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Seg, 29 Outubro 2018 16:39

Entrevista Nota 10: Por um DNA feminino na gestão pós-digital

Publicitário e administrador de empresas com MBA na Universidade da Califórnia, Walter Longo concedeu entrevista antes de sua palestra na Unifor. Foto: Ares Soares.
Publicitário e administrador de empresas com MBA na Universidade da Califórnia, Walter Longo concedeu entrevista antes de sua palestra na Unifor. Foto: Ares Soares.

A gestão na era pós-digital requer DNA feminino. A afirmação, acompanhada de explicações antropológicas, é de Walter Longo, publicitário e administrador de empresas com MBA na Universidade da Califórnia e que esteve recentemente na Universidade de Fortaleza (Unifor) para falar sobre o tema para alunos dos cursos do Centro de Ciências de Comunicação e Gestão (CCG).

Segundo ele, enquanto os homens têm alma analógica, as mulheres são muito mais digitais. Enfático na defesa de sua tese, Walter Longo afirma que a transformação de uma empresa analógica em digital passa necessariamente pelas mulheres: “todo o arquétipo, os comportamentos e as qualidades femininas parecem ser muito mais aptas a aproveitar tudo o que a tecnologia e o mundo digital trazem hoje do que o homem”.

Confira esta e outras ideias de Walter Longo na entrevista a seguir, concedida antes de sua palestra na Unifor.

Do ponto de vista da gestão empresarial, o que caracteriza a era pós-digital?

Ela é caracterizada pela enorme mudança do ambiente competitivo onde nós hoje estamos inseridos. Essa é a principal característica. A era pós-digital trouxe algumas mudanças na gestão das empresas. A primeira coisa que acontece na era pós-digital é que nós entramos no momento do efêmero. Hoje as coisas são muito mais rápidas, mudam muito mais rapidamente e nós vamos precisar ser muito mais adaptáveis, muito mais flexíveis do que nós éramos antes. Fazer plano para uma empresa até hoje era uma espécie de GPS. Eu falava assim: “estou aqui, eu quero chegar lá e esse é o caminho”. Agora é o Waze. Não é mais GPS. Ou seja: eu estou aqui, eu quero chegar lá, mas eu não tenho a menor ideia de como eu vou chegar. O percurso vai alterando o tempo inteiro.

Então no momento de efemeridade como esse, empresas não morrem por fazer coisas erradas, elas morrem por fazer a coisa certa por um tempo longo demais. Ou seja: nós vamos precisar daqui para frente entender que a gente mexe em time que está ganhando e que a gente revisa paradigmas o tempo inteiro. Enfim, a gente está constantemente alterando nossa gestão para ir se adaptando às mudanças que estão ocorrendo numa velocidade que nunca existiu antes. Se antes nós tínhamos que andar para não ficar no lugar, agora nós temos que correr para não sair do lugar porque se você não correr, você vai ficar para trás. Isso para a maioria dos gestores é contraintuitivo. As pessoas não têm essa capacidade de mudança tão grande.

A segunda característica desse novo momento pós-digital é que nós vamos ter uma era onde máquinas e homens trabalharão juntos, onde a inteligência artificial vai se somar à inteligência humana e nós teremos um ser, que é o ser humano, com inteligência aumentada. Todos nós viraremos “super-homens”, com capacidade 100 vezes maior de fazer o que a gente quiser em relação ao que a gente tinha antes. E aí vem a grande pergunta: como liderar esses super-homens ou super-mulheres? Como dar a eles motivação? Como gerar causas? Como gerar ambição nessas pessoas? Então os aspectos de recursos humanos serão altamente afetados por uma nova geração que está aí, que são os milênios, que não querem mais consumir como antigamente, não querem trabalhar tanto como nós queríamos antes. Então como é que nós vamos gerar nessa nova geração o senso de missão, de obrigação, de responsabilidade que nós tínhamos antes? Tem uma série de mudanças como essa que vão exigir dos gestores de hoje uma capacidade de dividir seu tempo com sabedoria entre pendência e tendência. Isso é o que faz o bom gestor. É olhar para hoje o que eu tenho que fazer, mas olhar para o amanhã, para onde está indo o meu negócio. Pessoas que não tiverem essa capacidade de dividir seu tempo entre pendência e tendência, e ficarem mais preocupados no fim do mês do que com o fim do mundo, não vão sobreviver.

Esses seriam os maiores desafios da gestão na era pós-digital?

Eu acho que sim. A efemeridade e a mudança constante, associados a uma nova geração que não tem mais os mesmos objetivos de gerações anteriores, transformam a gestão em um gigantesco desafio. 

Qual o perfil do profissional da administração na era pós-digital?

Nós temos até hoje criado e educado as gerações muito mais para resolver problemas. Ou seja, o profissional de administração competente até hoje é aquele que, ao chegar de manhã no escritório, encontra a caixa de entrada da mesa dele cheia. Ele processa tudo aquilo com muita competência e ao final do dia ele deixa a caixa de saída cheia. Daqui para frente, o profissional de administração vai ter que ser aquele que enche a caixa de entrada e não apenas aquele que processa da caixa de entrada para a caixa de saída. Ele terá que gerar desafios, e trazer constantemente novos desafios para a sua equipe, liderando a equipe em busca das soluções. Então, a capacidade de empreendedora tem que ser muito mais valorizada, independente se você é um empreendedor dono do seu negócio ou um administrador do negócio de alguém, a missão empreendedora tem que existir. E hoje existe a figura do intraempreendedor, que nada mais é do que o administrador de uma empresa que tem uma característica empreendedora e que está constantemente inovando, questionando, criando desafios para que sua equipe resolva e vá evoluindo.

Quais as empresas que vêm se destacando no mercado pós-digital no Brasil e no mundo?

Hoje, as empresas que mais se destacam nessa forma inovadora de gerir negócios acabam sendo as empresas de tecnologia, como Google, Microsoft, etc., mas no fundo isso não é verdade. Elas aparecem mais, mas tem um monte de empresa hoje bastante grandes e bastante tradicionais que estão entrando nessa nova era com essa cabeça. O Banco Itaú é um bom exemplo disso. Votorantim que hoje parece uma empresa antiga, tradicional, está inovando muito, criando centros de excelência, criando laboratórios de inovação. Ou seja, tem muita empresa hoje no Brasil que está se adaptando.

Uma coisa importante é que o empreendedor ou gestor brasileiro é muito mais aberto à mudança do que os empreendedores da Europa ou dos Estados Unidos. Nós tivemos uma vida tão difícil baseado na nossa intuição, sem estatística, sem dados confiáveis, com inflação de 80%, que nós nos acostumamos a um ambiente muito mais inóspito e por isso somos muito mais adaptáveis, muito mais flexíveis do que a maioria dos outros gestores do mundo. Então o brasileiro tem uma capacidade de inovação e de aceitar novas tendências muito maior do que outros povos, isso é uma vantagem.

Como desenvolver uma “alma digital” nas organizações com DNA e cultura analógicos?

A primeira coisa é entender que não se trata de uma revolução tecnológica e sim de uma revolução humana. O que vai mudar é o nosso cérebro e não as máquinas. Segunda coisa que eu sugiro é colocar mulheres no comando das empresas. Mulheres são mais digitais e homens são mais analógicos. Mulheres são mais colaborativas, homens disputam mais o poder. Mulheres estão acostumadas a trabalhar de maneira matricial, homens só trabalham de maneira hierárquica. Mulher é multitarefa, homem é monotarefa. Então, assim, nós não vamos conseguir transformar a alma de uma empresa em digital se não tivermos mulheres na liderança dessas empresas e isso é uma mudança que, se não fizermos logo, depois vamos ter que correr atrás do prejuízo.

Você já observa essa realidade no Brasil?

Eu noto isso em todos os lugares. Nós temos hoje uma quantidade de mulheres trabalhando até maior do que homem e eu não estou falando apenas de trabalho, estou falando de liderança da empresa, de definição de como gerir um negócio. Homem disputa poder, homem não pensa em colaborar com o seu concorrente, com seu cliente ou com seu fornecedor, é sempre “isso é meu e aquilo é dele”. A mulher é o contrário, isso é ancestral, antropológico. A mulher vivia dentro da caverna com outras mulheres dividindo tarefas, uma cuidando do filho das outras, fazendo coisas juntas e, portanto, dividindo seus problemas, suas necessidades e suas ambições. O homem saía para caçar e era cada um por si e Deus por todos. Desde os tempos ancestrais, o homem está para disputar poder, jamais para colaborar. Dentro dessa visão, os homens que não disputavam poder não trouxeram a caça para casa e morreram de fome. As mulheres que não colaboravam eram expulsas da caverna e o “bicho comia”. Mulher consegue ver muito mais. Enquanto a mulher tem uma visão de 360°, o homem tem uma visão mais focada; homem não acha meia na gaveta; mulher consegue ver tudo ao mesmo tempo; mulher consegue falar cinco temas ao mesmo tempo; eu não consigo. Eu para ler o mapa, tenho que desligar o rádio. Por quê? Porque na caverna ela tinha que estar de olho na criança, na plantação, na caverna para não abrir, olhava tudo na penumbra, já o homem tinha foco só na distância para ver a caça. Homem fala pouco, mulher fala muito, enquanto a mulher fala 8 mil palavras por dia, homem fala 4 mil. Mas por quê isso é assim? Porque dentro da caverna tinha que falar muito para os bichos não entrarem, para parecer que tinha muita gente. Já os homens que saíam para caçar tinham que ficar em silêncio senão espantava a caça. Então homem que falava muito não procriou e não trouxe descendentes e mulher que falava pouco, os bichos entraram na caverna comeram e também não deixou descendentes.

Então tudo isso traz como resultado o seguinte: todo o arquétipo, os comportamentos e as qualidades femininas parecem ser muito mais aptas a aproveitar tudo o que a tecnologia e o mundo digital trazem hoje do que o homem. Logo, a gente tem que, ou adquirir essas qualidades e esse DNA feminino ou colocá-las no poder, fazer com que elas tomem as grandes decisões, definam as hierarquias, as estruturas, pois elas são mais digitais que nós.

As empresas no Brasil já estão abertas para, de forma colaborativa com seus clientes, desenvolver um sistema de co-participação por resultados ou projetos de sucesso?

Estão bastante abertas sim, aliás, tem coisas acontecendo no mercado que são muito interessantes. Hoje, o Estadão e a Folha dividem o caminhão para a entrega do jornal. Isso seria impensável há algum tempo atrás, eles brigavam pra vem quem entregava antes para o jornaleiro. Tenho a impressão de que sim. As empresas brasileiras entenderam e a crise ajuda muito isso porque é no momento de crise que você para, reflete e fala: “eu tenho que tomar uma decisão, do jeito que está eu não vou aguentar”. A melhor forma de quebrar paradigmas é a crise. A crise é o momento em que as pessoas repensam os negócios. Então eu tenho a impressão de que os últimos anos de profunda crise deram às empresas do Brasil a visão de que elas tinham que revisar totalmente o seu modus operandi e atuação. Eles estão cada vez mais abertos a sistemas colaborativos, basta ver que esse assunto de coworking, que é um lugar onde todo mundo vai trabalhar junto, era algo impensável até dez anos atrás e hoje é uma coisa comum. Antigamente, eu queria ter a minha sede, e hoje eu vou na iWork e eles põem tudo para mim, eu uso durante um tempo, quando eu quero, eu mudo para outro lugar, então é tudo mais efêmero, tudo muito mais rápido, tudo muito mais mutante e eu acho que as empresas já estão aceitando isso. Grande parte da velocidade de aceitação tem a ver com a profunda crise que o Brasil entrou. 

Na velocidade com que o uso da tecnologia tem aproximado as indústrias dos consumidores, como o senhor vê o futuro do varejo tradicional em lojas físicas, hoje ainda o principal canal de venda da maioria dos produtos?

Até pouco tempo atrás, a gente discutia se o mundo ia ser ON ou OFF, depois chegamos a uma conclusão de que ele teria que ser ON e OFF, agora, a conclusão nossa é que ele tem que ser “ONOFF”. Ou seja, que elas vão conviver em pé de igualdade com o digital e o analógico. Muitas vezes eu vou comprar um negócio na internet e retirar na loja, muitas vezes eu vou à loja, não tem o meu tamanho e eu já peço lá e quando eu chego em casa e o produto está lá… O analógico e o digital vão ser uma coisa só, então tem empresas ainda que você compra uma coisa pela internet e quer devolver na loja e eles falam que não pode devolver na loja porque é um outro departamento. O “ONOFF” é o nome do jogo.

Outra mudança é que as empresas de varejo vão ter que adaptar os pontos de venda para serem experiências. Se eu pegar um supermercado, por exemplo, não faz nenhum sentido eu comprar sabão em pó num supermercado, não há prazer, não há experiência quanto a isso, mas provavelmente na hora de comprar um azeite eu vou querer experimentar, ver os sabores, ver os formatos. Então as lojas físicas, provavelmente, serão locais de experiências, de experimentação e outros produtos que eu compre rotineiramente e que não há experiência ou prazer vai tudo para o digital. Ninguém vai mais para uma loja e carregar aquele monte de coisa para o carro, mas tudo que são experiências e produtos novos vão continuar no varejo físico e nós teremos cada vez mais uma sociedade high tech e high touch. Ou seja, essa vai ser a nova dualidade.

Na usa opinião, qual o futuro da mídia impressa?

Se você olhar hoje o que está acontecendo na mídia impressa, ela não está morrendo, ela está se suicidando. Porque ao ver que havia uma preferência das pessoas pelo digital, ela começou a fazer no impresso uma comunicação cada vez mais resumida, juniorizada nas suas redações, rápida nas suas informações, sem nenhuma análise, sem nenhum aprofundamento e isso é a morte da mídia impressa porque todos nós temos três formas de curiosidade: a curiosidade diversiva, que é uma curiosidade absolutamente genérica e superficial, que nos dá uma sensação de segurança. Com ela, eu só quero saber quem ganhou o Big Brother, como foi o jogo, se vai chover, coisas mais genéricas possíveis. Depois a gente tem uma segunda curiosidade, que é a curiosidade empática, que é a nossa curiosidade sobre pessoas: como a Mariana Rui Barbosa casou, quem se divorciou, quem foi promovido, quem foi demitido, esse tipo de curiosidade. E tem um terceiro tipo de curiosidade, que é uma curiosidade mais profunda. Essa curiosidade abrange o por quê que as coisas acontecem, o que vai acontecer no futuro, qual a consequência daquilo.

A mídia impressa, até pouco tempo atrás, respondia os três tipos de curiosidade. A primeira, foi para o timeline do Facebook. Você entra no Facebook e sabe em 10 minutos o que aconteceu. A segunda foi para o Instagram. Se eu quero saber o que aconteceu com as pessoas, o que elas comeram, quem casou com quem, quem está namorando quem, eu vou lá e vejo isso tudo. Sobrou para a mídia impressa a curiosidade epistêmica, que é essa curiosidade mais profunda, mais analítica. Só que a mídia impressa está no sentido contrário. Está ficando cada vez menos profunda e mais rasa, ela está se matando. Acho que há um grande espaço ainda para a mídia impressa ser a dominação da curiosidade epistêmica. Todo mundo que quiser saber mais sobre alguma coisa vai para a mídia impressa, mas hoje eu não estou conseguindo, estou indo para a mídia impressa e não estou recebendo mais. Se um avião cair no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, nada substitui o digital. Mas a pergunta é: por que aviões caem? Foi problema da pista ou do piloto? Quais as formas que a empresa pode evitar a queda? Então todo esse assunto mais aprofundado é só para a mídia impressa. Ninguém lê num celular mais que 20 vinte linhas. As pessoas viraram uns scanners humanos, nós não estamos lendo. Na mídia impressa, a gente tem 6,5 vezes mais capacidade de apreensão e compreensão do que na mídia digital. Então tudo que você quiser estudar, se aprofundar, tem que ser no papel. Você não consegue na tela. A razão disso é que ler é uma dupla decodificação, você vê aquelas formas que depois, quando chega no cérebro, isso se transforma em algum sentido, tanto que quando você lê uma coisa num livro ou numa revista e quer lembrar de algo, você lembra se era em cima à esquerda ou embaixo à direita, no começo ou no fim do livro. Você tem uma relação física com a informação. No timeline você não sabe. Tanto é que os iPads estão saindo das escolas dos Estados Unidos e estão voltando os livros, só que a imprensa no Brasil ainda não entendeu isso. Que não cabe ao jornal no dia seguinte à vitória do Bolsonaro dizer que o Bolsonaro venceu a eleição, isso a pessoa já vai saber no dia anterior. Cabe ao jornal impresso explicar por quê essa guinada à direita, o que aconteceu na mudança de comportamento dos eleitores. Esse aprofundamento eu não vou ter no digital. O desafio da mídia impressa é focar cada vez mais epistêmica, aprofundar suas análises e servir de concierge da informação, separando a verdade da mentira, o que é válido do que não é válido, o relevante do irrelevante.