qua, 18 março 2020 17:31
Entrevista Nota 10: Alisson Martins fala sobre impacto econômico do coronavírus
A pandemia do coronavírus, além de um desafio humanitário, provocará efeitos significativos na economia.
Estimativas apontam para uma redução de crescimento econômico global de 2,5% para 2,0% durante o ano de 2020. Em entrevista, o economista Allisson Martins, professor e coordenador do curso de Economia da Universidade de Fortaleza, fala de um cenário econômico turvo e nebuloso. Contudo, pontua ações que podem ser tomadas para minimizar os impactos econômicos da pandemia, a exemplo da flexibilização das regras de saques do FGTS, pelo lado das pessoas físicas, e da criação de linhas de créditos especiais, sobretudo direcionadas para o capital de giro das empresas.
UNIFOR: O coronavírus foi declarado uma pandemia pela OMS no dia 11 de março. Com esse novo status da doença, é possível pensar que a situação pode levar à recessão global ou diminua o crescimento econômico a nível internacional? Quais impactos reais a doença está causando e ainda pode causar na economia mundial? Devemos nos preocupar de fato?
PROF. ALLISSON MARTINS: A pandemia certamente provocará efeitos econômicos para além do desafio humanitário - o mais importante, sem dúvida -, pois a situação global também ocasiona efeitos danosos no ambiente de negócios, no fluxo comercial de bens, serviços e turismo, e replica em variáveis como o faturamento das empresas, a renda das famílias e o nível de emprego. Estimativas apontam para uma redução de crescimento global para o ano de 2020 de 2,5% para 2,0%. Apesar da redução de “apenas” 0,5%, esta queda representa perdas estimadas, em termos econômicos globais, de US$ 430,0 bilhões de dólares.
UNIFOR: O que poderia ser feito para tentar minimizar os impactos econômicos do coronavírus?
PROF. ALLISSON MARTINS: Algumas medidas para mitigar os impactos econômicos podem ser realizadas; é possível citar, quanto às pessoas físicas, a flexibilização das regras de saques do FGTS, a antecipação parcial do 13º salário e o aumento da quantidade de parcelas do seguro-desemprego. No lado das empresas, medidas compensatórias podem ser adotadas, como a possibilidade de reescalonamento/renegociação de dívidas, via suspensão de pagamentos de empréstimos e financiamento no prazo de 180 dias. Outra providência é a criação de linhas de créditos especiais voltadas para o combate aos efeitos do Covid-19, sobretudo direcionadas para o capital de giro das empresas, no intuito de prover recursos aos seus fluxos de caixa que permitam o pagamento de salários e de despesas em geral.
UNIFOR: Alguns economistas comparam a situação atual com a da última grande crise econômica global, que aconteceu em 2008. Entretanto, naquele momento, a causa era puramente econômica - consequência do crédito fácil e da disseminação de investimento. Aquela situação estava na mão dos economistas, prioritariamente. Agora, temos uma questão de saúde. O que os economistas dos países afetados podem fazer para resolver a crise que se anuncia? Quais soluções estão sendo apontadas e criadas nos círculos econômicos?
PROF. ALLISSON MARTINS: Segundo a técnica macroeconômica, de maneira a suavizar os impactos de uma crise desta magnitude, deve-se utilizar a Política de Gastos, que sugere aumentar o consumo governamental em períodos críticos (como o presente momento) e reduzir estes gastos em momentos de crescimento econômico, possibilitando assim a geração de estoque de caixa.
O que ocorre quanto ao Brasil é que o país ainda sofre um “rescaldo” da pior crise econômica da história, ocorrida nos anos de 2015 e 2016. Assim, os recursos orçamentários estão extremamente escassos, impedindo o uso deste instrumento de política macroeconômica. Outra saída é a chamada Política Monetária, via redução de taxas de juros, flexibilização das regras de depósitos compulsórios, redução das taxas de redesconto bancário e aumento da liquidez monetária por meio de recompra de títulos públicos. Estas medidas podem catalisar o sistema financeiro e de crédito, e assim ajudar as empresas a atenuar as dificuldades em seu fluxo de caixa e ajudar as famílias a minimizar os efeitos da crise no orçamento familiar.
UNIFOR: O Brasil e a China, há anos, são parceiros comerciais. O país oriental foi responsável por aproximadamente 60% do superávit da balança comercial brasileira em 2019. Como o Brasil é particularmente afetado nesse cenário?
PROF. ALLISSON MARTINS: A balança comercial superavitária é fortemente dependente da economia chinesa. Estimativas econômicas apontam que para cada 1% de piora no PIB da economia chinesa, há repercussão negativa de 0,2% no PIB da economia brasileira. Ou seja, se a China sofrer impacto de redução no crescimento em 2%, pode afetar o Brasil em 0,4% de seu PIB. Sob a ótica do comércio exterior, os resultados iniciais das exportações brasileiras apontam, em comparação ao ao ano anterior, para queda de 8,6% no 1° bimestre de 2020. O quadro econômico pode ser ainda mais deteriorado em razão dos problemas advindos da zona do Euro. Portanto, o cenário econômico está turvo e nebuloso.
UNIFOR: No Brasil há, entretanto, um aquecimento da venda de itens como álcool em gel e máscaras, que resultam dos esforços coletivos em busca de “proteção”. Essas vendas têm potencial para representar algum impacto positivo na economia? Como os produtores e vendedores destes itens podem aproveitar o momento do mercado?
PROF. ALLISSON MARTINS: Apesar do quadro positivo destes itens, os impactos negativos em maior escala no balanço econômico superam os resultados favoráveis. Ainda que a elevação do preço destes produtos possa ocorrer de forma natural, em razão da pressão elevada de demanda, que contrapõe sua oferta relativamente estática, os empresários devem estar atentos a não elevar seus preços de forma desproporcional, de maneira a não configurar preços abusivos, que podem resultar tanto em ações judiciais quanto na cobrança de multas - que arriscam, inclusive, extinguir o lucro obtido de forma irregular.