null Entrevista Nota 10: Clarissa Ribeiro chefia o Laboratório de Inovação e Prototipagem da Unifor

Seg, 6 Agosto 2018 15:32

Entrevista Nota 10: Clarissa Ribeiro chefia o Laboratório de Inovação e Prototipagem da Unifor

Clarissa Ribeiro, professora e pesquisadora da Unifor (Foto: Ares Soares)
Clarissa Ribeiro, professora e pesquisadora da Unifor (Foto: Ares Soares)

O Laboratório de Inovação e Prototipagem (LIP) da Unifor é uma realidade materializada da vontade coletiva de professores e alunos do Centro de Ciências Tecnológicas (CCT) em dar suporte ao desenvolvimento de projetos e pesquisas das mais diversas áreas do conhecimento que se arvorem a fazer interagir ciência, arte e tecnologia. 

À sua frente, instigada e instigando inteligências polivalentes, está a professora e pesquisadora Clarissa Ribeiro, que integra o corpo docente da graduação em Arquitetura e Urbanismo. Com ela, trouxe na bagagem um Doutorado em Artes Visuais pela ECA-USP desenvolvido, em parte, na Inglaterra, e já marcado pela interface entre arte e poéticas tecnológicas, e um Pós-Doutorado pela Fulbright em Arte e Ciência, junto ao Art|Sci Center and Lab da UCLA, com desdobramentos em Xangai, onde participou da estruturação e implementação de um Bacharelado em Arte e Tecnoética.

Em entrevista, a professora relata de que forma e por onde a técnica e a imaginação saídas do LIP vêm repercutindo, dentro e fora do campus. Como cartão de visitas, ancorado no mesmo bloco I do laboratório, ela também chama atenção para a realização pioneira no país do LASER Talks da Leonardo ISAST (Leonardo Art Science Evening Rendezvous), encontro mensal de pesquisadores e estudantes do Brasil e do mundo interessados na interface entre ciência, arte e tecnologia. 

Em seu caso, em particular, o interesse remete ao berço. O pai é dono de uma loja de material elétrico de construção, empreendimento iniciado por seu tio-avô há 50 anos, e foi entre interruptores, fios e lâmpadas que ela imaginou montar o seu primeiro computador de brinquedo, ao mesmo tempo em que passou a infância vidrada no Atari, jogando videogame por horas a fio até a adolescência. Daí que não teve escolha. E, inevitavelmente, assistiu à vida real ser atravessada sem volta por virtualidades de toda a ordem e de todos os tempos.

Como o Laboratório de Inovação e Prototipagem (LIP) da Unifor vem contribuindo com a aproximação entre ciência, tecnologia e arte dentro e fora do campus?

CLARISSA RIBEIRO: Na gênese do LIP está a ideia de ter uma estrutura para fabricação digital. O laboratório pode ser usado por todos os alunos do campus e até para além do campus, mas, prioritariamente serve aos alunos do Centro de Ciências Tecnológicas (CCT), aqueles ligados a todas as engenharias e à arquitetura. E temos um evento mensal ligado ao laboratório que é o LASER, abreviação de Leonardo Art Science Evening Rendezvous, vinculado ao projeto Leonardo ISAST. As LASER talks foram criadas em 2008 pelo Presidente do LASER na Bay Area, Piero Scaruffi, e estão em mais de 20 cidades nos Estados Unidos e na Europa. Como pesquisadora, tenho a concessão para realizar esse encontro no Brasil, porque quando estava cursando meu pós-doutorado nos Estados Unidos junto ao Art|Sci Center and Lab da UCLA, colaborei com a equipe da Professora Victoria Vesna, ajudando a organizar o evento. Assim, quando passei a integrar o corpo docente do Curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Unifor, pude realizá-lo pela primeira vez no Brasil, já que até então só acontecia nos Estados Unidos e na Europa. Com isso, já estão até querendo fazer uma publicação da Leonardo só em torno das conexões entre arte e ciência no Brasil. Isso vai ajudar muito a documentar a história da arte e tecnologia no nosso país e amplificar a promoção de nossa produção internacionalmente, com uma publicação exclusivamente em inglês. 

Mas, na prática, como o LIP dialoga com a pesquisa acadêmica e que projetos vêm se destacando entre os diversos centros e cursos?

CLARISSA RIBEIRO: O LIP deve, sim, ser vinculado à pesquisa, mesmo que seja pensado especificamente para o desenvolvimento de projetos. Então, a ideia é buscar parcerias com pesquisadores para que, assim, ele se torne mais robusto e realmente possa gerar inovação. Sem pesquisa, não há inovação. Mas as parcerias e diálogos têm acontecido e se projetado extramuros. Já fizemos projetos com o curso de Moda, por exemplo, para um evento referência, o Dragão Fashion 2018, usando realidade aumentada para as pessoas visualizarem com smartphones modelos em 3D de looks criados por alunos do curso com releituras criadas pelo aluno do bacharelado em Arquitetura e Urbanismo Guilherme Ximenes. Desenvolvemos projetos em parceria com professores do curso de Odontologia, adaptando modelos 3D ampliados de curetas (que são aqueles ganchinhos usados para fazer limpeza dentária) para serem modelados em CNCs e concomitante utilização em estratégias didáticas com Realidade Aumentada. A estrutura do LIP serve a quem faz projetos de robótica ou ligados à automação, como casas automatizadas com microcontroladores ou sensores, por exemplo. E temos ainda todo um maquinário de apoio de uma pequena marcenaria – o LAP (Laboratório de Prototipagem). Dentro desse ambiente, inclusive, alunos da Engenharia de Controle e Automação, estão se dedicando ao desenvolvimento de uma CNC utilizando sucata das máquinas de xérox descartadas pelos CAs do campus da Unifor. Já estão finalizando isso em uma parceria com a ARMITEC Tecnologia em Robótica, primeira empresa incubada da Unifor. 

E toda essa infraestrutura, claro, também serve ao curso de Arquitetura e Urbanismo... De que forma?

CLARISSA RIBEIRO: Temos no curso de Arquitetura e Urbanismo o grupo de pesquisa Crosslab, onde desenvolvemos projetos de forma colaborativa entre professores e alunos. E são esses que se destacam e acabam sendo levados para eventos internacionais por nós, pesquisadores. Posso citar um que desenvolvemos no LIP em parceria com os professores Herbert Rocha e Daniel Valente, que trabalham no LAPIN – Laboratório de Pesquisa e Inovação em Cidades, da Unifor e com o amigo Mick Lorusso, com quem trabalhei durante o pós-doc na UCLA. 

A arte então vem sendo o fio condutor das pesquisas e projetos...

CLARISSA RIBEIRO: Sim, a arte sempre está colada à ciência e à tecnologia desde o início da minha trajetória acadêmica e isso deságua no LIP. Tanto que outro projeto em parceria que aponta pra isso é o que levei esse ano para a edição de 2018 do ISEA agora em Junho, em Durban na África do Sul, que foi o “Seja falciforme, seja herói”, dando continuidade à parceria com os amigos Herbert Rocha e Daniel Valente, mais uma alusão à obra do Hélio Oiticica, onde foi possível pensar na ligação ou conexão original entre África, Brasil e Estados Unidos. Com esse projeto, chamamos atenção para a anemia falciforme, uma doença que mata mais do que a Aids e sobre a qual pouco ou quase nada sabemos. É quando as células sanguíneas se modificam, assumindo a forma de uma foice. No Brasil e nos Estados Unidos, a maioria dos casos se dá em afrodescendentes. Mas não é uma doença dos negros, é uma mutação da célula sanguínea, uma mudança química na estrutura do DNA, do cromossomo.  Daí, quando trouxeram os negros pra cá e pros Estados Unidos, como muitos escravos tinham essa condição genética, isso virou um caso de saúde pública grave, embora permaneça quase invisível, como se não existisse, até por conta do preconceito e do racismo, acho. Então, pensei em me apropriar da bandeira do Oiticica, onde se lê “Seja marginal, seja herói”, trocando o corpo caído do desenho original por um print preto e branco da célula falciforme. Trabalhei em photoshop pra que virasse um marcador, daí quando a pessoa escaneia a imagem, através de um aplicativo que a gente mesmo fez, visualiza a célula em movimento. Nisso, também vem embutida uma brincadeira com o “Parangolé”, do Hélio Oiticica. Porque lá a imagem foi distribuída como adesivo pra ser colada ao corpo. E, acionado o aplicativo, você podia dançar com a célula falciforme. Isso é para efeito de conscientização, de democratização da informação mesmo. Uma experiência poética que remete à obra do Hélio por conta das pessoas que têm esse diagnóstico serem marginalizadas mesmo, por não existir em lugar nenhum essa informação. Então, seria para chamar atenção sobre isso, considerando que mais de 50% da população no Brasil é afrodescendente, e mesmo assim, a gente não tem esse teste na maternidade, como temos, por exemplo, o teste do pezinho. E agora vamos ver os desdobramentos desse projeto acontecer dentro e fora do campus. Porque nasce como projeto artístico, mas é pensado como algo que transita com facilidade em vários contextos, por utilizar estratégias da arte de rua como os stickers (pequenos adesivos), o lambe-lambe (cartazes de papel e cola com água) e o stencil (moldes vazados e tinta spray).