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Seg, 16 Outubro 2023 15:28

Entrevista Nota 10: Karina Tomelin e a formação do professor do futuro

Mestre em Educação, ela fala sobre desafios e soluções para a docência na era tecnológica, além de explicar o que é necessário para ser um “educador do futuro”


Karina é educadora, psicóloga e pedagoga, com experiência na área da educação desde os 19 anos (Foto: Divulgação)
Karina é educadora, psicóloga e pedagoga, com experiência na área da educação desde os 19 anos (Foto: Divulgação)

Quando pensamos em aprendizagem, é comum surgir a imagem de alunos absorvendo conteúdo em aula com seus professores. No entanto, um dos grandes desafios da docência é também estar em um constante processo de estudo e formação para engajar os estudantes e entregar um ensino de qualidade às turmas.

Não é à toa que a Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz, carrega com orgulho o lema “ensinando e aprendendo”. Além da excelência em preparar novos profissionais para a sociedade, a Unifor estimula constantemente seu corpo docente a buscar o aperfeiçoamento em educação, investindo na capacitação de quem leciona aqui dentro.

Um desses momentos aconteceu em setembro, no Encontro Pedagógico do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão (CCG). O evento contou com a participação da educadora, psicóloga e pedagoga Karina Nones Tomelin, que ministrou a oficina “Mindset e Ressignificação para os Caminhos da Docência” para os professores do CCG.

Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), Karina é professora desde seus 19 anos. Atuou da educação básica à pós-graduação na docência e em cargos de gestão em diferentes instituições, assim como desenvolveu projetos voltados à formação de professores e apoio ao estudante. Idealizou o EducaBox, um aplicativo gratuito de microaprendizagens para docentes.

Atualmente, Karina é palestrante, sócia da B42 — startup de tecnologia e design educacional — e consultora educacional. Também leciona nos cursos de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Instituto Singularidades e Biopark. Escreve a coluna “Docência no Divã”, na Revista Ensino Superior, e atua como conselheira na Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).

A professora é autora dos livros “Layouts criativos para  aulas inovadoras” (2023), “+100 ideias inspiradoras para suas aulas” (2022) e “100 ideias inspiradoras para suas aulas” (2021), todos pela Editora Letramento. Também é coautora das obras “Aprendizagem Digital” (2021), da Editora Penso, e “Mentores e suas histórias inspiradoras” (2021), da Editora Leader.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Karina fala sobre desafios e soluções para a docência na era tecnológica, além de abordar o cenário atual e explicar o que é necessário para ser um “educador do futuro”.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Em 2022, o Instituto Semesp divulgou um estudo que prevê um possível “apagão” de 235 mil professores na educação básica brasileira em 2040. Mesmo com o desinteresse dos jovens e as condições precárias na profissão, algumas instituições buscam mudar esse cenário ao focar na construção do “educador do futuro”. Como tal perfil pode auxiliar na transformação desse panorama, especialmente no Brasil?

Karina Tomelin — É muito comum ouvirmos na educação esse termo de “educador do futuro” e “educação do futuro”, usamos muito essa palavra para nos remeter à oportunidade de mudar a sala de aula. Mas o quanto de fato conhecemos sobre esse tema e como podemos focar na construção, de verdade, de um educador do futuro?

Para isso, eu não tenho dúvida que as instituições precisam olhar com mais profundidade para as novas competências, colocadas pela Unesco e pelo Fórum Econômico Mundial, que estão relacionadas ao que chamamos de letramento de futuros — a capacidade de conseguirmos imaginar, pensar e criar futuros desejáveis para nós e para o planeta.

Essa talvez possa ser uma das maiores competências para os professores nos próximos anos. Ter a capacidade não só de mobilizar essa competência dentro de si, mas de ajudar as novas gerações nesse momento que vivemos de uma pobreza do imaginário coletivo, conseguir imaginar caminhos e oportunidades em um mundo cada vez mais complexo e veloz. Não tenho dúvida que haverá um papel muito importante desse educador nos próximos anos, mas, com certeza, precisamos olhar para essa nova adaptação de currículo para que isso possa se efetivar.

Por mais que a gente preveja um apagão do número de professores, o Censo, divulgado na última semana na educação superior, mostra que há um grande número de alunos matriculados nos cursos de pedagogia. Então, há um interesse ainda pela profissão, mas isso não garante que essas pessoas que estão se graduando vão atuar em sala de aula.

É muito comum conhecermos professores ou licenciados em pedagogia, ou em outra área da educação, que muitas vezes abandonam a sala de aula a partir dos desafios que passam a enxergar com relação à prática docente, já que a profissão de professor é uma profissão como tantas outras, que exige conhecimento técnico, competências e habilidades que vão precisar ser desenvolvidas, estudo constante, uso de recursos, novas tecnologias, enfim. Então, é um desafio para quem deseja continuar na sala de aula e fortalecer essa profissão.

Entrevista Nota 10 — A formação docente é a base para a construção do profissional da educação em qualquer nível de ensino. No entanto, nem todas as capacitações conseguem proporcionar uma efetividade real que traz resultados práticos em sala de aula. Quais critérios devem ser trabalhados e receber atenção especial nesses treinamentos? Que competências precisam ser desenvolvidas no professor do futuro?

Karina Tomelin — Com certeza, pensar e ajudar o professor a encontrar estratégias mais ativas para a aprendizagem, que engajem os estudantes em uma era de sequestro da atenção, é algo fundamental para ajudá-los a desenvolver um processo que foque de verdade na aprendizagem do estudante, que dê resultados e que esses resultados também possam ser visíveis a eles.

As competências que precisamos olhar são competências metodológicas que tratam desde a comunicação até a didática e a gestão da sala de aula. Mas também competências analíticas, que é um professor capaz de avaliar dados de aprendizagem, conhecer sobre ciência da aprendizagem e ajudar os estudantes a melhorar o seu processo de aprendizagem. Competências digitais voltadas ao letramento digital, à capacidade de ajudar os estudantes a selecionar e avaliar informações no mundo em que vemos a informação dobrar a cada dia. E as competências socioemocionais, que também precisam ser desenvolvidas para que esse professor consiga mobilizá-las também nos estudantes, criando um ambiente de aprendizagem que seja favorável, criativo, empático e colaborativo.

Entrevista Nota 10 — O surgimento de novas ferramentas tecnológicas costuma trazer ganhos e percalços nos mais diversos setores da vida em sociedade, inclusive na docência. De que forma você vê a chegada dessas tecnologias — como inteligência artificial, realidade virtual, big data etc — na transformação do ensino?

Karina Tomelin — Prevemos que o professor vai poder desenvolver novas competências, habilidades relacionadas à inteligência artificial (IA), que falamos em duas vias: uma que é a inteligência artificial generativa e a outra que é a inteligência artificial preditiva.

Quando falamos da inteligência artificial generativa, falamos da capacidade dos professores de cocriar com a IA recursos e ferramentas de aprendizagem multimodais, multiplicando também as formas de aprender dos estudantes. Dos professores desenvolverem uma autonomia autoral digital docente que permita que eles criem novos objetos, imagens, ilustrações, infográficos, pequenos vídeos, podcasts, ebooks, enfim, mobilizando o seu saber com uma inteligência que vá cocriar com ele.

E a inteligência artificial preditiva é aquela que vai analisar dados de aprendizagem ou dados socioeconômicos desse estudante, e que vão indicar ao professor qual é o perfil desse aluno, como ele aprende, quais são os riscos de evasão, como posso classificar e compreender o critério de sucesso da aprendizagem para determinado perfil de alunos. Por isso que a competência analítica é fundamental para que possamos ajudar os professores também a compreender esses dados.

Entrevista Nota 10 — Poderia pontuar quais são os principais desafios da docência junto às gerações nativas digitais em um mundo cada vez mais conectado? Como os professores podem se adaptar e prosperar em meio às novas necessidades e perfis de alunos?

Karina Tomelin — Eu sempre costumo falar que uma das primeiras coisas é reconhecermos os vieses cognitivos que nos movimentam dentro da sala de aula ou as crenças limitantes que muitas vezes nos impedem de enxergar outras oportunidades de fazer a sala de aula.

Crenças como, por exemplo, “eu sou um imigrante digital, sou menos fluente digital do que o meu estudante, que é um nativo digital”. Essa crença muitas vezes impede o professor de pensar novas oportunidades de recurso da sala de aula e faz com que nos acomodamos, evitando usar a tecnologia por trás de uma ideia que não é verdade.

Os estudantes, por mais que sejam nativos digitais, as pesquisas mostram que eles não são fluentes digitais e que nós professores precisamos ajudá-los a desenvolver essa competência. Então, para o professor poder usar a tecnologia, ele precisa desenvolver esse mindset digital, que é reconhecer suas crenças e poder despertar a curiosidade para entender como os recursos que hoje estão disponíveis podem facilitar a sua vida, como por exemplo a inteligência artificial. Fazer do que falamos da IA - inteligência artificial, uma AI - assistente inteligente. Uma assistente do professor para que possa otimizar seu tempo e otimizar o seu trabalho burocrático para que ele possa, de fato, se dedicar ao que importa, que é essa relação com o aluno, essa observação e o apoio no processo de aprender.

Entrevista Nota 10 — No mês de setembro, você ministrou a oficina “Mindset e Ressignificação para os Caminhos da Docência” durante o Encontro Pedagógico do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão (CCG), da Universidade de Fortaleza. Como foi a experiência de troca com os professores da instituição? No que acredita ter contribuído para a formação docente desses profissionais?

Karina Tomelin — Foi uma experiência muito positiva, em que discutimos vários aspectos da formação de professores utilizando recursos ativos, que foram desde avaliar as nossas próprias crenças e vieses até pensar sobre estratégias para manter o engajamento da atenção, estratégias de letramento de futuros para que possamos nos conectar um pouco mais com esse conceito e entender como ele vai mudar a nossa profissão no futuro.

Também pensamos um pouquinho sobre docência compartilhada, o quanto nós professores precisamos compartilhar mais sobre o nosso saber, o nosso fazer, abrindo a nossa sala de aula para que outros professores possam se conectar conosco e que possamos romper com a solidão docente. Acho que essas são as contribuições que tivemos para o evento.