null Entrevista Nota 10: Marina Solon e o impacto social da pesquisa na área de comunicação

Seg, 7 Março 2022 15:15

Entrevista Nota 10: Marina Solon e o impacto social da pesquisa na área de comunicação

Jornalista e pesquisadora ressalta a importância do debate sobre as relações de gênero e a distribuição de poder


Jornalista Marina Solon pesquisa temáticas como mídias alternativas, redes sociais, e movimentos feministas (Foto: Acervo pessoal)
Jornalista Marina Solon pesquisa temáticas como mídias alternativas, redes sociais, e movimentos feministas (Foto: Acervo pessoal)

Graduada em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza, a pesquisadora Marina Solon dedica sua jornada profissional à reflexão sobre os processos comunicacionais. Mestra e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/UFC), temas como mídia, desigualdade de gênero, movimentos feministas e combate à violência doméstica guiam sua produção científica. 

Para Marina, compartilhar o saber e ir além da teoria é tarefa indispensável. Por isso, criou o curso online “Estudos Feministas: Por Onde Começar”, momento de troca com alunas e alunos no qual aborda a construção do pensamento feminista e lança o desafio de levar os conhecimentos para a vida cotidiana. 

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, a pesquisadora aborda a relação entre mídias sociais e violência contra a mulher, destaca o papel do ciberativismo e fala ainda sobre a atuação da imprensa ao longo da História. Leia na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Marina, como a formação em Jornalismo despertou seu desejo em se tornar pesquisadora? 

Marina Solon - Meu desejo de construir um caminho na pesquisa veio após seis anos trabalhando exclusivamente no mercado de trabalho. Fui repórter, editora, assessora, analista de mídias sociais digitais e fui muito feliz até o dia em que fui triste. Mais do que executar, eu queria refletir sobre os processos comunicacionais em que estava inserida. Foi então que lembrei de um conselho que recebi ainda na graduação, de uma professora muito querida que orientou meu trabalho de conclusão de curso, e na época chamou atenção para o que ela considerou uma desenvoltura natural com as questões acadêmicas. Na época, preferi seguir no mercado que já estava inserida como estagiária, mas uns anos depois o conselho fez todo sentido, e me inscrevi na seleção do mestrado em comunicação.

Entrevista Nota 10 - E como foi construído seu interesse em estudar temas como movimentos feministas, estudos de gênero, racismo e branquitude? Surgiu a partir de alguma demanda específica? 

Marina Solon - Quando engravidei da minha filha, Carolina, senti medo e inquietação pela responsabilidade de conduzir uma mulher em um mundo tão sexista e hostil. Comecei a estudar primeiramente para compreender mais sobre a condição das mulheres no mundo e me preparar para o desafio pessoal que me aguardava. Mas os estudos foram tomando uma proporção maior e esse acúmulo de leituras se somou à minha insatisfação com meu momento profissional quando retornei da licença maternidade. Foi aí que pensei em convergir os dois interesses, comunicação e feminismos, e escrevi um projeto de pesquisa para a seleção do Mestrado. O projeto foi aprovado e as questões de raça me atravessaram já no curso da pesquisa. Olhando para o contexto brasileiro, vi que é impossível falar de mulheres sem levar em consideração os marcadores de raça, que apontam as mulheres negras como massivamente mais vulneráveis na sociedade. Essa questão se expandiu tanto na pesquisa que sobrou da dissertação e me conduziu a um projeto para o doutorado e fui aprovada logo em sequência à defesa da minha dissertação de mestrado.

Entrevista Nota 10 - Você ministra o curso online “Estudos Feministas: Por Onde Começar”. Como tem sido essa experiência, e na sua avaliação, qual é a importância de trazermos cada vez mais o feminismo para o debate público? 

Marina Solon - O curso tem sido uma troca muito rica. Ano passado foram quatro turmas de um público diverso não formado apenas por mulheres, mas de muitas pessoas dispostas a entender o seu papel nesse contexto. Os feminismos são importantes no debate público porque não versam apenas sobre teoria. Eles nascem da prática política e estão alinhados a ela o tempo inteiro. O curso é teórico, falamos muito sobre a construção do pensamento feminista em diversas autoras, mas também lanço o desafio de levarmos esse conhecimento para nossas vivências cotidianas, de forma a transformar a realidade em que estamos. Não é um curso que exclui homens, eles são muito bem vindos e convidados a compreender como podem ser aliados nessa luta.

Entrevista Nota 10 - Marina, qual é a relação entre as redes sociais e a violência contra a mulher? 

Marina Solon - As redes sociais podem ser canais de informação e mobilização para as mulheres que estão em situação de violência. São meios muito utilizados pelas pessoas o tempo inteiro e são ferramentas de militância dos ativismos políticos. Na minha pesquisa durante o mestrado desenvolvi um estudo exatamente sobre o Instagram como uma plataforma possível de combate à violência doméstica. Ela está disponível no repositório institucional da UFC pra quem tiver interesse na leitura.

Entrevista Nota 10 - E qual o papel do ciberativismo no combate a esse tipo de violência?

Marina solon - O ativismo digital é um meio, não um fim em si mesmo. Ele atua como braço de auxílio em uma questão que é extremamente complexa, que tem amparo legal garantido pelo Estado, e pode ser canal de informação e acolhimento nesses casos. Muitas vezes o acesso às delegacias da mulher é distante e hostil, então as redes sociais podem ser espaço de conscientização da problemática e do que pode ser feito para solucionar. Não finda a questão porque necessita que as mulheres efetivamente saiam do virtual para a realidade offline, mas pode encurtar distâncias e fornecer suportes importantes.

Entrevista Nota 10 - Ao longo da história, como a imprensa tem se posicionado na abordagem dessa temática? A mulher tem sido retratada de uma forma diferente, na atualidade? 

Marina Solon - A imprensa tem papel fundamental porque é o canal por onde a sociedade mais tem acesso a informações de confiança. Durante muito tempo ela foi pragmática, ensinando às mulheres a ligar para os números oficiais de ajuda, como o 180, que é a Central de Atendimento à Mulher. Mas a imprensa precisa ir além disso e colocar em debate que a violência atinge às mulheres porque a sociedade se estrutura em uma relação desigual de poder, onde homens são privilegiados com uma autoridade desmedida enquanto a elas cabe um lugar de submissão e docilidade. Repensar essas relações e orientar um caminho de igualdade entre os gêneros vai na raiz da violência e não trata apenas os casos aberrantes, quando as mulheres já estão em situação onde foi imposta força física, psicológica, patrimonial. Esse retrato da mulher na imprensa tem se modificado, já foi muito mais caricato e estereotipado, colocando as mulheres sempre em espaços privados e em posições de cuidado e submissão. Mas ainda temos um longo caminho nessa ordenação do imaginário social sobre o que é "coisa de mulher". Ainda temos muito a figura da mulher "bela, recatada e do lar" como modelo imposto como ideal.

Entrevista Nota 10 - Como estudiosa, o que é preciso para que esse cenário de violência mude? 

Marina Solon - É preciso repensar as relações de gênero e a distribuição de poder. A violência nasce da desigualdade de poder. Enquanto aos homens for dada supremacia diante das mulheres a ponto de muitos deles terem elas como propriedade, a violência seguirá existindo. É preciso reconduzir, alinhar as posições sociais de homens e mulheres ao mesmo patamar. É essa a proposta de sociedade que os feminismos têm. 

Entrevista Nota 10 - Para finalizar, poderia indicar obras que você considere fundamentais para quem deseja entender melhor o feminismo? 

Marina Solon - A teoria feminista é vasta, sempre em construção, e costumo dizer que os feminismos são estudos de vida toda. Ler e reler essa bagagem teórica é importante para compreender esse tecido social em que vivemos. Eu indico sempre que se comece pela obra da bell hooks, uma pensadora feminista que tem o texto bastante acessível e um livro de entrada chamado "O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras". Gosto muito também do trabalho da Lélia González, uma teórica brasileira que pensa os atravessamentos de raça e classe social na vida das mulheres e tem um livro muito importante chamado "Por um feminismo afrolatinoamericano". E indico por fim um livro que é um compilado de textos de várias autoras de diversas nacionalidades, que mapeia a base dos feminismos e tem a organização muito competente da Heloísa Buarque de Hollanda. Se chama "Pensamento feminista: conceitos fundamentais".