null Engenharia Elétrica: meio século de olho no futuro

Ter, 18 Abril 2023 11:07

Engenharia Elétrica: meio século de olho no futuro

Pioneiro no Ceará, curso de Engenharia Elétrica da Unifor completa 50 anos de contribuições ao desenvolvimento do estado, formando profissionais de excelência com compromisso socioambiental


Para Renato Oliveira, aluno de Engenharia Elétrica, infraestrutura moderna do curso é um dos diferenciais na formação (Foto: Ares Soares)
Para Renato Oliveira, aluno de Engenharia Elétrica, infraestrutura moderna do curso é um dos diferenciais na formação (Foto: Ares Soares)

Olhe ao redor e pense em energia elétrica. Você está em um ambiente iluminado? Usando quantos equipamentos eletrônicos? De atividades simples do dia a dia a elementos estruturantes da sociedade, é instantâneo concluir o quanto das nossas vidas depende desta descoberta, que se reinventa a todo tempo. Cinco décadas atrás, nossa relação com a energia era outra, mas tão importante quanto para que chegássemos até aqui.

Àquela época, diante disso, é que foram plantadas no campus da Universidade de Fortaleza (Unifor), vinculada à Fundação Edson Queiroz, as primeiras sementes para a formação de engenheiros eletricistas — profissionais qualificados para trabalhar com geração, tratamento, armazenamento e distribuição de energia elétrica — no Ceará.

Sementes que, desde então, não apenas alicerçam o primeiro curso de Engenharia Elétrica do estado, fundado em 1973, como referência. Mais do que isso: dão frutos até hoje, no legado de muitos que contribuem para o desenvolvimento do Nordeste em diversas frentes e nos sonhos de quem já projeta, ainda na Unifor, fazer a diferença no mercado de trabalho.

Em prol do desenvolvimento 

Assim como acontece com a energia elétrica, imagine só por quantas mudanças também passou a profissão de lá para cá. Mesmo assim, na coleção de palavras que podem caber em 50 anos de uma história, pioneirismo e inovação estão entre as que se cruzam, com frequência, nas histórias de quem faz parte do curso de Engenharia Elétrica da Universidade.

“A visão estratégica de Edson Queiroz, fundador da Unifor, viu a importância desta área para o nosso Estado. Estávamos vivendo um amplo processo de industrialização no País e ampliação do setor elétrico, e não existia um curso no Ceará, precisando então trazer mão-de-obra de fora”, recorda o engenheiro eletricista Wellington Brito, professor da graduação na Unifor desde 1994.

Com 29 anos de docência completados em março deste ano, Wellington é o mais antigo professor da área em atividade na instituição. Ele não participou da criação do curso, mas contextualiza a relevância histórica da iniciativa.

“Nossos jovens, determinados a cursar uma graduação nesta área, tinham que se deslocar para outro estado. No Nordeste, as opções eram Paraíba, Pernambuco e Bahia. A criação do curso contribuiu para acelerar o desenvolvimento do Ceará, pois não existe investimento e desenvolvimento sem mão-de-obra qualificada”Wellington Brito, professor de Engenharia Elétrica da Unifor

Presença feminina

Quem guarda lembranças vivas da época é Maninha Moraes, 69 anos, uma das três mulheres entre os 24 alunos da primeira turma de Engenharia Elétrica na Unifor. Irmã de quatro engenheiros, ela encontrou em casa os primeiros contatos com o ramo. Foi o pontapé para que fizesse vestibular para Engenharia — que tinha um formato diferente de matriz curricular.

“O curso tinha dois anos de base, que eram as engenharias todas juntas, e depois você ia para a especialização. Fiz para Engenharia Elétrica”, relembra. O gosto pelas “cadeiras que eram mais voltadas para essa área da eletricidade” sacramentou a escolha.


A graduação em Engenharia Elétrica da Unifor foi fundada junto à Universidade e já contava com uma infraestrutura inovadora à época (Foto: Acervo da Unifor)

Dentre as memórias daquele tempo, a relação com os colegas era boa, “sem nenhum preconceito” por ser mulher em uma graduação majoritariamente masculina. Além disso, a engenheira eletricista lembra que, antes mesmo da formatura, o diálogo do corpo docente com grandes empresas possibilitou sua entrada no mercado de trabalho.

“Naquele período, tivemos dois coordenadores: o professor Ariosto Holanda e o professor Neiva Parente. No terceiro ano de Universidade, fomos para os estágios que esses coordenadores, na articulação com empresas, conseguiram para a gente: dez foram para a Coelce, que naquele momento era Companhia Energética do Ceará, e os outros foram para a Teleceará”, relata.

Abrindo caminhos

Do estágio, lá se foram 20 anos de trabalho na Coelce, com atuação voltada à manutenção de subestações. Até que, na década de 1990, ela optou por uma mudança de carreira: ao adentrar em uma outra paixão, a cultura, tornou-se gestora cultural. Atualmente, Maninha é diretora da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, equipamento ligado à Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE).

Parecem áreas distantes, mas a egressa destaca que levou da formação como engenheira eletricista lições que coloca em prática até hoje. “Não aplico mais o meu aprendizado da engenharia, mas o capital intelectual você carrega para o resto da vida”, resume.

Cinco décadas após o vestibular, Maninha também reflete, ainda que à distância, sobre as transformações na profissão. Se, quando se formou engenheira eletricista, havia uma ênfase direcionada ao setor elétrico estatal, ela vê que, atualmente, novas tecnologias trazem ao ofício não apenas a automação de sistemas, mas outras possibilidades de atuação.

“Vejo que o campo migra para outras frentes: a energia eólica, a energia solar, o hidrogênio verde. A gente espera que essa área das energias limpas, na qual o Ceará tanto é protagonista, possa trazer para as novas gerações um trabalho de equilíbrio maior no meio ambiente. Vejo um lado positivo nisso”Maninha Moraes, egressa da primeira turma de Engenharia Elétrica da Unifor

Atenção às mudanças

O olhar para o futuro, que no caso das energias renováveis já é presente, é uma constante na Unifor. Wellington Brito frisa que o foco do curso “sempre foi eletrotécnica”, mas pontua que o reconhecimento da graduação pelo nível de excelência atingido ao longo do anos resulta também da atenção dada às mudanças na profissão.

“O curso tem uma formação geral que possibilita atuação nas diferentes áreas da engenharia elétrica. Nossa formação não é focada em tecnologias específicas que, muitas vezes, têm prazo de validade. Existe um cuidado com relação a isso. Feita esta ressalva, o curso procura incorporar as novas tecnologias que estão surgindo no mercado e o incentivo à inovação faz parte do nosso trabalho diário neste setor”, garante.

Exemplo disso é que a graduação da instituição, segundo ele, foi pioneira ainda ao introduzir uma disciplina voltada a energias renováveis. “E este setor está cada vez mais consolidado, principalmente em nossa região”, justifica.

De olho no amanhã

Também docente do curso, a engenheira eletricista Dayane Carneiro, cuja área de estudos se concentra nas energias renováveis, concorda. Egressa da Unifor, participou da equipe de estruturação do curso de Energias Renováveis da instituição, expandido em 2014 como disciplina na graduação em Engenharia Elétrica. Ela vê o segmento ganhando espaço na academia, em um cenário pautado na ótica da inovação.

“A Universidade instalou no campus uma usina solar coberta que é a segunda maior do Brasil. O aluno tem, a céu aberto, uma prática em um laboratório. Está vendo a aplicação do que estuda em sala de aula, que é o uso de soluções em energias renováveis para benefícios não só financeiros, mas para uma economia de baixo carbono”, ilustra.


Em 2021, a Unifor ativou a usina solar no estacionamento do campus, a segunda maior da categoria no Brasil, contendo 5.580 placas solares em uma área com cerca de 22 mil m² (Foto: Ares Soares)

A essência da formação na área, contudo, não mudou com o tempo. O objetivo desde o início, conforme explica Wellington, é formar profissionais que reúnam conhecimento técnico e outras habilidades que os tornem capazes de atuar com compromisso socioambiental. Para isso, o curso se consolida em dois pilares:

  • qualificação do corpo docente: formado por professores mestres e doutores;
  • infraestrutura: abrange a possibilidade de visitas técnicas a usinas e subestações, grande variedade de equipamentos para comissionamento elétrico e laboratório de máquinas elétricas com diversos tipos de motores.

“Na qualificação do corpo docente, procurou-se equilibrar a experiência profissional e conhecimento do mercado com qualificação acadêmica. Na parte de infraestrutura, oferecemos o que existe de melhor em termos de equipamentos e recursos computacionais, dando todas as condições para que o aluno se desenvolva e possa ir muito além na exploração do conhecimento”, pontua.

Suporte que faz diferença

Como funciona uma lâmpada? E um motor? Renato Oliveira, 29 anos, se fazia essas perguntas antes mesmo de entrar na Universidade. Veio da curiosidade o primeiro interesse pela engenharia elétrica. Ao pesquisar mais sobre a área, encantou-se com o curso da Unifor. “Eu me identifiquei e abri os olhos para uma grande área de atuação”, afirma.

Aluno do quarto semestre, ele vivencia no dia a dia o que diz o professor Wellington sobre os pilares da graduação. “A parte de Elétrica da Unifor tem de tudo que o mercado cobra, como, por exemplo, a subestação de 69kV e a subestação fotovoltaica”, cita.

Renato está buscando ingressar no mercado de trabalho e acredita que a experiência com equipamentos e softwares adquirida na Universidade deve ajudar, em breve, no primeiro passo rumo à atuação profissional.

“Podemos nos qualificar com equipamentos de alta qualidade. E sempre que um laboratório está disponível, podemos ter acesso para revisar uma aula prática com a supervisão dos técnicos, que têm alta competência”Renato Oliveira, aluno do curso de Engenharia Elétrica da Unifor

Bagagem já colocada em prática

Se para Renato há expectativa, Marcilio Soares, 33 anos, já sente na prática. No décimo — e último — semestre da graduação, ele trabalha como técnico de manutenção elétrica sênior em uma empresa produtora de aço instalada no Pecém, região metropolitana de Fortaleza, planejando e executando manutenções de grandes equipamentos em uma área de geração de energia.

“[Quis] estudar Engenharia Elétrica e entender o princípio de funcionamento de equipamentos, como se gera energia em suas diversas formas. A engenharia elétrica explica nosso dia a dia enquanto profissionais da área e até para quem ainda não trabalha nela”Marcilio Soares, aluno do décimo semestre de Engenharia Elétrica da Unifor

Próximo da tão desejada formatura, ele diz que a Universidade de Fortaleza o prepara para um mercado de trabalho competitivo. “Para mim, a Unifor se destaca em seu imenso potencial de ensino e oportunidades que oferece”, considera.

Bons ventos, novas perspectivas

Já quando o assunto é traçar perspectivas para a área nos próximos anos, uma conhecida dupla de palavras volta à tona como unanimidade entre profissionais e estudantes: energias renováveis.

Além da vanguarda cearense materializada nos primeiros parques de geração de energia eólica e na primeira usina de geração de energia solar conectada à rede elétrica, um novo horizonte de atuação se abre diante de investimentos que o Ceará tem atraído para a produção de hidrogênio verde.

Isso porque a região tem vantagens que favorecem o interesse de empresas estrangeiras na fabricação do chamado combustível do futuro: referência no potencial de energia eólica e solar, o Ceará é o ponto do Brasil mais próximo da Europa, com ampla conectividade com o continente por meio da parceria já existente entre o Porto do Pecém e o Porto de Roterdã, na Holanda.

Além dessa combinação, a professora Dayane Carneiro — envolvida nos debates estaduais acerca do assunto — ressalta que, na estrutura do Governo do Estado, há equipes específicas voltadas à atração de investimentos na área. 

“A pauta de hidrogênio é de alta prioridade dentro das ações a serem adotadas pelos grupos temáticos, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, pela Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece). Há setores que trabalham fortemente com isso”, observa. 

“Isso tudo soma forças para essa atratividade dada ao Estado. A questão do hidrogênio como esse vetor para a transmissão energética é uma grande aposta no cenário internacional, e não poderia ser diferente no cenário nacional, onde o Ceará tem destaque”Dayane Carneiro, professora de Engenharia Elétrica da Unifor

Cenário em consolidação

Resultado: já passa de 20 o número de memorandos assinados por companhias de outros países com o Governo do Ceará com o objetivo de desenvolver projetos de hidrogênio verde no Pecém. A primeira molécula de hidrogênio verde do País, inclusive, foi produzida aqui no estado em dezembro de 2022 pela EDP Brasil. 

Obtido a partir de fontes renováveis, como a energia solar e a eólica, o hidrogênio verde é considerado sustentável por ser produzido sem emissão de carbono. Por meio de eletrólise, o método utiliza a corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio existente na água.

O engenheiro eletricista é um dos profissionais a serem envolvidos na cadeia, participando da definição de qual fonte renovável será utilizada à integração de todo o sistema de produção.

Aposta reconhecida

A engenheira eletricista Marcella Lazar, 26 anos, é egressa da Unifor e atua como engenheira de projetos eólicos em uma empresa desenvolvedora de projetos de geração de energia por meio de fontes renováveis. Trabalhar com energias renováveis era uma vontade que vislumbrava desde o início da graduação. 

Diante do boom de geração distribuída e da crescente preocupação com a chamada transição energética, a partir da necessidade de se avançar na “descarbonização”, ela constata, de perto, que a área está aquecida. 

“Existem diversos meios de atuação: tem energia solar, tem eólica, tem offshore, tem a questão do hidrogênio verde  — que é uma aposta que tem se concretizado, não é algo de um futuro distante. A gente já tem, hoje, uma planta de hidrogênio verde atuando aqui no Ceará. Em dois, três anos, teremos mais. É um cenário de necessidade de profissionais de engenharia elétrica que tem crescido. Na minha visão, a demanda só tende a aumentar”, analisa.

As primeiras bagagens para que pudesse se posicionar neste segmento vieram na graduação. Marcella considera que ter estagiado em uma empresa incubada na própria Unifor foi uma experiência marcante. Participar de cursos de extensão e de visitas técnicas a empreendimentos da área também agregou à formação.

“Você tem contatos com profissionais do mercado de trabalho. São professores que trabalham na área, compartilham experiências com os alunos. Acho que isso é um diferencial muito grande”Marcella Lazar, engenheira eletricista egressa da Unifor

Com exemplos dentro e fora da Universidade, para Dayane Carneiro, a preocupação com a sustentabilidade, característica do curso, reflete perspectivas cada vez mais plurais na profissão. Ela frisa que o estudante de Engenharia Elétrica tem alta capilaridade de atuação nesse ramo.

“Em particular, na Unifor, a matriz curricular permite ao aluno estudar projetos de energias renováveis, nos quais vão estar fortemente consolidados conceitos e vivências em mercado sobre energia eólica, solar, hidrogênio verde. O aluno tem essa capacidade de integração e atuação nesse segmento de negócios de forma muito forte”, afirma a professora.

Comemoração o ano inteiro

Para marcar cinco décadas desde a criação, a história do curso de Engenharia Elétrica da Unifor será celebrada o ano inteiro. Uma palestra com profissionais de referência no País e uma aula da saudade para os estudantes da primeira turma do curso abriram as comemorações no mês de março.

A próxima grande data já está agendada: 2 de junho será o Dia T, evento realizado pelo Centro de Ciências Tecnológicas (CCT) da Unifor. A programação reverencia os 50 anos dos cursos de Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e Engenharia Mecânica.