Entrevista Nota 10: Rose Mary Lopes e as possibilidades e desafios do empreendedorismo

seg, 11 abril 2022 10:36

Entrevista Nota 10: Rose Mary Lopes e as possibilidades e desafios do empreendedorismo

Vice-presidente da ANEGEPE (Associação Nacional de Estudos de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas) destaca a importância do amplo conhecimento para os empreendedores 


Rose Mary Lopes é vice-presidente da ANEGEPE e doutora em Psicologia Social (Foto: Camilla Marques Lucas)
Rose Mary Lopes é vice-presidente da ANEGEPE e doutora em Psicologia Social (Foto: Camilla Marques Lucas)

Identificar oportunidades para oferecer soluções é força motriz do empreendedorismo. De acordo com Rose Mary Lopes, vice-presidente da ANEGEPE, compreender esse fenômeno é uma tarefa complexa, mas também fonte de possibilidades diversas para quem sonha em ter seu próprio negócio. 

Doutora em Psicologia Social pela USP, sua vasta produção científica está voltada para a educação empreendedora, tendo publicado os livros “Ensino de Empreendedorismo no Brasil: Panorama, tendências e melhores práticas” e “Educação Empreendedora: Conceitos, Modelos e Práticas”. 

Com exclusividade ao Entrevista Nota 10, ela fala sobre os novos paradigmas no campo do empreendedorismo, aborda os desafios do mercado brasileiro e fala ainda sobre como a teoria empreendedora auxilia a prática. Leia na íntegra: 

Entrevista Nota 10 - Professora, a senhora é Doutora em Psicologia e tem vasta experiência na área de empreendedorismo. Como esses campos do conhecimento convergem e, neste sentido, qual é a importância do saber multidisciplinar na atualidade? 

Rose Mary Lopes - O empreendedorismo é um fenômeno extremamente complexo, como todos os fenômenos sociais. Mas especialmente na área social, em que a gente não tem métricas precisas, eles são realmente complexos. Então, para iluminar e tentar compreender esse fenômenos, na verdade, se debruçam sobre ele várias áreas de conhecimento tentando agregar. A psicologia é uma dessas áreas e contribuem para o entendimento do empreendedorismo, do comportamento empreendedor, das motivações, características ou competências que são colocadas em ação quando alguém empreende, ou seja, durante o processo empreendedor. Eu diria que o processo empreendedor precisa ser visto de uma forma multidisciplinar, não é somente a economia que pode dizer o que é, tampouco a psicologia, a sociologia ou qualquer outra área do conhecimento. Isso é necessário para que a gente consiga abarcar um pouco melhor os fenômenos. 

Entrevista Nota 10 - Ao longo dos últimos anos, como a “mente empreendedora” mudou? Poderia destacar o surgimento de novos comportamentos e novas formas de pensar?

Rose Mary Lopes - Essa pergunta é importante e complexa. Eu não sei se foi exatamente a mente empreendedora que mudou porque, veja, nós temos empreendedores ao longo da história da humanidade. O que pode mudar talvez seja a forma inclusive de nominar e de batizar esses fenômenos. Não é verdade que a gente só tem empreendedores do século XX para cá. Temos iniciativas pioneiras, importantes, que mudaram o curso da humanidade ou que ofereceram recursos, serviços e produtos ao longo da nossa história. Nós temos novas contribuições, novos paradigmas, ou seja, novas formas de encarar.

Eu poderia agregar os três grandes paradigmas atuais, que são: o paradigma da causação, que entende esse processo como racional e linear, em que você procura investigar e levantar informações sobre um suposto mercado, definindo possibilidades de entrada, objetivos e daí para frente. Em relação aos outros paradigmas que são a effectuation, ou efetuação, que aparece em 2001 com a contribuição da professora doutora Saras Sarasvathy, foi verificado que empreendedores experientes abordam possibilidades ou soluções de uma forma diferente. Eles partem dos recursos que já têm à sua disposição, a começar deles mesmos e essa é a base principal. Por interações e conexões com interessados, com stakeholders, eles vão apresentando, pedindo ajuda e o comprometimento. E esses, eventualmente, agregam novos recursos que possibilitam novos objetivos. E aí a roda gira e vai se adaptando segundo novas novas conjunturas, imprevistos que eles têm que ultrapassar ou circunavegar. O terceiro paradigma, que é dos autores Baker e Nelson, é o da bricolagem. A bricolagem é usada e colocada em ação, sobretudo, em ambientes de extrema escassez de recursos. Então, a forma dos empreendedores de encarar como lidar, encontrar soluções, oferecer produtos, serviços ou atender a certas necessidades, é a de se virar com o que têm à mão e conseguir novas combinações para atingir objetivos que atendam necessidades imediatas.

Entrevista Nota 10 - Quais são os principais desafios para os brasileiros que desejam empreender? 

Rose Mary Lopes - Se a gente se pautar por indicadores estatísticos baseados em pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor Brasil, sobretudo, a partir da pandemia, nós revertemos uma tendência que tínhamos de ter mais empreendedores por oportunidade e passamos a ter mais empreendedores que criam pequenas empresas para atender necessidade. Em geral, o desafio é o despreparo, o não-conhecimento, a não-instrumentalização. E fora que o Brasil é um ambiente extremamente difícil, legalmente falando, e tributariamente falando, então, o pequeno empreendedor fica completamente “desarmado”. Temos alguns mecanismos para ajudar o pequeno empreendedor, que é a figura do MEI, mas mesmo assim, a realidade do nosso ambiente ainda é muito difícil. 

Entrevista Nota 10 - Falando sobre o XII Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Egepe)... De que forma os assuntos trabalhados durante o evento podem ajudar empreendedores e a gestão de pequenos negócios? 

Rose Mary Lopes - É um evento que tem uma pegada mais acadêmica e científica, mas as pessoas que o frequentam digerem esse conhecimento para poder disseminá-lo, chegar aos empreendedores e ajudar em termos da gestão de pequenos negócios, entretanto, têm atividades que podem interessar de forma geral os empreendedores. Temos painéis com uma empreendedora do Piauí, que vai falar como ela está conseguindo trabalhar com a cadeia do coco babaçu para oferecer um produto. Há também uma empreendedora de Pernambuco que está trabalhando junto a determinadas prefeituras em pequenas cidades, no sentido de criar formas e auxiliar principalmente as empreendedoras. Vamos discutir também sobre desenvolvimento regional e ecossistema empreendedor. Enfim, são conhecimentos importantes. 

Para você conhecer melhor a programação desta conferência, que é a mais importante do Brasil nas áreas de empreendedorismo e gestão de pequenas empresas, você pode consultar o site

Entrevista Nota 10 - E como avalia a importância do estudo sobre o empreendedorismo para empreender na prática? Como esta teoria pode ajudar no crescimento de um negócio?

Rose Mary Lopes - De forma geral, o conhecimento sempre agrega em possibilidades de ampliar a visão e o repertório de como conceitualizar uma situação, procurar encontrar uma solução e ter mais ferramentas. O estudo do empreendedorismo é extremamente amplo, são ideias, ferramentas e técnicas que podem ajudar os empreendedores e gestores a conduzir as situações, organizar melhor o seu negócio para encontrar soluções mais criativas e eficazes a fim de atender às necessidades dos clientes, mas que também agregam em maior valor para ambos. 

Entrevista Nota 10 - Com o advento das novas tecnologias e ascensão do Marketing Digital, para quais estratégias os empreendedores devem voltar sua atenção a fim de se diferenciar no mercado? É preciso ir além do plano de negócios? 

Rose Mary Lopes - O plano de negócios é uma ferramenta dentro de uma determinada concepção de empreendedorismo. Eu diria que boa parte dos empreendedores não seguem exatamente essa pegada, o plano é importante, mas ele é usado em determinados contextos, determinadas circunstâncias. No contexto atual das ferramentas digitais ampliou as possibilidades de as pessoas transcenderem sobretudo os seus limites geográficos e de tempo. Hoje é indispensável uma certa familiaridade com essas ferramentas tanto para o pequeno quanto para  grande empreendedor que quer dar maior alcance para o oferecimento dos seus produtos e dos seus serviços. 

Entrevista Nota 10 - Para finalizar: como perceber o surgimento de oportunidades para empreender? Há áreas que estão em destaque? 

Rose Mary Lopes - Há um amplo debate sobre se a oportunidade é descoberta, ou seja, se ela existe, nem que seja de forma latente no mercado. A gente teria que investigar, levantar informações e descobrir essa oportunidade. Por outro lado, existem investigadores que já mostraram que os empreendedores não se detêm com coisas que estão na hora da vez de oferecer. Eles criam a oportunidade, por assim dizer. Ou seja, eles não se limitam pelo que já existe ou está latente para introduzir produtos e serviços alheios. Os saltos da humanidade estão aí por conta de iniciativas inovadoras e empreendedoras que fizeram rupturas. Mas, falando assim, de um plano mais próximo de nós, eu diria que a oportunidade é também um aspecto subjetivo. Ela depende do que eu conheço, como eu me percebo em termos de capacidade para enfrentar, lidar e entregar resultados. A oportunidade depende de uma confluência que parte, sobretudo, dessa posição individual. Então, é lógico que nós temos possibilidades. Eu diria que quase infinitas, porque depende do conhecimento, depende da competência e da rede de relações que você tem. 

Se a gente for falar de áreas em destaque no mundo hoje, é lógico que a busca de fontes alternativas de energia são a bola da vez, assim como a mobilidade para que ela tenha menor impacto no ambiente. Há também soluções para a saúde, como levar acesso à saúde, principalmente para populações que não têm recursos e soluções mais eficientes e que gastem menos combustíveis em logística. A área de educação é aberta a múltiplas possibilidades inovadoras. A pandemia trouxe possibilidades para o turismo interno e para o entretenimento. Enfim, essas são possibilidades bastante amplas e eu diria, quase infinitas, que dependem logicamente do empreendedor ou do seu interesse, do seu preparo, de querer mergulhar em cada uma dessas áreas e enfrentar as suas dificuldades e as suas possibilidades.