qua, 27 maio 2020 09:36
Aplausos para os profissionais de Cinema e Audiovisual
Como seriam os dias e as noites de isolamento social sem os filmes e séries? Todo aplauso é pouco para cineastas e profissionais afins que dão forma e sentido às imagens em movimento.
O que os olhos veem o coração sente. É isso que a cultura audiovisual parece nos dizer em tempos de pandemia. Afinal, seria possível atravessar a tormenta de um isolamento social planetário sem ter como ancoradouro o colo imagético que os filmes e séries nos oferecem? Como seriam os dias e as noites de recolhimento doméstico sem a companhia deles para nós contar sobre a misteriosa e teimosa aventura humana na Terra? Impensáveis. Insuportáveis até, respondem os professores do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor), que aproveitam o momento para também lembrar o quanto de suor derramado há por trás de um simples frame ou trama cinematográfica. Assim, todo aplauso é pouco para cineastas e profissionais afins que, incansáveis, dão forma e sentido às imagens em movimento, tomando para si o desafio de ressignificar e recontar a própria vida.
Você já imaginou a vida sem filmes e séries?
Uma espécie de transcendência. É isso que a arte cinematográfica promove no íntimo do cineasta e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor), Glauber Filho. A cada filme visto ou realizado, ele se vê conectado ao outro, como se, imerso numa dimensão criativa, um fio invisível pudesse correr do emissor até o receptor, carregando uma mensagem necessária e vital a ambos. “Não conseguiria viver sem cinema.
Acredito que é uma forma de linguagem que opera noutra ordem: a da emoção. É um modo de estar presente no mundo, em conexão com os demais. E justo porque o cinema faz a gente se deslocar no tempo e no espaço é que vemos filmes como se olhássemos no espelho, buscando, sobretudo nesse momento de pandemia, o que nos move e pode trazer esperança”, destaca.
Para Glauber, a máquina capaz de conectar mesmo em tempos de isolamento social ainda não tem o prestígio que merece. Assim, escolher fazer ou estudar cinema continua sendo um desafio no Brasil. “Tudo porque vivemos em uma sociedade utilitária e a arte ainda é vista como uma atividade diletante e fora do processo produtivo convencional. Portanto, ainda há muito preconceito em torno do fazer cinematográfico, como também, por outro lado, romantização e desvalorização, como se não houvesse trabalho árduo e muito conhecimento acumulado por trás de cada produto audiovisual”, observa o também diretor dos longas-metragens “Bezerra de Menezes: o Diário de um Espírito” e “As Mães de Chico Xavier”.
Cinema é ralação. E até chegar pronto e bem acabado às telas e janelas virtuais ou mesmo aos dispositivos móveis, o bote salva-vidas de quem se vê obrigado a não sair de casa para brecar o fluxo de transmissão no novo coronavírus passou por muitas mãos. “É longa a trajetória de quem estuda e faz cinema. E a gente nunca está pronto. Um filme com duas horas de duração, por exemplo, teve, no mínimo, um ano de produção. Um roteiro, só para ser escrito, requer, por baixo, seis meses. Depois disso, ainda há de se captar recursos. Aí vem a pré-produção, que começa com o levantamento dos locais onde as cenas serão filmadas e dos equipamentos necessários, partindo em seguida para a contratação da equipe de profissionais envolvidos: fotógrafo, diretor de arte, assistentes de direção etc. E segue o cronograma de gravação, em geral ao longo de seis semanas, mas pode ser mais, dependendo da complexidade do filme. Depois vem a pós-produção, a cargo de montador, finalizador, profissionais de efeitos visuais, mixagem de som, trilha-sonora e por aí vai... Ao final, vem o planejamento de marketing para o lançamento do filme e a negociação com o exibidor... e assim é que, desde o planejamento até o filme chegar nas telas, temos aí em média de dois a três anos”, detalha, de cátedra, o professor.
O périplo, garante Glauber, vale à pena. Tudo porque, para ele, cinema corresponde a uma imperdível viagem ao centro do Outro. “É um exercício do olhar e um aprendizado que não cessa esse de contar histórias, conhecer pessoas, filmar em vários lugares com diferentes equipes e suas visões de mundo diversas. O cinema nasce para tentar acompanhar o movimento do homem e suas formas de observar o mundo, ressignificando e criando novos sentidos para cada experiência. A gente empresta sentido às imagens. E elas nos devolvem o olhar trazendo ainda mais sentido à vida. Isso fica claro agora, quando vemos e revemos filmes enquanto buscamos respostas para o nosso tempo e temos essa ferramenta potente ao alcance das mãos nos ajudando a pensar”, acredita o professor.
Inspirado em uma campanha de valorização do audiovisual que circula nas redes sociais, Glauber acrescenta: “cinema faz bem a saúde mental, ao espírito crítico, bombeia o coração, reforça a imunidade e constrói a humanidade, quando conta as histórias de cada um e amplia o conhecimento sobre as coisas. Cinema também é um espaço político de construção da cidadania. Por isso, precisa ser democrático e diverso. É importante que tenhamos filmes feitos por índios, ciganos, quilombolas, por pessoas da periferia e seus olhares múltiplos. Isso tudo contribui com a evolução da humanidade e nos faz entender que somos todos artistas na vida, sem exceção, já que temos todos e todas capacidade de criar e nos conectar de várias formas”.
Mercado deve crescer com os dispositivos móveis
Cada filme é uma empresa. E o espectador comum nem imagina o quanto o produtor responsável pela obra tem que suar a camisa diante do desafio de tornar viável, sobretudo financeiramente, a ideia original de um diretor ou roteirista. Produtor independente, o diretor da TV Unifor, Max Eluard, conhece bem de perto todos os elos da cadeia produtiva de uma obra cinematográfica e, por isso mesmo, tem refletido sobre uma flagrante contradição instaurada desde a chegada da pandemia: de um lado, o esvaziamento das salas escuras e a retração de uma arte que é essencialmente coletiva e hoje se mostra inviável diante do obrigatório isolamento social; do outro, a demanda crescente de produção audiovisual por parte de plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, HBO Go e Globoplay, vedetes do mercado dos streamings e principais refúgios de diversão quando a grita geral é para ficar em casa.
“Acho que o consumo doméstico de filmes e séries tende a crescer cada vez mais com os dispositivos móveis e a internet abrindo caminho para os serviços de streaming. Cientes disso, diversas operadoras de TV paga e plataformas de conteúdo sob demanda começaram a liberar o sinal de alguns canais, a oferecer assinaturas gratuitas e a promover descontos. Portanto, o setor vai ter que ir desenhando novas possibilidades para continuar produzindo pós-pandemia. Em princípio, penso que as equipes serão menores e todos irão trabalhar paramentados com EPIs para evitar contágio... são protocolos que ainda estão sendo desenhados enquanto o grande pólo de difusão e distribuição dos conteúdos audiovisuais deve continuar sendo, por um bom tempo, a internet”, projeta o também professor de Produção e Gestão de Negócio Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Para Max, se a sede por novos conteúdos não diminuiu ou sucumbe frente à pandemia, o momento de crise exigirá, por outro lado, o aprimoramento da formação. “O profissional de qualidade, aquele que une teoria e prática, vai estar cada vez mais em alta. Daí a importância das escolas de cinema e do conhecimento teórico aplicado. Um profissional do audiovisual que estudou teoria da comunicação, história do cinema, história do cinema brasileiro, teoria da fotografia, da montagem, técnicas de roteiro, de direção e teorias de produção certamente vai fazer a diferença, assim como aquele que sabe da importância de estar sempre atualizado, em dia com os novos formatos e tecnologias, as novas câmeras, os novos softwares de edição ou finalização de som e imagem... Tudo isso hoje faz parte da formação de um profissional completo na área de cinema”, ilustra.
Feita de estudo e muito trabalho, a arte cinematográfica também produz lições subjetivas para quem vive de pensar o audiovisual. “Acho que podemos falar que tivemos um pouco de sorte de nos deparar com uma pandemia justo no momento em que as janelas estão multiplicadas e o acesso ao cinema e ao audiovisual está facilitado por conta da internet, da TV a cabo, dos dispositivos móveis... Conseguimos enxergar melhor o quanto a gente precisa da arte para viver. Se não fossem os livros, as músicas, os filmes e séries a vida estaria bem mais difícil. Porque certamente estaríamos mais pobres em termos de empatia, alteridade e identificação”, pontua o professor.
Ao mirar-se no espelho das imagens, o fã de cinema nacional também tem surfado na onda da “generosidade” de algumas plataformas e produtores audiovisuais que têm disponibilizado seus filmes na internet. “Destaco a Embaúba filmes, que abriu seu acervo de títulos nacionais e me fez rever, entre outros, um filme cearense sensacional: “Inferninho”, de Pedro Diógenes e Guto Parente. Fica como dica, porque é uma excelente fábula sobre afetos, generosidade, solidão e, nesse momento, em particular, vem bem e nos toca muito fundo. Outra boa pedida é a série nacional “Irmandade”, da Netflix. E, entre nós, indico com entusiasmo filmes seguidos de debates em primeira mão que a TV Unifor vem exibindo em parceria com o curso de Cinema: tivemos uma primeira experiência com “A Fera na Selva”, dirigido por Paulo Betti, com quem debatemos ao vivo, e outros já estão sendo agendados. É conferir na tela da TV ou via mídias sociais”, frisa o professor, festejando em paralelo a Mostra Cenas de Quarentena, uma seleção de filmes produzidos por alunos da Unifor dentro de suas casas no período de distanciamento social.
Por trás de cada imagem há um profissional
Cercado de imagens por todos os lados, o homem moderno se viu levado a abraçá-las, tomando-as pelas mãos a fim de interpretar o mundo através e com elas. Convocado a esse abraço em torno do que vemos e do que nos olha, o cinema virou extensão do próprio olho. Daí porque, para o documentarista e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor), Valdo Siqueira, uma câmera na mão se fez tão essencial ao longo da História quanto o próprio ato demasiado humano de atribuir significado às coisas. “A gente se alimenta o tempo todo de imagem e de som de uma forma quase inconsciente, a ponto de perdermos de vista a centralidade que isso ocupa em nossas vidas. Com o isolamento social, parece que reativamos a capacidade de filtrar aquilo que entra pela nossa retina, selecionando melhor o que queremos ver. Acho que o cinema enquanto signo tem nos ajudado, portanto, a olhar nos olhos desse difícil momento, a fim de atravessá-lo”, sublinha o professor.
Ver para interagir. É justamente entre aulas virtuais em meio à quarentena que Valdo percebe o quanto o flerte com o cinema tem se tornado mais sério na medida em que filmes e séries servem de consolo junto a quem se vê obrigado a ficar em casa. “Sem dúvida, os alunos estão assistindo a mais filmes nesse período de pandemia, pelo menos um por dia, o que não acontecia antes. Isso é ótimo, tanto do ponto de vista do conhecimento, como da sensibilização do olhar para, mais adiante, voltar a produzir. Apesar do confinamento, tem muita gente produzindo documentários agora, pela necessidade mesmo de narrar-se e de não perder o vínculo com os acontecimentos. Pós-pandemia, penso que o número de documentários vai ser inclusive muito maior do que o de ficção, pelo afã que as pessoas demonstram em voltar a ter esse atrito com a realidade que hoje miramos através das muitas janelas, mas de dentro para fora”, acredita.
E porque “a máquina não trabalha sozinha” e “a mente humana é a maior produtora de imagens que existe”, ele vê no cinema a ferramenta ideal para auxiliar o homem na urgente tarefa de esculpir e reformular o próprio tempo. “Cada um de nós deve estar procurando nas imagens e nas narrativas os fios soltos dos nossos verdadeiros valores e desejos. De minha parte, recuperei uma lista de filmes que me esperavam há anos e, como a pandemia nos impôs uma outra relação com o tempo, comecei a assisti-los. Eles têm me ensinado muito sobre outros modos de ver, de pensar, de sentir, de viver. Isso porque os filmes são como cartas endereçadas ao mundo. Mas que não caem do céu – ou da nuvem – sozinhos. Por trás de cada imagem, há o componente humano, corações e mentes que, reunidos, compuseram roteiro, direção, som, fotografia, iluminação, montagem, realidade virtual, produção, tudo junto e misturado para contar ou fabular histórias. Daí porque um filme equivale a um encontro”, defende o professor.
Entre telas e dispositivos móveis, os encontros não podem parar. Assim é que o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza vem abrindo espaços para debates virtuais em torno da experiência cinematográfica. Um deles, o Cine Diálogos Virtuais, é aberto à participação dos alunos através do Meet, ferramenta de reunião do Google, e tem funcionado como um canal de comunicação direto entre aprendizes e veteranos, tornando possível a troca de ideias junto a renomados profissionais do cinema nacional que também cumprem isolamento social e podem assim abrir brechas mais facilmente em suas agendas. Eliane Caffé, Marília Rocha, Halder Gomes, Edmilson Filho, Ana Rieper, Rodrigo Teixeira, Alexandre Veras e Ivo Lopes foram alguns dos que já vieram bater papo com professores e estudantes de cinema e audiovisual da Unifor, agregando valor aos percursos formativos dos futuros profissionais da imagem.
Audiência cresceu na pandemia
Segundo estudo elaborado pela Conviva, uma plataforma de monitoramento de streaming, a audiência desses serviços de audiovisual cresceu 20% desde o início da pandemia de coronavírus. Em outro estudo, pesquisadores concluíram que, em comparação ao primeiro trimestre de 2019, os três primeiros meses de 2020 apresentaram aumento de 79% em horas vistas de vídeos sob demanda (categoria na qual estão Netflix, Amazon Prime Video e outros).
Somente a Netflix, hoje o maior player do mercado, registrou em abril um crescimento de 15,7 milhões de usuários globalmente. “Como outros serviços de entretenimento caseiro, estamos vendo temporariamente o aumento do número de assinantes”, escreveu a empresa em um comunicado destinado aos acionistas.
Outro dado que mostra a atual força do segmento foi revelado pela Kantar Ibope Media. Segundo a consultoria, o uso de televisões para assistir ao streaming cresceu 33% durante a pandemia – saltando de 3,9 para 6,5 pontos em um mês.
Fonte: site Metrópoles (metrópoles.com)