null Entenda o BRICS: Novos países membros e perspectivas para o futuro

Seg, 4 Setembro 2023 19:02

Entenda o BRICS: Novos países membros e perspectivas para o futuro

Segundo diplomatas brasileiros e sul-africanos, mais de 20 nações pediram adesão; cerca de 40 demonstraram interesse


Além da adesão de novos países, a Cúpula, que aconteceu em Joanesburgo (África do Sul) discutiu também temas como guerra na Ucrânia e moeda única (Foto: Getty Images)
Além da adesão de novos países, a Cúpula, que aconteceu em Joanesburgo (África do Sul) discutiu também temas como guerra na Ucrânia e moeda única (Foto: Getty Images)

Após o fim da 15ª Cúpula dos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no mês de agosto, teve fim a dúvida sobre quais seriam os países convidados a fazer parte do bloco que reúne grandes países em desenvolvimento.

Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã compõem agora o agrupamento e farão parte de processos de aproximação e cooperação. As seis nações foram selecionadas a partir de uma lista com mais de 20 estados candidatos, o que revela grande interesse na proposta.

Segundo o professor Philippe Gidon, docente da graduação em Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza  — instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz —, entre as motivações para integrar os BRICS estão as possibilidades de parcerias entre os países, com destaque para duas dimensões de trabalho: a econômico-financeira e a política.

Contraponto à liderança mundial tradicional

Mestre em Relações Internacionais e Ação no Estrangeiro, Philippe explica que, no âmbito econômico-financeiro, o movimento trata de fomentar o comércio, os investimentos e as trocas entre esses países.

Já na esfera política, a pretensão é trabalhar em conjunto para avaliar e propor ajustes, ou mesmo substituição, de regras em vigor no sistema internacional que define as condições de convivência entre as nações.


Os países que compõem a configuração original do BRICS fazem parte do chamado Sul Global, destacado em vermelho no mapa (Imagem: Kingj123/Wikipedia)

Essas novas regras permitiriam às nações em desenvolvimento, hoje conhecidas como Sul Global, terem mais voz nas decisões tomadas em nível mundial. “China e Rússia são identificadas como as duas nações do grupo que mais puxam essa agenda, referida como ‘anti-ocidental’”, complementa o docente.

Os novos escolhidos

Antes da expansão, o BRICS já se destacava em termos populacionais, detendo mais de 40% da população mundial. Em 2023, a estimativa é de que teriam ultrapassado o G7 — grupo dos países mais ricos, todos ocidentais e tradicionalmente líderes mundiais — em produto interno bruto (PIB) quando medido em paridade de poder de compra.

Gidon identifica linhas estratégicas na entrada dos novos países-membros. Ele cita as questões geográficas e políticas, além da capacidade de desenvolvimento econômico e, por último, a dimensão comercial. O docente analisa cada ponto individualmente.

  • Questão geográfica
    Com essa entrada, são cobertos quase todos os continentes e regiões que compõem o Sul Global (América do Sul, África, Oriente Médio e Ásia), com exceção da América Central. Assim, o BRICS ganha em destaque de representatividade populacional e econômica, alavancando a legitimidade como representante dos interesses dos países ditos em desenvolvimento e, portanto, de sua capacidade de influência.
     
  • Questão política
    A política é elemento central de afirmação do BRICS ao propor e organizar-se para oferecer um sistema monetário internacional alternativo, tendo como pano de fundo a firme intenção de alterar as regras de convivência entre nações, algo conhecido sob a expressão “ordem mundial”. Neste ponto, resta ainda a dúvida em relação ao alcance da proposta: coexistência com a ordem atual em condições a serem estabelecidas ou substituição completa?
     
  • Desenvolvimento econômico
    Considerações quanto às capacidades combinadas na produção de energia e alimentos dos países convidados revelam um projeto de domínio em áreas fundamentais de desenvolvimento econômico. Essas capacidades serão usadas como ferramentas de alavancagem econômica, mas também como meio de exercício de poder nos confrontos crescentes com as nações ocidentais.
     
  • Dimensão comercial e de fomento ou acesso a capital
    Pontos centrais em qualquer estratégia de desenvolvimento. Os planos de multiplicar acordos de comércio, garantir rotas, promover investimentos em estratégias de produção industrial revelam as linhas básicas do projeto de planejamento que parece ter sido privilegiado nessa última cúpula em agosto.

Origem dos BRICS

A escolha pelos seis países foi fruto de negociações entre os cinco membros fundadores, porém, não havia até então critérios estabelecidos para a decisão a ser tomada. Isso se deve à informalidade do grupo.

“[Essa iniciativa] não costuma ser considerada uma organização internacional oficial ou um bloco econômico, mas sim um agrupamento de países que souberam aproveitar a ‘fama’ adquirida com a criação da sigla BRIC para iniciar processos de aproximação e cooperação”, ressalta o professor Philippe.

O docente se refere ao fato ocorrido em 2001, quando o economista do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, após uma investigação sobre as melhores opções de investimento no mundo em desenvolvimento, destacou alguns países com maior potencial de crescimento e cunhou o acrônimo BRIC.


Jim O’Neill foi o criador do termo BRIC, em 2001 (Foto: Andy Hall/the Observer)

Os líderes dessas nações decidiram aproveitar o interesse do mundo em seus países e passaram a encontrar-se anualmente para averiguar possibilidades de cooperação. “Dali em diante, as lideranças [de cada letra da sigla] passaram a conversar e tomar medidas relativas à cooperação nas áreas de economia, finanças, tecnologia, educação e cultura”, rememora Gidon.

A primeira reunião aconteceu na Rússia, em 2009. Dois anos depois, ocorreu a entrada da África do Sul, quando o termo ganhou sua formatação atual, com o acréscimo da letra “s”, de South Africa: BRICS.

Alternativa ao Banco Mundial e FMI

Ao longo dos últimos 15 anos, uma série de medidas foram tomadas pelo grupo, com especial destaque à criação em 2014, durante a cúpula realizada na cidade de Fortaleza, do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), atualmente presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff.

A missão do banco é oferecer linhas de crédito a países em desenvolvimento, entrando assim em concorrência direta com o tradicional Banco Mundial, alvo recorrente de críticas quanto às exigências ou condicionalidades para acesso a linhas de financiamento.


Banco Mundial recebe sucessivas críticas quanto à estrutura, conduta e objetivos (Foto: Getty Images)

Também na cúpula de 2014, foi decidida a criação de um “FMI dos BRICS”. Essa última agenda só foi formalizada durante o encontro na África do Sul, em estágio inicial de conversa. A ideia envolve o uso de uma ou mais moedas dos BRICS, a possível criação de uma moeda comum ou um sistema de troca de moedas.

“Entenda-se um sistema monetário internacional alternativo que vem, por sua vez, desafiar o sistema monetário em vigor, administrado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)”, observa Gidon.

Desafios do BRICS e dilema brasileiro

Conforme pondera o professor, o projeto do BRICS e dos objetivos que o seguem é imenso, multidimensional e dependente de inúmeras variáveis extremamente dinâmicas. Além de outras questões, o docente enxerga pontos de discordância, como: 

  • o conflito na Ucrânia;
  • a pressão de China e Rússia pela contestação antiocidental;
  • a relação China-Índia, que divergem em muitos pontos quanto à agenda e às prioridades;
  • a pressão do Brasil por uma moeda comum no lugar da simples substituição do dólar pelo yuan (proposta defendida pela China);

Gidon ainda ressalta o dilema enfrentado pelo Brasil ao participar do BRICS. Segundo ele, a liderança atual compartilha da necessidade de melhor representatividade dos países do Sul Global, apoiando boa parte da agenda reformista proposta.


“Todavia, a quase totalidade dos países formalmente convidados a entrar no BRICS divergem radicalmente de princípios fundamentais de formação e administração do Estado e respeito à vida do indivíduo, entenda-se especificamente democracia e direitos humanos”Philippe Gidon, docente de Comércio Exterior na Unifor e mestre em Relações Internacionais e Ação no Estrangeiro

Diante dessa circunstância, o professor levanta uma questão: “Como poderá a liderança brasileira lidar com essa distensão aparentemente insolúvel, sem ser acusada de leniência, pragmatismo cínico ou mesmo traição, especialmente no campo ocidental?”.

Philippe enfatiza que o Brasil sempre seguiu uma linha diplomática de equilíbrio entre os diversos centros de poder no mundo, colocando-se como ponte entre os diferentes. Agora, no contexto atual, o professor acredita que “apostar as fichas na nobre conquista do sonhado e concorrido título de salvador da paz, significa aceitar e assumir o risco de ser visto como cavalo de Tróia nos BRICS e traidor no Ocidente”, conclui.