null Entrevista Nota 10: Suellen Galvão, especialista em Gestão Ambiental, fala sobre manchas de óleo no NE

Ter, 3 Dezembro 2019 10:03

Entrevista Nota 10: Suellen Galvão, especialista em Gestão Ambiental, fala sobre manchas de óleo no NE

Suellen Galvão, especialista em Gestão Ambiental. Foto: Naara Vale.
Suellen Galvão, especialista em Gestão Ambiental. Foto: Naara Vale.

Pescadores, banhistas, turistas, empresários e governantes foram surpreendidos pelas manchas de óleo que se alastraram no litoral brasileiro. Causando impactos ambientais, turísticos e econômicos, o desastre - ainda sem proporções medidas - ligou um alerta sobre o modo como nos relacionamos com o meio ambiente.

Suellen Galvão, especialista em Gestão Ambiental, alerta para a necessidade de se olhar para a zona costeira como um organismo vivo, dinâmico, cheio de potencialidades - mas que também carece de carinho e de cuidado. Coordenadora do MBA em Planejamento e Sustentabilidade Industrial na Universidade de Fortaleza, ela acredita que o ecossistema tem uma enorme capacidade de se refazer, de se reinventar e de se regenerar diante das agressões. “Mas nós precisamos colaborar”, afirma a docente.

A mancha de petróleo cru causou comoção entre muitas entidades - que não mediram esforços na tentativa de limpar as faixas de praia. Foram muitos voluntários limpando pedaços e mais pedaços dos resíduos tóxicos. Suellen lembra que a universidade é uma zona de respostas, que podem ser mais acessadas pelo poder público e pela iniciativa privada. “Então, está todo mundo no mesmo barco. Temos que remar juntos para solucionar os problemas”, explica a especialista em Gestão Ambiental.

Desde agosto último, manchas de óleo atingiram mais de 500 locais no litoral brasileiro. A estimativa mais recente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aponta que 111 municípios já foram afetados – nos estados nordestinos, também no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Já é possível medir os impactos desse desastre ambiental?

Suellen Galvão - É um episódio relativamente inédito no Brasil, é uma tragédia de grandes proporções no sentido de área, principalmente. Mas o que recebemos na costa não é a mesma coisa do que já foi precipitado no fundo oceânico. Ainda nem se sabe o quanto foi realmente derramado e precipitado. A dificuldade que se sabe é que afetando, principalmente, os recifes de corais, se tem um impacto severo com relação à alimentação das tartarugas e à alimentação de outros animais marinhos - que sobrevivem e que se alimentam das algas que crescem nesses recifes de corais. É muito importante que a gente consiga, primeiramente, identificar onde é que está essa precipitação, a extensão dela e o que pode ser feito posteriormente para ser remediado, para retirar esse material de forma que não prejudique ainda mais aquele ambiente, dependendo da forma como pode ser manejado. O próprio ambiente tem uma resiliência muito grande, o ecossistema costeiro tem uma dinamicidade própria e tem capacidade de se transformar, de se regenerar. Mas nós precisamos colaborar.

Logo que as manchas de óleo começaram a ser detectadas, integrantes de organizações não governamentais e moradores das comunidades praianas começaram uma grande mobilização para limpar as praias. Um processo, inclusive, muito comovente. Mas quais são os riscos ao manipular esses materiais tóxicos sem o suporte e a proteção adequadas?

Suellen Galvão - Como temos visto nas mídias e de diversas formas, especialistas na área de saúde têm orientado que o ideal é manipular com luvas de borracha. Uma luva de proteção mais impermeável. Importantíssimo que se utilize máscara, porque esse material tem volatilidade. Ele dispersa no ar e na atmosfera. E você pode inalar aquilo ali, o próprio contato com a pele pode provocar algumas dermatites e alergias de contato. O tempo de contato também é muito importante para que tenha uma reação no organismo humano. A atenção maior está para quando se tem uma recorrência diária de contato com esse material, sem estar utilizando equipamentos apropriados.

Como banhistas, turistas e moradores das faixas de praia devem se comportar ao encontrar uma mancha de óleo?

Suellen Galvão - O banhista comum, que queira ajudar, tem que primeiramente se proteger. Um exemplo muito clássico é quando você está no avião e ele despressuriza. Você tem que se ajudar primeiro para depois conseguir ajudar outras pessoas. Então, é se precaver, pegar o material que tiver à disposição de luvas ou tomar o cuidado necessário. Mesmo que você não esteja utilizando luvas e outros equipamentos, mas tomar o cuidado de não ter o contato na pele e, principalmente, o contato da inalação. E pode acionar os órgãos da Marinha e do Ibama. São muitos, estão à frente dessas limpezas e fazendo o mapeamento das praias - ajudando nessa limpeza e registrando o que está acontecendo para tomar as devidas providências.

Os dados mais recentes do Ibama também apontam que mais de 90 animais já morreram por conta da contaminação e pelo menos 134 foram encontrados com manchas de óleo. Como a agressão aos animais marinhos impacta na globalidade dos ecossistemas?

Suellen Galvão - Nós fazemos parte de uma cadeia alimentar e os animais também. Então, todo ser vivo, que está no ambiente costeiro ou não, é interdependente. Quando você tem o impacto, por exemplo, da chegada de mancha na área de desova de tartarugas ou na área de nidificação dessas tartarugas - que é onde estão os ovos postos e próximos a eclodir - se você tem uma chegada de mancha de óleo em um lugar como esse, por exemplo, e não for identificado e tratado a tempo, recuperado os ovos, enfim, você tem uma impossibilidade de que essas tantas tartaruguinhas que estão lá para nascer cheguem à praia. Já começa daí! A tartaruga é um animal marinho muito apreciado, popularmente falando. Ela tem aquele apelo afetivo, as pessoas gostam da tartaruga, querem ver, querem proteger -  porque ela tem aquela docilidade. Ela já é um animal com riscos de extinção. Algumas espécies são seriamente impactadas, justamente por essa dificuldade de acessar (a praia) depois que nascem. Enfim, tem muitos predadores. Você tem o leão marinho, por exemplo, que é afetado e já é um animal que está em risco de extinção. Se você ainda tem mais um impacto, como esse do óleo, você tem uma interferência a mais na cadeia alimentar, no equilíbrio desse ecossistema, na fauna e na flora que estão aqui por alguma razão. É necessário que os animais permaneçam no ambiente equilibrado. Todo mundo é importante. E nós, seres humanos, só estamos aqui graças a toda essa fauna, a todo esse ecossistema e a toda a flora que existe. Porque somos dependentes diretos.

Quais os impactos mais visíveis para o comércio e para o turismo do litoral nordestino?

Suellen Galvão -  Aqui no Ceará, em Fortaleza especificamente, nós temos um turismo que é predominantemente de sol e de praia. No Ceará, tivemos poucas áreas afetadas, mas ainda assim há um peso com relação à frequência de banhistas, a vinda de turistas. Há pessoas que cancelaram pacotes turísticos para o Nordeste - não necessariamente o Ceará, mas para ir para praias do Nordeste como um todo. Você gera um impacto econômico a partir disso. Tem uma rede hoteleira e de restaurantes esperando que você venha com a sua família, agência de viagem, bugueiros e vendedores ambulantes.

E qual o baque econômico para as comunidades que sobrevivem do mar?

Suellen Galvão - O pescador está esperando que exista uma frequência de banhistas nas barracas de praia para que ele possa comercializar tranquilamente. Ao passo que eles também ficam preocupados de não conseguir sequer pescar. Já existe o seguro-defeso - que acontece quando determinados animais marinhos estão em fase de reprodução e o pescador não consegue pescar. O governo já vai liberar. Já tem essa liberação, porque não é bom que se pesque agora. Nós não sabemos exatamente o que está acontecendo. Muito embora os pescadores - que são pessoas que cresceram com esse tipo de atividade - não sabem, muitas vezes, fazer outra coisa, e não vão arriscar ficar sem pescar. Até porque é sua dieta alimentar.

Muitas teorias já foram criadas sobre os responsáveis pelo vazamento do petróleo cru que atinge o litoral nordestino e as praias do Espírito Santo. Até agora, há investigações sobre a origem do material tóxico ser da Venezuela e que um navio grego teria vazado o material. Quais sanções devem ser empregadas quando os responsáveis forem detectados?

Suellen Galvão - O material que está sendo encontrado é realmente de origem venezuelana. Não significa que foi a Venezuela que trouxe. Enfim, foi extraído lá e transportado. A Polícia Federal, até onde eu sei, tem um direcionamento para um navio grego. A Polícia Federal está nessa investigação e, ao identificar, os responsáveis vão ser apurados. Uma empresa que esteja à frente dessa situação vai responder por crime ambiental e as pessoas físicas que são responsáveis da empresa também vão responder por isso civilmente. Mas, apenas com as apurações da investigação da Polícia Federal para poder identificar quem são as pessoas por trás disso, se foi falha técnica, se foi falha humana ou se foi negligência. E qual o tipo de situação realmente levou a isso para poder então definir que tipo de penalidades serão aplicadas no futuro.

Como o conhecimento desenvolvido dentro das universidades pode ser o útil em momentos de crises e desastres ambientais como esse? No Brasil, nós também vivemos, por exemplo, os desastres de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais.

Suellen Galvão - Falando sobre os acidentes de Brumadinho e de Mariana. Esse episódio que está acontecendo aqui conosco ainda não gerou nenhuma morte. O bem maior é a vida humana. E, nesse sentido, esses continuam sendo os maiores desastres ambientais, porque tiveram perdas de vidas humanas. Mas é bom que a universidade, o poder público e a iniciativa privada se juntem e se apoiem no sentido de pensar que nós estamos sujeitos diariamente a diversas intempéries, a diversas variáveis que podem ser controladas ou não. Então, esse acidente joga uma luz. Nós precisamos nos preparar ainda mais enquanto universidade e o poder público - incentivando o poder privado também. Incentivando as pesquisas sobre como a gente pode nos resguardar de acidentes futuros, como a gente pode se sair e como mitigar esses acidentes. Os acidentes que estão acontecendo aqui nunca vão deixar de acontecer, infelizmente. Então, a gente tem que ter em mente isso: o acidente vai existir pela falha humana, pela falha do processo, pela falha técnica. Mas ele vai acontecer, seja negligência ou não. Então a gente precisa se resguardar nesse sentido, lançar a luz e investir em pesquisa aplicada. Para que traga uma resposta à sociedade. Não podemos ficar a mercê da resiliência do meio ambiente. O que temos acompanhado pela imprensa sobre esse assunto é que muito do que sabemos é porque os pesquisadores das universidades estão procurando, estão buscando, estão monitorando. A impressão que temos, pelo menos, é que as investigações estão se apoiando na  pesquisas dos docentes e das universidades. Quem já pesquisava nessa área já tem até o material para isso. Mas talvez não imaginasse que um dia fosse precisar em uma coisa tão, tão, tão grande. As hipóteses estão sendo elaborados em cima do que os pesquisadores estão dizendo. Não sei se porque o governo está meio que se resguardando das informações de como estão as investigações ou se porque realmente a polícia está contando muito com a colaboração do conhecimento. Na verdade, a universidade é muito importante. É de onde saem a maioria das respostas para a sociedade. De soluções de saúde, de tecnologia. Não é do poder privado ou da iniciativa pública puramente. A universidade tem expertise em pesquisa, tem expertise em seus pesquisadores que são excelentes. A sua profissão é pesquisar. Ele se debruça horas do seu dia para identificar uma solução melhor para determinada situação, para determinado contexto - seja ele tecnológico, de saúde, de meio ambiente. Enfim, dentro de cada esfera, a sua expertise deve ser aproveitada pelo poder público. E o poder privado investindo financeiramente. E apoiando com ferramentas tecnológicas e incentivos de diversas formas. Às vezes, a universidade tem a solução. Mas não sabe que determinada empresa precisa ou que o poder público está precisando daquela ferramenta. É muito importante que realmente se valorize a universidade e se valorize o pesquisador independente de bandeiras políticas.

E para os jovens estudantes de ensino médio e até mesmo universitários, que acompanharam o desastre ambiental das praias através da televisão e das mídias, e despertaram para a importância desse tema, quais cursos e formações a senhora indicaria para quem quer trabalhar na área ou apenas quer conhecer mais sobre esses assuntos?

Suellen Galvão - De pronto, eu já indicaria a engenharia ambiental. É um curso completo. É um curso que trabalha. É um curso que faz com que você tenha uma visão holística do que é o meio ambiente. A engenharia ambiental é um curso completo. Mas, para aquelas pessoas que têm medo da engenharia, porque não gostam de cálculo, tem a parte da biologia marinha e da oceanografia. Independente de que curso você irá atuar - seja na área de engenharia ambiental, seja na biologia biologia marinha - a zona costeira é um ambiente dinâmico de interface marinha, terrestre e aérea, que lhe ensina muito. Aprendemos muito estudando a zona costeira.

O petróleo coletado nas praias nordestinas foi levado para empresas privadas – que se dispuseram a fazer a destinação correta do resíduo tóxico usando os fornos de indústrias sediadas na região nordestina. As toneladas de manchas de óleo, depois de receberem tratamento adequado, se transformaram em combustíveis ou matéria-prima alternativa nos fornos. Como a iniciativa privada pode se fazer presente em desastres ambientais?

Suellen Galvão - A iniciativa privada - sobretudo as indústrias que têm um processo produtivo intenso e que muitas vezes se utilizam de caldeiras - pode chegar junto da sociedade e da própria academia pedindo ou aportando a necessidade de abrir as portas. Então, as indústrias de cimento também são muito procuradas nesse sentido, porque, para alimentar os fornos de cimento, esse material tem sido muito utilizado. Para queimar e virar combustível para esses fornos. A pesquisa está aí para ser utilizada. Então, ele pode pode ter uma vasta gama de aplicações. É importante que a iniciativa privada, principalmente a indústria, abra os olhos para isso, converse com a universidade se possível e aporte com bolsas de estudo para os pesquisadores, os alunos, os acadêmicos. Para que possam investir seu tempo e sua energia na solução conjunta desses problemas. Eu repito: infelizmente, a gente não está livre disso acontecer novamente ou de outros desastres de outra ordem. É importante que a gente saiba disso. A qualquer momento pode acontecer novamente. No ano passado, tivemos esse desastre de Brumadinho. Nos anos anterior, tivemos o desastre de Mariana. Os dois relacionados ao mesmo processo produtivo. Mas isso pode acontecer e acontece, na verdade, em pequenas escalas quando empresas que não têm a responsabilidade com o seu processo produtivo e descartam rejeitos de maneira inadequada. Em alguns casos, acabam sendo em escalas muito menores e que não viram notícia. Inclusive, grandes empresas já lançaram editais com incentivo financeiro para pequenos projetos que possam resolver esses problemas ou minimizar o problema naquela localidade. Então, às vezes, não precisa ser uma indústria ou necessariamente relacionada à área do petróleo. Basta ter uma visão de qual a responsabilidade, de que aquilo também pode lhe afetar enquanto empresa, de que você enquanto empresário tem uma colaboração na sociedade. Então, está todo mundo no mesmo barco. Temos que remar juntos para solucionar os problemas.