null Saúde Coletiva: estudo analisa percepção do contexto autista no cenário da Covid-19

Qua, 1 Dezembro 2021 08:10

Saúde Coletiva: estudo analisa percepção do contexto autista no cenário da Covid-19

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor desenvolve estudos com foco em aspectos sociais relacionados a pessoas autistas durante a pandemia. Estímulo à pesquisa e análise de dados faz parte da rotina de alunos do mestrado e doutorado.


Entre abril e junho de 2020, a fisioterapeuta Leila Andrade, aluna do PPGSC, ouviu mais de 40 pessoas autistas acima de 15 anos com acesso a conteúdo digital (Foto: Getty Images)
Entre abril e junho de 2020, a fisioterapeuta Leila Andrade, aluna do PPGSC, ouviu mais de 40 pessoas autistas acima de 15 anos com acesso a conteúdo digital (Foto: Getty Images)

A inovação e a pesquisa sob um olhar humanizado têm papel fundamental na qualificação dos profissionais que atuam em Saúde Coletiva. É por meio de estudos e práticas que a Ciência define estratégias e colabora para solução de problemas de abrangência social, como a pandemia da Covid-19. 

“Aprimorar a atuação em diversos contextos e contribuir para a resolução de problemas sociais relevantes são fatores inerentes ao trabalho desempenhado pelos profissionais em Saúde Coletiva. Isso tornou-se ainda mais claro e evidente para a população com o advento da pandemia”, enfatiza a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza (PPGSC/ Unifor), Mirna Frota.

De acordo com a Profa. Dra. Aline Veras, do PPGS da Unifor, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz, a rápida disseminação da doença e das informações transmitidas em tempo real pela imprensa fez com que a população pudesse acompanhar a importância da ciência no enfrentamento à pandemia. 

“É uma crise sanitária em que as pesquisas científicas estão sendo cruciais para o enfrentamento, identificar os modos de transmissão dos vírus, desenvolver as vacinas, procurar entender quais são as estratégias eficazes de tratamento. E a Covid-19 não é apenas uma crise sanitária, ela também é uma crise econômica”, ressalta.

Veras destaca ainda a importância da qualificação dos profissionais de saúde no processo de formação como pesquisadores. Tornar-se um profissional diferenciado através do aprofundamento do conhecimento, aplicado por meio do domínio de teorias e métodos diversos de pesquisa nos vários espaços de atuação na área da Saúde colabora fortemente no combate a diferentes doenças.

“Esses profissionais precisam ter ciência da sua importância como pesquisador e do seu papel social nesses momentos de crise. Então, é muito importante que a pós-graduação e que as pesquisas na pós-graduação estejam alinhadas com as demandas sociais, com as necessidades da sociedade. Principalmente em momentos de crise, como é no caso da Covid-19, mas também relacionados a condições crônicas e outras condições baixo-prevalentes na nossa sociedade”, fala.

“A intersetorialidade, a mobilização social e as parcerias na implementação das ações de sustentabilidade e defesa pública da saúde são cruciais na Promoção da Saúde no ensino. Os alunos do PPGSC da Unifor são muito bem-sucedidos nesse requisito por meio das pesquisas desenvolvidas por eles e os professores”, ratifica Mirna Frota.

Pesquisa em saúde

A pesquisa surge de uma inquietação que mobiliza o pesquisador. Sob essa perspectiva, que professora e aluna realizaram estudos sobre a percepção do relacionamento de pessoas autistas com familiares, cuidadores e profissionais de saúde durante o isolamento social. 

Entre abril e junho de 2020, a fisioterapeuta Leila Andrade, aluna do PPGSC, ouviu mais de 40 pessoas autistas acima de 15 anos com acesso a conteúdo digital, incluindo autistas não oralizados, 14 mães com idades entre 28 e 47 anos, um pai com 34 anos e quatro profissionais de saúde que atenderam autistas por teleatendimento no período de isolamento social. Cada um sob a perspectiva individual e coletiva.

“Foi muito importante ter comprovado que em um contexto familiar acolhedor, amoroso e empático, os autistas se organizam melhor e conseguem desenvolver melhores estratégias de enfrentamento para lidar com situações de estresse, como a pandemia. Por outro lado, em contextos familiares hostis, essas pessoas se percebem desreguladas, deprimidas, angustiadas”, afirma a doutoranda.

Orientadora da pesquisa, Dra. Aline Veras lembra que já havia uma linha de pesquisa envolvendo a população autista no PPGSC. O trabalho estudava tanto crianças quanto adolescentes e adultos, com foco na percepção do autista em relação aos cuidadores e profissionais. 

“Nós sabíamos que o isolamento social e as mudanças comportamentais demandadas durante o período da Covid-19 poderiam afetar bastante essas pessoas. Decidimos avaliar os impactos, os efeitos da pandemia e as suas repercussões, as repercussões do isolamento social da pandemia em si, tanto em autistas adolescentes e adultos como em seus familiares, mães e cuidadores, no caso de crianças autistas, e também junto a profissionais da área”, explica a orientadora.

Percepção do contexto autista no cenário da Covid-19

“Falar sobre autismo para mim é, de certo modo, algo confortável, por estranho que pareça. Meu filho mais velho, hoje com 23 anos, tem características leves, toca violino, sempre teve ouvido para música e sempre gostou de arte. Tenho um sobrinho que também toca, e é Asperger. Ou seja, falo de algo próximo, que faz parte do meu dia a dia. Também atendo um garoto autista e já tive a oportunidade de realizar trabalho utilizando dança com uma moça”, comenta Leila Andrade.

Para a fisioterapeuta, o doutorado em Saúde Coletiva tem agregado valor ao mestrado em Psicologia, curso que fez na Unifor. Ela ressalta que o trabalho com essa pesquisa na pós-graduação da Universidade de Fortaleza trouxe ainda um olhar mais diversificado e apurado no exercício da sua profissão. 
 
“Como docente, ampliou minhas possibilidades e percepções acerca da minha atuação. Foi muito importante para mim ter encontrado profissionais, como minha orientadora Profa. Dra. Aline Veras Brilhante, que acolhessem as minhas inquietações como pesquisadora incansável em querer trazer a arte para a saúde. É maravilhoso quando existe essa afinação, esse espaço, essa troca”, diz Leila Andrade.

De acordo com a Profa. Dra. Aline Veras, o cenário de distanciamento social rígido e o isolamento social provocou mudanças importantes na rotina. “E nós tivemos alguns achados muito interessantes. Nos ambientes familiares pautados pelo respeito, onde havia um entendimento do funcionamento cerebral do autista, essas pessoas reagiram muito melhor ao período de isolamento social”, ratifica.

Segundo ela, algumas das pessoas autistas que participaram do estudo tiveram avanços, mesmo com a suspensão das terapias. “Ganharam em autonomia, reduziram a quantidade de comportamentos considerados inapropriados ou prejudiciais. Houve uma melhora em vários aspectos de questões inclusive sensoriais”, pontua. E de modo contrário, conforme a professora, houve piora de diferentes fatores em ambientes familiares com grandes agentes estressores.

“Houve uma percepção de agravamento, de transtornos mentais comuns associados. Então, na minha opinião, o principal achado dessa pesquisa foi o modo como a família encara o autismo daquela pessoa. Foi significante no desenvolvimento de estratégias da própria pessoa autista nesse período de pandemia”, relata.

Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Nesse contexto, a Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifor tem a missão de formar pesquisadores que se norteiam pelos princípios da saúde coletiva, determinados por três pilares fundamentais: a epidemiologia, a gestão e o planejamento das ações e as ciências sociais. “A saúde coletiva se destaca da saúde pública exatamente por trazer as ciências sociais como base para o entendimento da epidemiologia e para o planejamento em gestão das ações”, diz a professora do PPGSC, Dra. Aline Veras.

O desenvolvimento de políticas públicas pautadas em informações e dados, assim como na análise de situação de saúde devem estar relacionados a questões sociais. “Intervenções na saúde que busquem atingir as pessoas de uma forma mais criativa e humana são mais eficazes e potentes. Penso que se conseguirmos reverberar isso para um pequeno grupo, para uma família que seja, já é um microcosmo social que já pode se organizar de modo mais saudável. É algo que tenho pensado muito, tem me motivado a seguir propondo intervenções em grupo com pessoas com necessidades especiais”, compartilha Leila Andrade.

O papel da Pós-Graduação em Saúde Coletiva é formar pesquisadores que consigam enxergar para além da saúde pública. Ou seja, que saibam interpretar dados epidemiológicos, fazer uma análise de situação em saúde. Mas que consigam enxergar como os determinantes sociais. E como a estrutura da sociedade não apenas interfere, mas ela norteia, origina vulnerabilidades, sua compreensão é crucial para o desenvolvimento de estratégias sustentáveis”, declara a Profa. Dra. Aline Veras, e conclui: “a Unifor é uma instituição incrível para um pesquisador. É de fato uma instituição que transpira inovação, que estimula bastante a produção científica e o desenvolvimento científico”.