null Entrevista Nota 10: Lira Neto e a arte de biografar

Seg, 30 Agosto 2021 14:40

Entrevista Nota 10: Lira Neto e a arte de biografar

Premiado jornalista e escritor detalha seu processo de criação à Universidade de Fortaleza


Jornalista e escritor, Lira Neto foi contemplado quatro vezes com o Prêmio Jabuti de Literatura (Foto: Divulgação)
Jornalista e escritor, Lira Neto foi contemplado quatro vezes com o Prêmio Jabuti de Literatura (Foto: Divulgação)

Quando falamos sobre o jornalista e escritor cearense Lira Neto, a palavra “pesquisar” ganha um novo significado: ele, que ganhou ganhou quatro vezes o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Biografia, a mais importante distinção do mercado editorial brasileiro, consolidou-se como um dos mais importantes biógrafos do Brasil. Por meio de suas detalhadas palavras e descobertas, o legado de nomes como do ex-presidente Getúlio Vargas, do escritor José de Alencar e da cantora Maysa ganhou forças para seguir vivo.

Hoje radicado em Portugal, onde cursa Doutorado em História pela Universidade do Porto, Lira não abandonou a escrita prolífica: autor de quinze livros, no início deste ano lançou a obra “Arrancados da terra”, que relata a jornada dos judeus sefarditas nas Américas. É a respeito do processo de pesquisa para a publicação que ele conversará com a Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, na próxima quinta-feira, 2 de setembro. 

Ao Entrevista Nota 10, Lira Neto compartilhou detalhes sobre sua trajetória profissional e o processo de criação por trás de grandes biografias. Leia na íntegra abaixo.

Entrevista Nota 10 - No próximo dia 2 de setembro, você conversará com estudantes da Universidade de Fortaleza sobre seu livro mais recente, “Arrancados da Terra”, lançado este ano; obra que trata a respeito dos pioneiros da comunidade judaica nas Américas. De onde veio sua motivação para pesquisar sobre este tema? Como o processo de investigação para ele se diferencia dos seus anteriores? 

Lira Neto - Sempre tive muito interesse pelo chamado “Brasil holandês”. No doutorado em História, cheguei a elaborar um projeto de pesquisa com o objetivo de investigar a “guerra de narrativas” presente nos textos da época, produzidos no calor da hora por luso-brasileiros, de um lado, e neerlandeses, de outro. Mas, enquanto mergulhava na bibliografia e nas fontes primárias, uma história paralela, a dos judeus sefarditas, me capturou. Decidi então partir para abordagem mais ampla, rastreando as origens dessas pessoas, desde as perseguições inquisitoriais na Península Ibérica, a rota de fuga para Amsterdã e a chegada ao Brasil, até o momento em que, depois da expulsão dos holandeses, eles são obrigados novamente a partir. Ao final, em vez de um trabalho acadêmico tradicional, preferi organizar a pesquisa, realizada em arquivos portugueses, espanhóis, brasileiros, holandeses e norte-americanos, em forma de narrativa. Foi a primeira vez que recuei tanto assim do ponto de vista cronológico. Constatei, infelizmente, que a história se revela incomodamente atual. Os discursos de ódio, o preconceito e a intolerância, temas centrais do livro, ainda são os grandes males contemporâneos.        
  
Entrevista Nota 10 - Como a sua experiência de revisor, repórter, editor e ombudsman em um veículo de imprensa colaborou com a sua transição para a carreira de escritor? Quais as principais dificuldades dessa mudança de trajetória? Alguma dica para quem quer ingressar na área? 

Lira Neto - Nunca deixei de ser essencialmente um repórter, um jornalista, atento à expressividade do detalhe e à necessidade de decodificar conteúdos complexos para um público não especializado. Minha trajetória acadêmica acabou me levando a transitar por outras áreas, como a semiótica e a história. Hoje, procuro conciliar o rigor metodológico no trato com as fontes documentais a um texto que continue a buscar essa interlocução com os leitores que estão para além dos muros das universidades. Do ponto de vista profissional, foi uma travessia natural e espontânea, não sem alguns inevitáveis percalços. Quanto a possíveis dicas para os que desejam ingressar na área, estou trabalhando em um livro exatamente como este propósito. O título provisório é “A arte da biografia: investigação e escritas criativas em narrativas de não ficção”.  

Entrevista Nota 10 - Desde Rodolfo Teófilo, cuja biografia foi publicada em 1999, até a saga dos judeus que partiram para as Américas em “Arrancados da Terra”, você desenvolveu algum modus operandi como biógrafo? Quanto tempo entre pesquisa, escrita e edição cada projeto demanda?

Lira Neto - São questões complexas, que irei abordar no livro ora em preparação. Cada pesquisa exige o seu próprio tempo de trabalho e impõe desafios específicos. Não é possível traçar uma regra e um cronograma único. Tudo vai depender da natureza do projeto, da disponibilidade das fontes arquivísticas, do recorte cronológico pretendido.  

Entrevista Nota 10 - Ganhador de quatro prêmios Jabuti de Literatura, você é considerado o mais importante biógrafo brasileiro em atividade. O gênero, entretanto, tem encontrado um espaço menor de discussão entre os novos estudantes de jornalismo. Na sua opinião, por “banalizar” o acesso rápido às informações sobre fatos e pessoas, a internet fortaleceu ou reduziu o interesse pela pesquisa aprofundada? As biografias precisaram se “reinventar” de alguma forma para captar leitores neste momento de enciclopédias virtuais?

Lira Neto - Penso que, ao contrário do que supõe a pergunta, o interesse pelo gênero biográfico e pela narrativa histórica só cresce entre os estudantes, não só de jornalismo, mas também de história e letras. Agora mesmo vou iniciar, na Universidade do Porto, em Portugal, uma primeira turma de um curso que irei ministrar sobre a investigação e a escrita de biografias. A procura tem sido bastante significativa. Mas, sem dúvida, o imediatismo das redes sociais provocou um rebaixamento geral do nível e da profundidade de leitura entre as novas gerações. Não creio que o remédio seja uma “reinvenção” para descer a patamares apelativos e superficiais. O que pode salvar o jornalismo e a literatura desse impasse é não tentar competir com tais mídias, mas tentar mostrar o vazio e a infantilização do discurso que elas promovem.

Entrevista Nota 10 - Após escrever sobre Getúlio Vargas, Padre Cícero, José de Alencar, Castello Branco e Maysa, você demonstrou interesse em biografar Edson Queiroz, fundador da Universidade de Fortaleza. Qual sua opinião sobre o legado de Edson? Podemos esperar uma obra a respeito dele em breve?

Lira Neto - Creio que Edson Queiroz é um personagem cuja trajetória oferece todos os ingredientes para uma boa biografia. É interessante, por exemplo, notar como ele soube compreender as mudanças trazidas pelas novas tecnologias, aproveitar-se delas e, no limite, acelerá-las. Aguardem. Em breve, poderei responder a esta última pergunta de modo mais objetivo.