null Entrevista Nota 10: Pedro Fernandez e os reflexos do uso das tecnologias na saúde

Qua, 20 Janeiro 2021 15:28

Entrevista Nota 10: Pedro Fernandez e os reflexos do uso das tecnologias na saúde

Mestre em Saúde Coletiva, o médico desenvolveu pesquisa que aborda os impactos do uso do smartphone na vida dos professores universitários


Dr. Pedro Fernandez de Oliveira é Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Foto: Arquivo pessoal)
Dr. Pedro Fernandez de Oliveira é Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Foto: Arquivo pessoal)

Especialista em Medicina de Família e Comunidade e em Medicina do Trabalho, o médico Pedro Fernandez de Oliveira, viu no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza, a oportunidade para retomar o antigo sonho de seguir a área da pesquisa científica. 

Orientado pela professora, pesquisadora e fonoaudióloga Christina Cesar Praça Brasil, ele desenvolveu seu trabalho de dissertação voltado para o uso dos smartphones na vida dos professores universitários. A pesquisa constatou os impactos dessa tecnologia na saúde, como suas consequências no sono e em transtornos de ansiedade e depressão.  

Médico do trabalho da Fundação Edson Queiroz há nove anos, Pedro Fernandez fala com exclusividade ao Entrevista Nota 10 sobre os resultados e novos caminhos de seu estudo. Confira na íntegra:  

Entrevista Nota 10 - Sobre o tema do seu trabalho, quais são essas repercussões do uso do smartphone na saúde de professores universitários, Dr. Pedro? 

Dr. Pedro Fernandez - O uso de smartphones é cada vez mais frequente e mais abrangente em nossa sociedade. No Brasil, por exemplo, temos mais linhas de telefonia móvel do que habitantes. São ferramentas extremamente úteis, cada vez mais presentes em nossas atividades mais prosaicas, como pedir uma pizza, ver as horas, ouvir uma música.

Não temos dúvida de que facilitam a comunicação, o acesso às pessoas distantes (encurtando o isolamento, especialmente nesses momentos difíceis propiciados pela pandemia de COVID-19), colaboram com o aprendizado, apoiam nossa saúde, são instrumento de lazer (tornando rápido o acesso à informação, infinitos livros, filmes, series, musicas, jogos). Mas, como tudo em nossa vida, o uso excessivo pode ser prejudicial. Já existem estudos na literatura avaliando o uso intenso ou abusivo dos smartphones e seus impactos negativos no sono, humor, ansiedade, auto-estima, desempenho acadêmico, e vários outros fatores, em crianças e adolescentes. Nesse público, o uso está eminentemente associado ao lazer (como jogos ou redes sociais).

Da mesma forma, existem estudos mostrando impactos negativos em adultos, sem a definição exata da finalidade do uso (pessoal/lazer ou profissional?), com quase todos os mesmos impactos negativos vistos nas crianças. Muitos trabalhos em adultos consideraram somente o uso profissional dos dispositivos. Diferente dos computadores, que normalmente desligamos e deixamos de lado, os smartphones ficam geralmente ficam ligados e nos notificando (piscando, vibrando, acendendo, tocando...) o tempo todo. Então, ao mesmo tempo que facilitam o trabalho, porque facilitam o acesso e comunicação, também dificultam o distanciamento do trabalho. Esse distanciamento é fundamental para a recuperação do desgaste que acontece ao longo do dia. Sob essa ótica, os smartphones acabam virando, como alguns autores chamam, “coleiras eletrônicas”.

O trabalho com o uso de smartphones pode ser, dessa forma, ainda mais intenso, mais frequente, e, principalmente, mais imbricado na vida pessoal, gerando conflitos. Nessa perspectiva, nosso trabalho avaliou as relações entre o uso dos smartphones, o sono (no caso, na sonolência excessiva diurna) e na presença de transtornos mentais comuns (como ansiedade e depressão), mas, diferente de estudos anteriores, tentando diferenciar a relação com a finalidade do uso (se pessoal ou profissional) nesses desfechos.

Tivemos achados compatíveis com a literatura, de que o uso do telefone na última meia hora antes de dormir, independente da finalidade de uso, está associado a um risco maior de apresentar transtornos mentais comuns (como ansiedade e depressão). Ou seja, na nossa população, “ir para a cama” com o smartphone está associado a um risco maior de sofrimento mental.

O que trouxemos de inédito nesse estudo é que quem usa o smartphone na primeira meia hora do dia ou ao longo de todo dia, com finalidade prioritária de trabalho, tem com mais frequência sonolência excessiva diurna.

Por se tratar de um estudo transversal, não podemos estabelecer relações de causa e efeito, mas os nossos achados certamente apontam para a importância de avaliar essas informações com mais cuidado.

Entrevista Nota 10 - Além do que já foi apontado acima, que outros resultados foram obtidos na pesquisa?

Dr. Pedro Fernandez - Nós também levantamos a prevalência do uso abusivo (sugestivo de dependência) de smartphones na nossa população de professores da Universidade de Fortaleza, que foi em torno de 40%. Isso é muito importante, porque existem ainda poucos estudos sobre esse assunto, e nenhum nessa categoria profissional. Esse uso abusivo também tinha associação com os desfechos de sonolência e transtornos mentais comuns. Tudo isso traz uma reflexão importante que precisamos ter sobre como se dá a nossa relação com os smartphones, como eles têm influenciado nossa vida profissional e pessoal.

Para cerca de um terço dos pesquisados, o uso do smartphone é a primeira coisa que se faz ao acordar e a última coisa que se faz antes de dormir! É interessante porque esses dispositivos entraram em nossas vidas de uma maneira muito rápida, e poucas pessoas refletiram sobre as possíveis consequências de ter “os olhos grudados nas telas” de maneira constante.

A pandemia de COVID-19 e o isolamento social decorrente dela, os momentos de lockdown, tudo isso fez com que a nossa relação com esses meios eletrônicos se intensificasse (também foi um achado de nosso estudo). Entretanto, muitas dessas mudanças vão persistir, mesmo que voltemos à “normalidade” anterior, porque trouxeram ganhos.

Independente da finalidade do uso, se para o lazer ou para o trabalho, precisamos refletir sobre a melhor maneira de utilização dos smartphones, obtendo seus benefícios, sem permitir que aconteça uso abusivo e danos à nossa saúde.

Entrevista Nota 10 - Qual foi a amostra da sua pesquisa? 

Dr. Pedro Fernandez - Tivemos uma amostra de 146 professores que foram escolhidos aleatoriamente por sorteio entre os professores da Universidade e aceitaram participar e colaborar com o desenvolvimento de nossa pesquisa. Trata-se de uma quantidade considerável e permite, com relativa segurança, extrapolar esses dados para todo conjunto de professores da Unifor.

Entrevista Nota 10 - Como coletou os dados?

Dr. Pedro Fernandez - Os professores foram convidados a participar por e-mail e Whatsapp, e, junto ao convite, era enviado um endereço eletrônico para um formulário on-line. Toda coleta respeitou o momento que estamos vivendo de distanciamento social, e foi feita de maneira completamente remota.

Entrevista Nota 10  - Pretende utilizar esses resultados em alguma atividade prática aqui na Universidade, já que o senhor é o médico do trabalho?

Dr. Pedro Fernandez - Com certeza. Primeiro, precisamos estimular, enquanto profissionais de saúde, essa discussão sobre a nossa relação com os dispositivos eletrônicos, independente da finalidade do uso. Isso claramente impacta na saúde e qualidade de vida de todos nós.

Depois, enquanto médico do trabalho, precisamos colaborar com a construção de parâmetros saudáveis para a utilização dos smartphones. Esse uso saudável precisa envolver toda comunidade acadêmica. Enquanto colegas, enquanto subordinados, enquanto gestores, enquanto professores, enquanto alunos, sempre antes de enviar alguma mensagem, por exemplo, precisamos refletir sobre se há pactuação sobre os contatos dessa forma e nesses momentos, e, principalmente, a depender do dia ou da hora, se há realmente a necessidade de que aquela comunicação aconteça naquele momento. Muitos estudos mostram que ter “regras de contato” fora do expediente habitual bem claras resultam em impactos menores, ou até inexistentes ao bem-estar. Como diz o ditado popular, “o que é combinado, não sai caro”.

Quando falamos da necessidade desse distanciamento psicológico do trabalho, ou do direito à desconexão (cada área do conhecimento trata o tema com uma nomenclatura diferente, mas falando essencialmente do mesmo assunto), dando outro exemplo, não é necessário, obrigatoriamente, que o professor precise responder ao aluno naquele momento, mas o fato de tomar conhecimento de uma demanda do aluno, torna o professor conectado ao trabalho no seu tempo de repouso.

Entrevista Nota 10  - Como o senhor dimensiona os impactos que seu estudo tem para a sociedade?

Dr. Pedro Fernandez - Espero que seja mais uma contribuição na reflexão sobre as nossas práticas cotidianas. No contexto da Saúde do Trabalhador, trata-se de um estudo inovador, por ser o primeiro a avaliar de maneira individualizada o uso pessoal (ou recreativo) e o uso profissional dos smartphones. Como ainda há muito poucos estudos na área, abre-se a possibilidade para aprimorar as ferramentas que nós utilizamos, avaliar a mesma questão de outras formas e sob outros olhares. Vamos seguir com o mesmo tema investigando outras áreas de atuação profissional e outros ramos de atividade econômica. 

Entrevista Nota 10 - Qual foi o principal aprendizado ao longo da rotina de mestrando? Como é ser um pesquisador?

Dr. Pedro Fernandez - Foi muito bom retomar a rotina de aluno, depois de quase 10 anos afastado, e depois de um bom tempo no papel de professor. Foi uma oportunidade ímpar de retomar alguns assuntos que não estudava a muito tempo e de ter contato com outros temas e olhares que até então não tinha tido oportunidade. É interessante, porque eu não havia perdido a curiosidade sobre ter perguntas e tentar respondê-las, havia participado, enquanto aluno de graduação de várias pesquisas, mas o Mestrado me propiciou um olhar bem mais amplo sobre o método de investigar, interpretar os achados, escrever sobre eles. De maneira bem sintética, o aprendizado é um processo constante, e ser pesquisador é estar eternamente aprendendo, a cada descoberta. Cada resposta puxa várias novas perguntas, o ciclo nunca se fecha.

Entrevista Nota 10 - Que mensagem de incentivo deixa para os colegas que estão nessa jornada ou para as pessoas que desejam iniciar uma pós stricto sensu?

Dr. Pedro Fernandez - Eu me arrependo muito de ter adiado tanto a entrada no Mestrado. O que eu posso dizer, para quem está pensando nessa trajetória, é que faça! Não deixe para depois! Eu, em particular, posso dizer que fico só com boas lembranças desses momentos, e extremamente feliz pelos frutos dessa jornada.