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Ter, 29 Dezembro 2020 19:44

Entrevista Nota 10: Luis Carlos Prata e o poder da música

Maestro coordenador do Coral Unifor há quatro anos, o regente Luis Carlos Prata fala sobre como a música pode transformar vidas. Confira a entrevista completa.


Maestro trabalha há quase 40 anos no ramo musical e vê a arte como um instrumento de transformação social. (Foto: Lucas Barbosa)
Maestro trabalha há quase 40 anos no ramo musical e vê a arte como um instrumento de transformação social. (Foto: Lucas Barbosa)

“Eu acredito que a música na sociedade tem esse poder avassalador de ser um elemento de transformação e de educação social, cívica, física, religiosa, histórica e ideológica”. É o que afirma Luis Carlos Prata, regente do Coral da Universidade de Fortaleza ‒ instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz ‒, ao ser questionado sobre o papel da arte musical.

Formado em Música pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), o maestro trabalha há quase 40 anos no ramo e revela ter uma predestinação ao fazer artístico. Prata, que já foi professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da UECE, trabalhou boa parte de sua vida com coros corporativos e de instituições sociais e de ensino, assumindo a coordenação do Coral Unifor em 2016.

Em depoimento à Entrevista Nota 10, o regente compartilha suas experiências profissionais ao contar parte de sua trajetória com a música, falando ainda sobre o poder transformador da música e os desafios de ensaiar durante a pandemia em 2020.

Confira a entrevista na íntegra.

Unifor Notícias: Maestro, como começou a sua trajetória com a música? Foi uma escolha natural seguir esse caminho?

Maestro Prata: A minha relação com a música é meio que predestinada, pois a minha espiritualidade me faz crer que fazemos escolhas quando a gente vem pra cá [mundo]. Desde pequeno eu sempre me identifiquei muito com esse fazer artístico. A música, em especial a coral, foi-me apresentada pelo meu amigo Elvis Matos, que também é regente. Sabendo do meu gosto pela música, da minha vontade de cantar e do meu envolvimento com atividades artísticas ‒ eu era bailarino clássico na época ‒, ele me convidou para fazer parte do coral da Universidade Federal do Ceará (UFC). Demorou algum tempo para que eu aceitasse o convite, até que fui apresentado ao grupo da UFC no Parque do Cocó. Deparei-me com eles cantando música popular brasileira, um coral super jovem com uma proposta totalmente despojada, sem becas, sem pastas, cantando com o corpo inteiro. Aquilo me tocou muito, achei muito legal e pensei que seria interessante fazer parte de uma história daquelas.

Não demorou muito tempo para que fosse criado o Coral do Povo, da Fundação Demócrito Rocha, para o qual eu me inscrevi e fui selecionado. Ali começava, realmente, a minha carreira musical. No ano seguinte comecei a fazer cursos de qualificação e em 1986 eu já estava trabalhando em um projeto de multiplicação de coros dentro do Coral da UFC, sob a orientação e regência da professora Izaíra Silvino. Não demorou muito para que eu começasse a trabalhar na cidade como preparador vocal de alguns corais.

Resolvi realmente abraçar a música como profissão e entrei em 1990 para o curso de Música na Universidade Estadual do Ceará (UECE), o único que tinha na cidade à época. Simultaneamente, eu já comecei a reger coros em Fortaleza e não parei mais. Desde esse tempo até hoje, tem sido minha vida profissional trabalhar com coros corporativos, de instituições sociais e de ensino. 

Unifor Notícias: Conhecida como primeira arte, a música é capaz de impactar e transformar cada pessoa de maneira única. Para você, qual o significado e o papel dessa expressão artística dentro da sociedade?

Maestro Prata: A música na sociedade tem um papel muito importante e relevante. A gente sabe que a música é um veículo de transformação, como toda atividade artística. Então, no fazer musical, você consegue aglutinar atividades que são consideradas multidisciplinares no que diz respeito à educação. O simples ato de fazer música ‒ seja compondo, tocando, cantando, individual, coletivamente ‒ suscita um ato político. Não é um ato isolado jamais, mesmo quando você toca sozinho, existe uma compartida de você para com o instrumento e para quem vai ouvir o que você está tocando. Esse compartilhamento é que se perfaz em um ato político porque você acaba envolvendo outras pessoas.

Para mim, ela tem um poder fortíssimo de transformar, de instruir, de educar, de fazer com que a sociedade se torne mais crítica. A música consegue evocar sentimentos dos mais diversos: pode ser uma cantiga de trabalho, uma de luta, de sonho, de batalha, de colheita. Você reúne várias facetas no fazer musical e consegue transformar mentalidades e conceitos, reedificar critérios através do poder da música. Não é à toa que hoje estão em voga tantos projetos sociais que se utilizam do fazer musical para educar e instruir crianças e tirá-las dos meios mais arriscados como drogas e marginalização. Então, eu acredito que a música na sociedade tem esse poder avassalador de ser um elemento de transformação e de educação social, cívica, física, religiosa, histórica e ideológica.

Unifor Notícias: A Fundação Edson Queiroz é conhecida pelo seu histórico de investimento em arte e cultura ao longo de sua existência, como a criação e manutenção do Coral da Universidade de Fortaleza, no qual você é regente. De que modo sua história cruzou caminhos com a Unifor e como tem sido a experiência de fazer parte de tal iniciativa?

Maestro Prata: A minha história se cruza com a da Universidade de Fortaleza através da minha amiga Valéria Vieira, que foi a pessoa que me precedeu na regência do Coral Unifor. Ela foi para Goiânia fazer mestrado e me perguntou se eu gostaria de assumir seu lugar, pois confiava muito no meu trabalho e nos conhecíamos há muito tempo. Valéria me indicou para a coordenação, passei por uma avaliação e comecei a reger o Coral Unifor em 2016.

É uma oportunidade que eu considero muito significativa porque eu sempre tive vontade de reger um coro onde eu tivesse mais possibilidades de trabalhar a questão da qualidade musical por excelência. Aqui eu tenho a possibilidade de realizar um repertório bem mais rebuscado, tanto técnica quanto esteticamente, por isso é tão significativo. Também existe a questão do status: você dizer que é regente do Coral da Universidade de Fortaleza realmente enche os olhos e o coração no peito, além de abrir portas. Tenho muito orgulho e muita honra de fazer parte como regente do coro.

Unifor Notícias: Tendo participado de outras ações ligadas a um contexto pedagógico ao longo de sua carreira, além de participar atualmente de grupo gerido por uma instituição de ensino, como você percebe a importância da relação entre arte e educação?

Maestro Prata: A relação arte e educação é uma relação bem estreita porque, na verdade, o fazer artístico complementa o fazer educacional. A música, como toda atividade artística, consegue reunir aspectos significativos diversos por ser multidisciplinar. Então, eu percebo que a atividade artística ‒ o ato artístico, a arte em si ‒, ela consegue aglutinar todos os princípios didático-pedagógicos que um fazer educacional encerra.

A arte sempre esteve presente em todas as culturas. Não existe uma só cultura humana que não tenha um fazer artístico e não existe uma só cultura humana que não tenha se utilizado dessa mesma arte em seus modelos educacionais. Malgrado destino que algumas sociedades, não tão desenvolvidas quanto deveriam ser, não desenvolvam esses pensamentos.

Unifor Notícias: Chegar ao cabo de 2020, um ano marcado pela pandemia e outros tantos desafios, traz uma nova perspectiva para este momento de festas de fim ano ao celebrarmos a vida e a chegada de um novo ciclo. O Coral fez algumas apresentações nessa jornada: uma virtualmente no início do ano e outras de Natal nas últimas semanas. Como tem sido ensaiar e realizar as apresentações neste momento no qual estamos vivendo?

Maestro Prata: Esse ano foi um ano atípico para todo mundo. Nós tivemos de nos reinventar, tivemos de aprender a sermos diferentes, a pensarmos diferentes e agirmos diferentes. O Coral Unifor não foi exceção a essa regra. Tivemos que aprender a fazer os vídeos coletivos à distância porque descobrimos que não era possível fazer os ensaios online mesmo com o avanço das tecnologias modernas que dispomos. Fazer música à distância ainda é muito complicado.

O que os estudiosos chamam de latência que impede a simultaneidade da ação musical. Ou seja, quando você toca um instrumento na sua casa, na minha o som chega com um pouco de atraso. Essa latência impede a ação musical em sincronia e simultaneidade e, quando percebemos isso, tivemos que aprender a fazer um ensaio diferente onde cada cantor teria que dispor de um playback da música que estava sendo ensaiada para que fizesse sua apresentação individual à distância.

Ficamos mais distantes por conta da pandemia, mas, ao mesmo tempo, mais próximos, mesmo que virtualmente. Vivemos alguns prejuízos com relação a ausência de técnica vocal que não podia ser realizada coletivamente, mas também tivemos ganhos: os cantores passaram a ter uma performance mais desenvolta. Foi, na verdade, um grande aprendizado.