seg, 13 maio 2024 18:00
Entrevista Nota 10: Sydney Ipiranga e o atual panorama do mercado de carros elétricos
Diretor técnico da Associação Brasileira de Geração Distribuída fala sobre o cenário para carros elétricos no Brasil e no mundo, além de apontar o desenvolvimento da mobilidade e do armazenamento de energia elétrica para a sustentabilidade
Nos dias 22 e 23 de maio, o curso de Energias Renováveis da Universidade de Fortaleza realiza o Ciclo de Palestras em Energias Renováveis 2024.1. No Auditório A4, das 19h às 21h, o evento irá discutir o tema “Mobilidade elétrica e armazenamento de energia elétrica: como a nova geração de baterias deverá revolucionar as energias renováveis”. A participação é gratuita e aberta tanto para alunos e egressos quanto para demais interessados no assunto.
Diversas personalidades de destaque na área vão abordar tópicos atuais e relevantes para a formação acadêmica e o futuro profissional dos estudantes. Entre os temas abordados estão o caso de veículos elétricos movidos a hidrogênio e das tecnologias de armazenamento de energia e soluções para a transição energética.
Em vista da importância dessa área de estudo e aplicação técnica, convidamos o engenheiro eletricista Sydney Ipiranga, diretor técnico da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e CEO da Solar Plus Brasil, para falar sobre o assunto. Docente de Pós-Graduação na Universidade de Fortaleza, ele é especialista em energias renováveis, eficiência energética, armazenamento de energia, hidrogênio verde, gestão de energia e mobilidade elétrica.
Egresso do curso de Engenharia Elétrica da Unifor, Sydney é pós-graduado em Gestão de Energia pelo Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (ISITEC/AHK) e mestre em Energias Renováveis pelo Instituto Madrileño de Formación (IMF). Possui mais de 40 anos de experiência no setor elétrico, tanto como consultor quanto como professor universitário.
O engenheiro eletricista já foi conselheiro da Câmara de Engenharia Elétrica do Ceará (CREA/CE) e da Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO). Também foi membro do Green Building Council (GBC) e da The American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE).
Na Entrevista Nota 10 desta semana, Sydney fala sobre o cenário do mercado de carros elétricos no Brasil e no mundo, além de comentar o desenvolvimento da mobilidade e do armazenamento de energia elétrica para a sustentabilidade.
Confira na íntegra a seguir.
Entrevista Nota 10 — Qual o status atual do Brasil e do mundo em relação ao ramo de carros elétricos? A produção e o consumo vêm aumentando?
Sydney Ipiranga — Para se ter uma ideia, tínhamos uma predominância dos carros híbridos não Plug-ins. Quem iniciou isso foram os carros Toyota Cross, que vinham com motor elétrico e motor a combustão, mas um motor elétrico de pequena potência e baixa autonomia (70 km). Eles dominaram o mercado até o ano passado. Esse ano, os veículos elétricos Plug-ins já atingiram 70% do total dos veículos elétricos em abril.
Só em abril, o mercado brasileiro vendeu 15.206 unidades, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVL), e teve crescimento de 12% em relação a março deste ano. Só que em relação a abril de 2023, o crescimento foi de 267%, quando o Brasil vendeu 4.793 carros. Então, o destaque foi para os veículos Plug-ins, sejam eles de bateria pura sem motor a combustão, sejam eles híbridos com motor a combustão. O acumulado dos quatro primeiros meses de 2024 já somam 51.276 veículos elétricos emplacados, com aumento de 162% sobre o mesmo período de 2023.
Em termos de participação dos fabricantes, temos a BYD, que está como líder do mercado com quase 50% de participação. Ela vendeu 7.045 desses 15 mil carros elétricos no país, chegando a 46,3%. Depois vem a GWM, outra empresa chinesa também, com 15% de participação. E a Toyota vem em terceiro lugar, com 12,5%, do mercado.
Os modelos mais emplacados, acumulados de janeiro a abril de 2024, foram o BYD Song Plus — um veículo híbrido que tem um motor a combustão e um motor elétrico Plug-in —, o BYD Dolphin Mini — um veículo 100% elétrico —, o BYD Dolphin normal, o GWM Raval e o BYD Seal. Em termos de participação por estado, São Paulo foi o que mais emplacou carros em abril, depois tivemos Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Esse é o panorama do mercado nacional.
No mercado internacional, a previsão de vendas de veículos elétricos para 2024 deve ultrapassar 17 milhões de veículos. Isso representa um aumento de 20% em relação a 2023. A China deve liderar esse crescimento, podendo chegar a dez milhões de carros elétricos vendidos só em 2024. Isso representa quase metade de todas as vendas de carro do Brasil, quer dizer, ainda vai chegar a 50% de todos os carros elétricos vendidos no país.
Os Estados Unidos devem também aumentar cerca de 20% das vendas de veículos elétricos, atingindo 1,5 milhão de unidades. A Europa deve ter um crescimento mais modesto, com uma venda estimada em 3,5 milhões unidades. E os mercados emergentes, como o Brasil, a Índia e o Sudeste Asiático, devem começar a contribuir de forma significativa. Vemos que o Brasil já cresceu 217% nas vendas em um ano. Isso nos mostra, tanto no mercado nacional como no mercado internacional, a força crescente dos veículos elétricos no mundo.
Temos várias previsões de que, até 2030, em termos mundiais, cheguemos próximo a 50% dos veículos vendidos no planeta. Vai acontecer esse ano na China, onde metade dos veículos vendidos vão ser elétricos, e a previsão é que aconteça no mundo todo até 2030. Isso porque os veículos elétricos estão reduzindo o custo de fabricação. Em alguns mercados, como a China, o veículo elétrico já tem um preço equivalente aos veículos a combustão, então as pessoas terminam optando por comprar um veículo elétrico por conta, principalmente, da economia de combustível, além da questão ambiental, já que veículo elétrico não emite nenhum poluente para a atmosfera.
Também há a questão da infraestrutura, que a China já tem, de carregamento. Esse é um ponto importante, principalmente para quem usa o carro elétrico para fazer viagens de médio ou longo curso. Quando você usa dentro da área urbana, geralmente esses carros vêm com autonomia de, no mínimo, 300 km — mais do que suficiente para rodar durante o dia em uma área urbana. Mas quando você vai fazer uma viagem mais longa, precisa de uma infraestrutura de carregamento durante o percurso. Principalmente quando é uma viagem de mais de 300 km, com essa mesma autonomia de carro, você precisa antes de uma infraestrutura de carregamento para chegar até o seu destino e fazer uma recarga da bateria do carro. Mas isso, no Brasil, também é uma coisa que está acontecendo de forma crescente: no mesmo volume de vendas de veículos elétricos, está aumentando a nossa infraestrutura de estações de carregamento.
Entrevista Nota 10 — Os carros chineses (BYD e demais companhias) superaram a americana Tesla em quantidade? Outras empresas relevantes também estão no páreo de vendas como um bom produto?
Sydney Ipiranga — Em relação a marcas de veículos elétricos, a BYD ultrapassou a Tesla como líder de vendas em todo mundo nos últimos três meses do ano passado. Em 2023, a BYD teve um recorde de três milhões de veículos vendidos globalmente, um aumento de 62% em relação a 2022. A Tesla vendeu 1,8 milhão no ano passado só de veículos 100% elétricos, porque a empresa não produz veículos Plug-ins, só elétricos. Desses três milhões da BYD, há tanto veículos elétricos puros como também Plug-ins. Se formos comparar apenas veículos elétricos, a Tesla vendeu mais do que a BYD — que vendeu 1,57 milhão desse tipo. Mas em termos de produção de veículos elétricos, a BYD já ultrapassou a Tesla.
Além dessas duas marcas que estão competindo pela liderança do mercado mundial, tem várias outras fabricantes de veículos, tanto chinesas como europeias, participando. Temos Agile, a Cherry, a GWM — que inclusive está com a expectativa de ter uma fábrica aqui no Brasil até o final do ano. Essa fábrica, que ela comprou da Mercedes-Benz, fica em Iracemápolis, em São Paulo, e está sendo reformada para produzir localmente os carros da GWM.
A BYD também está com uma planta que comprou da Ford lá na Bahia. A expectativa também é de, no início do ano que vem, começar a produção dos veículos da BYD aqui. Nós temos também a Volkswagen, a Peugeot e a Fiat, que são grandes e participam, principalmente na Europa, desse mercado de veículos elétricos.
Entrevista Nota 10 — Como a mobilidade elétrica e o armazenamento de energia elétrica podem revolucionar as energias renováveis?
Sydney Ipiranga — Cerca de 45% de toda a energia do mundo é demandada pelo setor de transportes, que são os veículos urbanos de pequeno porte e os veículos de transporte de carga, como caminhões, navios, trens e aviões. Essa energia utilizada é de fonte fóssil. A mobilidade elétrica não é só sobre carros elétricos, mas também trens, ônibus, veículos elétricos leves — como patinetes, scooters e motocicletas.
A maioria desses veículos hoje são à combustão, mas hoje já temos tecnologias para praticamente todos esses vetores de transporte. Já temos, inclusive, aviões elétricos de pequeno porte à bateria ou à célula de combustível ou usando biocombustíveis, mas usando motores elétricos. O motor elétrico vem exatamente para diminuir essa pegada de carbono, porque praticamente em todos os outros setores da economia a gente já consegue substituir a energia de fonte fóssil pela energia renovável. Até porque a bateria do veículo elétrico pode ser carregada por uma geração de usina fotovoltaica que você faz no telhado da sua residência.
Então, o setor mais crítico nessa transição energética para energias renováveis é o setor de transporte. A mobilidade elétrica vem para que consigamos diminuir a emissão de carbono que provoca o efeito estufa, que é exatamente o que causa esses problemas e desastres climáticos que estamos passando atualmente, inclusive com essas chuvas no Rio Grande do Sul. E se nós não fizermos essa transição energética, que o último vetor é o setor de transporte, vamos ter vários problemas em termos de mudanças climáticas que vão afetar a vida de todos.
A mobilidade elétrica e o armazenamento de energia vêm exatamente para eletrificar esse setor de transportes e também de setores industriais, onde o uso é de forma intensiva da energia. Essas são as duas últimas fronteiras para que possamos substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis.
Já na questão do armazenamento de energia, é preciso ficar claro que as baterias usadas nos veículos elétricos são as mesmas baterias que usamos no armazenamento de energia estacionária, não tem diferença. É claro que a demanda da produção de baterias hoje está sendo puxada pela eletromobilidade. Para se ter uma ideia, hoje, 95% das baterias fabricadas no mundo são para o setor de veículos elétricos, 5% só para energia estacionária.
Mas é claro que isso está mudando, porque a bateria é um elemento essencial, principalmente de forma híbrida com uma fonte renovável de solar ou eólica. Isso porque sabemos que a energia solar só gera energia durante o dia, mas o consumo das residências é mais forte à noite, quando é preciso iluminação e uma série de outros equipamentos conforme energia. Como à noite não se produz energia solar, a bateria vem exatamente para fazer esse hibridismo: usar a energia solar durante o dia para carregar todos os equipamentos da sua casa, e o excedente de energia que é gerado pode ser armazenado em um sistema de baterias para uso noturno, quando não se gera energia solar.
O armazenamento de energias através de baterias vem, exatamente, para atender períodos de intermitência, nos quais não é gerada a energia renovável. Se você pegar as duas maiores fontes de energia, a solar e a eólica, elas são fontes intermitentes, funcionando durante algum período do dia — no caso da solar, quando tem sol, e a eólica, quando tem vento (que não tem intensidade durante todas as 24h do dia). Então, quando se faz um sistema de geração de energia junto com um armazenamento de energia, você consegue ter uma demanda fixa de energia durante as 24h.
A tecnologia, cada vez mais, está a todo vapor sendo utilizada no setor de transporte e veículos elétricos. No caso do armazenamento de energia, está começando agora no mundo, e no Brasil também. Praticamente estamos iniciando, mas já temos vários projetos. A própria Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) já fez um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento para fazer uma análise da inserção do sistema de armazenamento do mercado brasileiro. Inclusive, os próximos editais de energia de reserva já estão previstos no edital para projetos híbridos, seja solar, de fonte eólica, biomassa ou outra fonte térmica com baterias. É uma tendência que veio para ficar no armazenamento de energia em baterias em qualquer tipo de aplicação que demande isso.
Entrevista Nota 10 — O Brasil possui condições para fornecer energia de qualidade tanto para a produção quanto para a manutenção dos carros elétricos? Existe uma estrutura de abastecimento adequada hoje para os proprietários desses veículos aqui no país?
Sydney Ipiranga — O Brasil, em termos de inserção das energias renováveis, é um dos líderes no mundo. Está ali entre os dez países onde as fontes renováveis são majoritárias em relação às fontes de energia fósseis. Em nossa matriz elétrica atualmente, temos cerca de 85% de renováveis: as hídricas, com um pouco mais de 50%; as eólicas, próximas de 13%; e a solar, alcançando já 42 giga watts de potência, hoje é a segunda maior fonte depois das hídricas.
A produção de energia renovável do Brasil está em em total aumento. Inclusive, nos últimos leilões de compra de energia da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as fontes solar e eólica são as que predominam. É claro que para termos a estabilidade do sistema precisamos também de térmicas, previstas na nossa matriz elétrica. Os veículos elétricos vem exatamente aumentar essa demanda por energia elétrica.
Com relação a estrutura de abastecimento adequada para os proprietários elétricos, essa estrutura está em bastante crescimento. Hoje no Brasil, temos mais de cinco mil estações de carregamento de veículos elétricos. Existem várias iniciativas do governo de promover o aumento dessa estrutura de carregamento de veículos elétricos. As próprias montadoras e importadoras de veículos elétricos têm iniciativas próprias, com os maiores fabricantes também investindo em uma rede de carregamento de veículos elétricos.
Hoje nós temos uma estrutura de estações de carregamento que você pode fazer uma viagem, mas, como toda viagem, tudo depende de um bom planejamento. No Brasil, a maioria das estações de carregamento são lentas, que leva dez horas para carregar 100% sua bateria. Você vai planejar a sua viagem para que chegue em um determinado ponto de carregamento — que tem em postos de combustíveis, hotéis, restaurantes em estradas e dentro das cidades.
Entrevista Nota 10 — Quais as perspectivas dos carros elétricos para o Brasil e o mundo nos próximos anos? Deverão superar os carros à combustão em quantidade?
Sydney Ipiranga — A nível de mundo, ano passado a China já produziu mais veículos elétricos que veículos só de combustão, quer dizer, já ultrapassou 50% do mercado de veículos elétricos em relação aos de combustíveis fósseis. A previsão é de que, até 2030, nós teremos mais veículos elétricos vendidos do que veículos a combustão; e até 2050, teremos cerca de 80% do mercado de veículos elétricos.
É uma tecnologia que veio pra ficar, embora algumas pessoas critiquem, mas acredito que isso se dá por desinformação. Essa superação dos carros elétricos em relação à combustão já existe na China, nos Estados Unidos e na Europa está caminhando para isso. Em termos de Brasil, estamos tendo aumento significativo na venda de veículos elétricos nos quatro primeiros meses de 2024.
A previsão também é de, em 2030, termos o mercado de veículos elétricos maior do que o mercado de veículos a combustão em termos de venda. Quando falamos de veículos elétricos, falamos de veículos híbridos — que podem ser com biocombustível, uma tecnologia que o Brasil domina, hidrogênio e elétrico — e de veículos 100% elétricos. Essa é a tendência a nível mundial.