null Mundo Unifor: razão e sensibilidade

Ter, 28 Setembro 2021 15:30

Mundo Unifor: razão e sensibilidade

De 18 a 23 de outubro, tradicional evento reunirá arte, ciência e inovação com programação gratuita aberta ao público


O Mundo Unifor é o maior evento de disseminação científica, cultural, artística e de humanidades da região Nordeste (Foto: Ares Soares)
O Mundo Unifor é o maior evento de disseminação científica, cultural, artística e de humanidades da região Nordeste (Foto: Ares Soares)

Aos 100 anos, em suas inúmeras conversas com tempo, o filósofo e sociólogo francês Edgar Morin chegou à conclusão de que ainda não aprendemos a conviver em comunidade, apesar de toda a conectividade tecnológica engendrar promessas de globalização e aproximação dos povos. Para ele, essa incapacidade também é fruto de um modo hegemônico de conhecimento que separa e fragmenta, ao invés de unir e entrelaçar saberes e fazeres em um tecido comum. Virtualmente presente na 10ª edição do Mundo Unifor, cuja programação estende-se do dia 18 a 23 de outubro, um dos mais importantes e influentes pensadores dos séculos XX e XXI repete o mantra: é através da complexidade e da transdisciplinaridade que melhor compreenderemos os problemas do mundo, a fim de inventarmos “novos” mundos. 

Autor de mais de 50 livros, inclusive obras como “O Método” e “Introdução ao Pensamento Complexo”, Edgar Morin é um dos convidados do Mundo Unifor 2021 (Foto: Divulgação)

“A sua teoria do pensamento complexo é ancoragem da mais refinada e sensível para também repensar a educação. Num mundo fragmentado, ele propõe uma escola que assegure espaços de reflexão para enxergar e debater a complexidade das relações, incentivando o senso crítico dos alunos. E vai além, contribuindo com diversas áreas, como estudos de mídia, ecologia, ciência política, antropologia visual e estudo de sistemas biológicos complexos”, acredita a coordenadora do curso de bacharelado em Cinema e Audiovisual da Unifor, Bete Jaguaribe, uma das convidadas a comentar e repercutir in loco as ideias do palestrante.

“O pensamento de Edgar Morin nunca foi tão necessário para o enfrentamento da mediocridade e intolerância que mobilizam o mundo contemporâneo”- Bete Jaguaribe, coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor. 

Razão e sensibilidade: as travessias possíveis. Em 2021, o tema-guia do Mundo Unifor vem colocar em prática justamente a lição da transdisciplinaridade, soando como um claro elogio à fusão entre ciência, arte e inovação. Além da conferência de Edgar Morin, viabilizada através de parceria junto ao projeto Fronteiras do Pensamento, que promove conferências internacionais e desenvolve conteúdos múltiplos com pensadores, artistas, cientistas e líderes de todo o mundo, outra voz trazida virtualmente à programação do Mundo Unifor é a do historiador Niall Ferguson, que também terá suas idéias debatidas in loco por professores e pesquisadores da casa ligados à economia, gestão e inovação. 

Niall Ferguson leciona História na Universidade de Harvard, e é um dos mais renomados historiadores da atualidade (Foto: Divulgação)

Considerado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, o autor de livros como Ascensão do Dinheiro, Civilização e, mais recentemente, A Praça e a Torre, também é um crítico contundente das “respostas estúpidas” de muitos governantes diante de uma crise sanitária sem precedentes causada pela Covid-19. Dedo na ferida ainda aberta. O assunto virá à tona na conferência programada para o Mundo Unifor, a partir do lançamento concomitante de seu mais novo livro, que trata justamente das grandes catástrofes da humanidade. 

“Niall Ferguson declara que estamos ficando piores e não melhores para lidar com desastres. Reflete sobre catástrofes como a Peste Bubônica e afirma que, numa perspectiva histórica, apesar de a humanidade ter avançado em diversas áreas, como em relação às novas tecnologias, isso não significa que aprendemos a lidar de maneira adequada com situações extremas como essa que estamos vivendo, diante do aparecimento da Covid-19. E vai nos lembrar que todos esses desastres são causados pelo homem” - Rogério Nicolau, coordenador do Escritório de Gestão, Empreendedorismo e Sustentabilidade (EGES), Rogério Nicolau.

Vice-reitora de ensino de graduação e pós-graduação da Unifor, a professora Maria Clara Bugarim exalta a vocação do Mundo Unifor em promover a diversidade de ideias ao debater as urgências da contemporaneidade, sempre buscando perspectivas para o futuro.  “Um sociólogo, outro historiador: Morin e Ferguson estarão conosco no Mundo Unifor graças a uma parceria com o projeto Fronteiras do Pensamento, incitando diálogos promissores sobre ciência, conhecimento e o papel da universidade no enfrentamento aos desafios da contemporaneidade”, afirma. 

“A pandemia nos ensinou que cada vez mais precisamos ampliar o conceito de ‘sala de aula’ e é isso que o evento propõe, conectando conteúdos, narrativas e reflexões sobre o local e o global. A cada edição, o Mundo Unifor amplia seu alcance e agora não será diferente, já que as transmissões online ampliam a participação de nossos alunos e professores” - Maria Clara Bugarim, vice-reitora de ensino de graduação e pós-graduação da Unifor.

Há muito mais em pauta: a programação do Mundo Unifor 2021 também é feita de encontros científicos; minicursos; fórum das TVs Universitárias, intervenções sociais, capacitações e eventos esportivos envolvendo as mais diversas modalidades coletivas (basquete, futsal, voleibol e handebol) e individuais (atletismo e lutas). Em 2021, a novidade é a "Etapa Radical", contemplando skate (park, wave e street), vôlei de praia em quarteto e beach tênis (duplas). Convidada especial, a atleta Fabi, bicampeã Olímpica de voleibol e atual comentarista da Rede Globo, marca presença na Etapa Radical, conversando presencialmente, mas também online sobre a importância do esporte em sua vida e na formação integral dos atletas.

De corpo e alma nas artes

Foco na ética e na estética da existência. O Mundo Unifor também estende tapete vermelho para 21ª edição da Unifor Plástica, mostra de artes visuais que há mais de duas décadas confirma e celebra a vontade política da instituição em dar centralidade à criação artística junto aos processos educativos. Com curadoria de Marcelo Campos, professor adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte do Instituto de Artes da UERJ e dos Programas de Pós-Graduação em Artes e História da Arte (PPGArtes - PPGHA), a exposição “Corpo Ancestral” está aberta à visitação a partir do dia 19 de outubro, seguindo todos protocolos de biossegurança. 

Em foco, saberes e fazeres tradicionais, vestígios da experiência humana ligados aos povos originários e à cultura afro-brasileira, fazendo da exposição um panorama multifacetado e pungente da cultura popular e sua relação intercambiável com a arte brasileira. “O título da mostra remete a algo que está para além do corpo, transcende o corpo, não é somente uma condição física e material, mas o lugar do espiritual na arte. Artistas como Kandinsky falavam muito sobre o espiritual na arte ao longo do século XX. E é curioso chegar ao século XXI e retomar esse lugar. Isso não é à toa. Estamos passando por uma crise sanitária, política, espiritual. E, inevitavelmente, isso aparece: a ideia de uma utopia que ninguém sabe onde está. Vamos imaginar o que, sonhar com o que, de que futuro iremos falar? Bandeiras vazias, espaços desérticos, ruínas, espaços abandonados, tudo isso perpassa trabalhos em exposição”, adianta o curador. 

“Estamos levando gratas surpresas. Artistas de Juazeiro do Norte, dois artistas da família Graciano, fotografias de Guy Veloso, fotógrafo de Belém do Pará, que foi ao Cariri cearense para registrar esses ritos católicos e sincréticos, fotos inéditas de artistas como Telma Saraiva, enfim produções em linguagens variadas, incluindo fotografia, pintura, vídeo, tudo para criar diálogos e quebrar essa parede entre arte popular e arte contemporânea. É preciso ver essa miríade criativa como uma produção horizontal, sem hierarquia” - Marcelo Campos, curador da 21ª edição da Unifor Plástica. 

Religiosidade, condição social e racial, heranças e símbolos socioculturais. “Já trabalhei como pesquisador e curador em diversos momentos com artistas do Ceará e Nordeste. Conhecia o Cariri e com o convite para a Unifor Plástica passei a observar outros artistas que não conhecia, me atualizando para atualizar a mostra. E , defende Marcelo, reafirmando sua verve curatorial amparada em estudos no campo da antropologia”, destaca. 

Para ele, assinar a curadoria da Unifor Plástica é um termo de responsabilidade e atesto de qualidade a um só tempo. “Trata-se de uma mostra que atravessa a carreira de diferentes gerações de artistas do Ceará e do Nordeste brasileiro, em particular. E por isso não é à toa que homenageamos três nomes referenciais para as artes no Ceará: as artistas Nice Firmeza e Letícia Parente e o pesquisador e professor Gilmar de Carvalho, falecido recentemente. Letícia estava na primeira edição de 1973 e trabalhava com vídeo arte, então isso demonstra como a Unifor Plástica desde o começo já estava atenta às questões contemporâneas das artes. E hoje reafirmamos esse pensamento quando, ao propor um núcleo temático dentro da exposição voltado à natureza, vemos artistas contemporâneos retomando temas como o mar e os jangadeiros, tão comuns no período modernista”, ilustra.

As duas mulheres homenageadas também trazem em si um recado político. “Conheci Nice e Estrigas, visitei a casa dos dois, e trazer a Nice para a mostra é um momento glorioso, pela qualidade de produção dela e por ressaltar o lugar da mulher nas artes. Em proporção, quando comparadas aos homens artistas, as mulheres ainda são minoria nos acervos, coleções e programações dos museus. Nice e Letícia vêm então reafirmar seu protagonismo na cena, além de problematizarem a condição feminina em uma sociedade machista. Letícia tem filmes onde ela está dentro da casa, interagindo com o mobiliário, se pendurando nos armários, deitando em uma tábua de passar para ter seu próprio corpo engomado, bordando o próprio pé com a palavra Brasil... Ela performa o próprio corpo para inverter a lógica de uma sociedade machista que pensava a mulher unicamente vinculada às tarefas domésticas”, aponta o curador.

Para Marcelo, em Nice Firmeza a transgressão e problematização se repetem. “Não é possível pensar de forma dissociada pintura e bordado. Há um pensamento pictórico em ambas as técnicas. São obras de arte e é por entender assim que também estamos trazendo para a exposição o bordado da comunidade da Prainha, que também foi visto durante muito tempo como uma prenda do lar ou uma atividade nata reservada às mulheres... mas Lampião bordava, João Cândido bordava... então foi uma invenção machista para manter a mulher nesse lugar dos afazeres domésticos. Mas vem Nice para pintar e bordar, dizendo que o lugar da mulher também é singular nas artes”, enfatiza.