a prática de outros países e a visitas de campus remotamente. [Tudo isso] visando ordenar uma agenda de aprendizagem não exclusiva à sala de aula.
 
Entrevista Nota 10 — Agora, falando mais especificamente aos professores. O que muda nesse contexto dos processos híbridos de ensino e aprendizagem no cotidiano da profissão? 

Luiz Roberto Liza Curi — Esses processos, aos quais me referi, vão qualificar a agenda do professor. O docente será o catalisador desse processo e o grande responsável pelo aprendizado dos estudantes. Sem o professor, esse procedimento de mediação e ampliação da sala de aula com padrão mais diverso não funcionará. O professor é que sairá da sala com os estudantes, não os estudantes que irão sair e deixarão o professor lá. O professor sai junto com o aluno e vai ordenar novas agendas de aprendizado a partir de novas experiências de ensino não exclusivas à sala de aula, que continuarão utilizadas para palestras e debates. Além de servir para o docente mediar a transição de um tema para outro, como forma também de avaliação e ordenamento de exercícios e procedimentos que determinem a aprendizagem dos estudantes. A sala e as aulas irão continuar existindo, porém não na medida que ocorre hoje. Mas planejadamente a partir desse conjunto de atividades que se prevê pela mediação de sistemas de informação e comunicação.