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Seg, 30 Março 2020 16:32

Entrevista Nota 10: As delícias e as dores do Jornalismo

Letícia Lima, repórter do Sistema Verdes Mares, fala sobre os desafios da profissão e dá dicas para os novos jornalistas.


Letícia Lima é formada pela Universidade de Fortaleza, onde concluiu a graduação em Jornalismo no ano de 2016 (Foto: Ares Soares)
Letícia Lima é formada pela Universidade de Fortaleza, onde concluiu a graduação em Jornalismo no ano de 2016 (Foto: Ares Soares)

Do rádio, ela foi para o jornal impresso. No impresso, começou a atuar também na televisão e no online. Dividindo-se entre um e outro, ela segue trilhando caminhos entre os diferentes veículos de comunicação - com suas abordagens, seus mecanismos e a necessidade, cada vez mais urgente, de traduzir o mundo para quem lê, ouve e assiste. Letícia Lima - jornalista formada pela Universidade de Fortaleza com passagens pelos laboratórios e pela TV Unifor - é uma das novas e mais respeitadas vozes na cobertura jornalística da área política. 

O segredo, explica a repórter do Sistema Verdes Mares, é ter proatividade e estar sempre com informações disponíveis. Foi na cobertura predominantemente masculina que Letícia encontrou a oportunidade de afinar fontes e produzir conteúdo jornalístico relevante para a sociedade. A cobertura política, ela conta, atualmente, é sua grande paixão.

No mundo em constante transformação - onde é possível captar e transmitir informações a partir de um dispositivo móvel - o jornalista cumpre o papel fundamental de conferir, chegar, averiguar e transmitir as notícias da forma mais verdadeira. Na entrevista a seguir, Letícia Lima, graduada na Universidade de Fortaleza em 2016, fala sobre as dores e as delícias da profissão. Confira!

Entrevista Nota 10 – Conta um pouco pra gente como foi a sua trajetória até se tornar repórter do Sistema Verdes Mares.

Letícia Lima - Eu sou Letícia Lima e me formei na Universidade de Fortaleza em 2016, no curso de Jornalismo. Eu tive uma experiência bem bacana com os laboratórios de Jornalismo dentro da Universidade. Comecei em 2011, no LabJor. Acho que não existe mais, pois agora é o Núcleo Integrado de Comunicação. Mas, na minha época, havia esse laboratório de Jornalismo. Nós fazíamos o Jornal de Bandeja, que era distribuído no Centro de Convivência. E eu fiquei por alguns meses no laboratório. Eu tive esse primeiro contato com o jornalismo impresso. No semestre seguinte, comecei a ter uma experiência na TV Unifor como estagiária voluntária. Comecei a conhecer os programas e achava aquele mundo fantástico. Já adorava a televisão. Lembro bem do Panorama, que foi o primeiro programa no qual trabalhei. E ali já comecei a ter contato com o experimental. Aqui na Unifor temos a oportunidade de experimentar de forma iniciante, criando produtos. Eu tive passagem por alguns programas na TV Unifor. Além do Panorama, eu tive uma rápida passagem pelo Palavreado, que fugia totalmente dos formatos padrões, pois falava de forma caricata e irônica de alguns assuntos atuais. E por último, pelo programa Pense Verde, que foi o primeiro programa de televisão universitária exibido em televisão aberta, no caso na TV Diário. Foi muito legal. Eu comecei a me aventurar e a curtir a televisão. Fiquei por dois anos na TV Unifor. E comecei a ir para o mercado de trabalho. Tive um ano de experiência na produção de um programa independente. Fui para a Rádio Band News, onde comecei a atuar na área de Política. Depois, vim para o Sistema Verdes Mares. 

Entrevista Nota 10 - Como foi a sua graduação? Você conseguiu aproveitar tudo o que o curso te oferecia ou hoje, estando há mais tempo no mercado, você sente que poderia ter explorado mais algum aspecto?

Letícia Lima - Quando eu comecei no Jornalismo na Unifor, em 2011, já se falava em repaginação da grade do curso. Falando que o jornalismo precisava se aproximar da área administrativa e da área de marketing. Não era tão demandado no mercado, mas chegou um tempo no qual passou a ser demandado mesmo: jornalistas que soubessem comunicação interna, jornalistas que conseguissem trabalhar a imagem empresarial. Foi quando, na metade do meu curso, aconteceu uma mudança de reformulação da grade. Então, eu aproveitei, mas, pensando no hoje, o jornalismo evoluiu e cresceu de tal forma com a questão da internet... Na minha turma, nós começamos a ver essas situações mais para o fim do curso. Hoje, acredito que as disciplinas são muito voltadas nesse sentido - outras plataformas móveis que existem. Se eu escolhesse o curso hoje, talvez eu tivesse mais teorias sobre esses temas. Quando eu cheguei no mercado, foi quando consegui desenvolver. 

Entrevista Nota 10 - Sempre foi um sonho ser jornalista? O que te motivou a escolher o curso de Jornalismo?

Letícia Lima - Eu sempre quis ser jornalista. Sempre fui comunicativa. Eu entrei no curso pensando na televisão. Minha primeira experiência no mercado, valendo, foi em rádio. Fiquei dois anos e conheci o hardnews. Um modelo de radiojornalismo em 24 horas. Já foi uma surpresa e gostei muito da experiência. Arrisco dizer que, se não fosse a experiência que eu tive no rádio, eu não teria êxito na experiência que estou tendo hoje em televisão. Depois do rádio, eu fui para o jornal impresso. Algo que apareceu de uma forma que não esperava. Naquela época, eu pensei, e vejo ainda, que o jornal impresso dá profundidade que nenhum outro meio dá. Você pode se especializar, criar fontes, ter uma rede de contatos. Houve uma integração no Sistema Verdes Mares e, agora, o jornalista que quiser, pode atuar em várias plataformas. Foi quando eu me descobri na televisão. E atuando na área que eu quero: é um privilégio. Eu estou superfeliz. 

Entrevista Nota 10 - Qual foi a importância da TV Unifor para a sua atuação profissional?

Letícia Lima - A coisa da autonomia que você tem que ter. De saber que aquele produto final, aquela reportagem ou os produtos que a gente fazia aqui na época, a gente que corria atrás e era por iniciativa nossa. Então, se a gente queria que aquele produto ficasse bom, fosse rico de conteúdo e fosse legal... claro, a gente passava muito mais tempo fazendo. É diferente do jornalismo factual que eu faço hoje. A gente vai lá, apura no dia e no mesmo dia sai uma reportagem. Os programas que a gente fazia aqui na TV UNIFOR, não. Eram programas mais bem elaborados. A gente passava uma semana produzindo, pensando no programa, nas pautas do programa. Saia para a rua, editava, apresentava. Mas essa proatividade. É isso que eu quero dizer. Isso me ajudou a me formar como profissional para atuar em qualquer plataforma.

Entrevista Nota 10 - As cadeiras de laboratório, como a de TV e Rádio, por exemplo, de fato simulam a realidade do que você vai encontrar no mercado de trabalho ou servem mais como uma base para o aluno e o aprendizado é realmente na rua?

Letícia Lima - No começo, é um choque sair da academia e ir para o mercado de trabalho. Eu criticava por não ter visto tanto a parte prática que exigem de nós no mercado. Nós chegamos “verdes”. No começo, havia essa crítica. Mas o lugar da faculdade e da academia é o lugar de poder pensar, de pensar as teorias, de debater, de discutir. É o lugar para isso. Se você tiver professores com experiência de mercado, eles vão agregar as disciplinas. Mas poderia se pensar mesmo disciplinas que dessem mais uma visão do que é o mercado de trabalho. Isso também vai depender muito do profissional - que tem leituras, que tem bagagem, que vai aprender valendo. 

Entrevista Nota 10 – Vemos o mercado de comunicação no Ceará cada vez mais complicado para novos e veteranos profissionais. Como foi o seu processo de entrada no mercado de trabalho? 

Letícia Lima - Há um fator chamado experiência. É engraçado. O aluno que sai da faculdade, recém-formado, precisa de uma oportunidade para ter experiência. Mas os donos dos negócios querem profissionais que tenham um mínimo de experiência. É um eterno impasse, é um eterno dilema. Pois para ter experiência é preciso ter oportunidade. Eu confesso que não tive muitas dificuldades. Pois aí entra uma coisa que é o contato. Se você tem contatos que te conhecem e conhecem o teu trabalho, é facilitado. E o fator sorte, que está em toda profissão. Eu não tive dificuldade. Vejo que colegas que ainda estão cursando e querem oportunidades, as empresas, cada vez mais, exigem um mínimo de experiência para atuar na área. E não há tempo para recrutar. Quase sempre é por indicação. 

Entrevista Nota 10 - Você hoje atua no Sistema Verdes Mares e produz matérias para TV, rádio, impresso e online. Conta pra gente como é a rotina de um repórter de redação.

Letícia Lima - Primeiro, precisa estar atento ao noticiário e às notícias do dia. Saber o que acontece na cidade, no estado, no país e até no mundo. Tem que estar minimamente informado sobre os assuntos. A proatividade é um critério cada vez mais visto pelos editores nas redações. Eles não querem ser babás. Querem jornalistas que tenham proatividade para formar agenda, rede de contatos. Com iniciativa de pensar pautas, construir e, dali, ter grandes matérias. Então, é acordar e estar por dentro. Acordar e ler as notícias. O celular é ótimo, pois já está tudo na palma da mão. E a apuração jornalística que, em tempos de desinformação e fake news, é algo que parece clichê, mas é preciso dizer. você precisa ter apuração jornalística e saber o que está lendo, falando, escrevendo. A internet é boa, mas tem as cascas de banana. E boas fontes. Você só consegue boas apurações se tiver fontes confiáveis. Quem chegou não vai conseguir fontes “de cara”. Precisa ir conquistando a confiança e mostrando o trabalho. 

Entrevista Nota 10 - Como se configura a tua rotina como repórter?

Letícia Lima - Eu chego e confiro o que está na pauta da Assembleia Legislativa. Eu sou setorista. Cubro, todos os dias, as atividades na Assembleia Legislativa. Tenho que estar por dentro do que ocorre na AL aos olhos nus e nos bastidores. Eu atuo muito nos bastidores. É uma área onde me encontrei. Fujo do oficialesco. Quando chego, eu procuro me informar o que há na pauta e no site (da Assembleia Legislativa) já mostra quando há sessão. Eu vou para a AL, saio com uma equipe de TV e um fotógrafo. Na maioria das vezes, eu me divido entre acompanhar sessões e aquilo que os deputados estão fazendo nos bastidores. Mas, em geral, fico mais concentrada nos bastidores. E vou conversando com os deputados, puxando assuntos. No fim da manhã, depois de entrevistar alguns deputados e conversar com as minhas fontes, eu penso em uma pauta. O que pode surgir de pauta? Converso com meu editor e falo o que pensei. E, dependendo do que houver no dia, ele decide se será publicado no impresso no dia seguinte ou para o fim de semana. Isso, se eu estiver no impresso. Se for uma matéria para a televisão, já é outra rotina. Tenho que marcar as entrevistas com antecedência, pensar em texto para a passagem. 

Entrevista Nota 10 - Quais são os prazeres e as dores de ser repórter?

Letícia Lima - Vou começar pelos prazeres. Quando você apura uma informação e coloca com bastante detalhe, boas fontes e apuração, é um prazer. Quando as fontes já fazem parte da tua rotina e passam a informação, você mostra que está fazendo um trabalho legal. Eu acho um reconhecimento. É um prazer que temos. Pelo menos, eu na cobertura política. E quando você faz os furos! Para qualquer jornalista, o furo é prazeroso. E quando vê matéria repercutindo no online, com muitos acessos... E a matéria da televisão quando abre um telejornal, quando é um assunto importante para o dia. As dores são mais físicas. A crise da segurança tivemos dores físicas e mentais. Passar horas aguardando entrevista, sair correndo da Assembleia e indo para o quartel… Fiz uma matéria para o Jornal Hoje e foi adrenalina pura. Na minha breve carreira jornalística, eu nunca vi o coração palpitar como com essa matéria. Editores do Rio de Janeiro ligando, revisando textos comigo. Acabou que deu certo, mas foi adrenalina. 

Entrevista Nota 10 - Quem estava no mercado há mais tempo, sentiu muito toda a mudança que a convergência de mídias trouxe para o mercado. De repente, jornalistas que há anos só escreviam para o impresso, passaram a ter que fazer internet e rádio. Mas você se formou em 2016, quando as mídias já estavam muito convergentes, além de vir de uma geração tecnológica. Foi tranquilo para você esse novo modelo de trabalho? Novos jornalistas que estão chegando no mercado já estão chegando prontos?

Letícia Lima - Os novos jornalistas não chegam prontos. Não existe um treinamento para isso. Muitas vezes, nem dentro das próprias redações, pois falta tempo. Imagina na faculdade. Os professores já devem passar para os alunos o quanto eles devem estar preparados para as várias plataformas e devem estar bem antenados. Antigamente, nós falávamos que o jornalista escolheu impresso ou o jornalista escolheu televisão. E ficavam-se quinze ou vinte anos. Hoje, não podemos falar isso. Os novos jornalistas têm que saber que podem ter afinidade com um veículo, mas é bom que ele saiba escrever, que ele tenha a curiosidade de pegar um microfone e gravar podcast, e para a internet com familiaridade com a linguagem, e para a televisão com familiaridade com a linguagem. No começo, eu sofri quando comecei a fazer matéria de televisão, pois eu venho do impresso. Tive dificuldade de rodar a chave e fazer uma transição rápida, de uma linguagem rebuscada no impresso e popular na televisão. Enfrentei dificuldades, mas agora estou mais acostumada, consigo ser mais objetiva nas matérias de televisão. Eu falo que os novos jornalistas têm que estar preparados para atuar em várias plataformas. Se não fosse a redação integrada, eu não estaria tendo a experiência da televisão. Tem a grande vantagem de experimentar plataformas e descobrir talentos. E conhecer as pessoas. A interação entre os colegas é muito legal. 

Entrevista Nota 10 - A política ainda é uma área muito masculina, com baixíssima representatividade feminina, inclusive dentro do jornalismo. Ultimamente, temos visto falas de políticos que marcam o machismo que ainda existe na área. Como foi para você lidar com isso? Você sofreu algum preconceito por você ser mulher cobrindo editoria de política?

Letícia Lima - Nunca tive preconceito de fontes ou de agentes políticos. Mas teve uma situação que talvez tenha confundido o tratar bem. Mas não foi nada que tenha me agredido. No geral, eu sinto e posso atestar que, por ser um ambiente com muitos homens, redobra o nosso desafio de se firmar, de mostrar que temos capacidade e que estamos ali como profissionais - independente de gênero. Você mostra o trabalho, mostra as apurações. Você sendo transparente e um jornalista verdadeiro, acaba que os preconceitos caem por terra. 

Entrevista Nota 10 - Qual conselho você oferta para quem está entrando na graduação e para quem está terminando a graduação?

Letícia Lima - Eu falei várias vezes. A nova geração precisa ter zero comodismo e muita produtividade. Jornalistas que sejam bem informados. Na era da desinformação e quando todo mundo acha que pode escrever, se você tiver a informação correta e bem apurada, você sai na frente. Isso é primordial nos tempos de hoje. E o desprendimento. Saber que hoje pode estar em uma redação integrada e aceitar ter experiências em outras plataformas. E, se possível, dentro da faculdade, já começar a ter estas experiências. Esse é meu conselho: sejam proativos e bem informados.