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Seg, 29 Maio 2023 11:03

Entrevista Nota 10: Kartik Chandran e o potencial das águas residuais para a sustentabilidade

Ph.D. em Engenharia Ambiental, ele fala sobre o impacto das águas residuais no meio ambiente e as possíveis soluções para cidades sustentáveis, além de explicar sua pesquisa em engenharia ambiental


Kartik é professor associado no Departamento de Engenharia da Terra e do Ambiente da Universidade de Columbia (Foto: MacArthur Foundation)
Kartik é professor associado no Departamento de Engenharia da Terra e do Ambiente da Universidade de Columbia (Foto: MacArthur Foundation)

Dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, dois deles falam sobre “garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos” e “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Esses tópicos, que parecem distintos, encontram uma forte e frutífera conexão por meio da ciência.

É o que pode ser visto no trabalho do engenheiro ambiental Kartik Chandran, líder global em tratamento sustentável de águas residuais e recuperação projetada de recursos. Por meio de pesquisa inovadora e aplicações práticas, ele vem demonstrando o valor oculto desses fluxos de descarte, conservando recursos vitais e ajudando a proteger a saúde pública, como na cidade de Kumasi, em Gana.

Por isso, o pesquisador foi convidado a participar do Seminário Internacional do Mestrado Profissional em Ciências da Cidade, promovido pela Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz — nos dias nos dias 25, 26 e 27 de maio. O evento fortaleceu o intercâmbio na busca de soluções para uma cidade sustentável e abordou o clima global, o tratamento de águas residuais sustentáveis e o reuso de seus componentes.

Kartik é Ph.D. em Engenharia Ambiental pela Universidade de Connecticut. Sob a sua administração, as direções de tratamento de águas residuais orgânicas e remoção de nutrientes biológicos foram estabelecidas pela primeira vez na história da Universidade de Columbia, onde atua como professor associado no Departamento de Engenharia da Terra e do Ambiente.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, ele explica o impacto das águas residuais no meio ambiente e as possíveis soluções para cidades sustentáveis, além de falar sobre sua pesquisa em engenharia ambiental e a parceria de longa data com o Mestrado Profissional em Ciências da Cidade (MPCC) da Unifor.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Em 2015, você recebeu o MacArthur Fellowship — prêmio concedido como investimento na originalidade, percepção e potencial de alguém — por seu trabalho inovador sobre integrar ecologia microbiana, biologia molecular e engenharia para transformar as águas residuais de um poluente problemático em um recurso valioso. Poderia contar um pouco sobre a obra que lhe trouxe tal reconhecimento?

Kartik Chandran – O foco da premiação MacArthur Fellowship em 2015 foi em meu método de unir o saneamento e a gestão de águas residuais com o reaproveitamento de produtos de alto valor — incluindo energia, químicos e nutrientes de forma contextualmente apropriada para facilitar tanto o saneamento quanto a gestão de águas residuais. Nossa abordagem específica foi e continua sendo a engenharia de comunidades microbianas e de microbiomas, desenvolvidos por nós no processo de saneamento de águas residuais, fazendo uso eficiente e positivo dos recursos.

Entrevista Nota 10 – Professor, poderia explicar o que são águas residuais e qual a importância do tratamento delas para a sustentabilidade do planeta?

Kartik Chandran – O termo “águas residuais” normalmente se refere a um fluxo gerado a partir de atividades antropogênicas [ações realizadas pelo ser humano], sejam elas domésticas, industriais ou agrícolas. Podem ser o que sobra ou o que é produzido e não podem ser utilizadas de forma eficiente; ou ainda uma corrente que represente algum risco caso não seja transportada para longe de sua fonte de origem (por exemplo, excrementos humanos produzidos por nós).

No entanto, "águas residuais" é um termo enganoso que falha em reconhecer os aspectos positivos e os possíveis recursos que, em alguns casos, podem estar embutidos nesses fluxos de escoamento. Dessa forma, uma maneira eficiente para fugir do ciclo vicioso de produzir águas residuais e não tratá-las (o suficiente) antes de serem descartadas no meio ambiente seria empregar expressões como “água enriquecida” ou, pelo menos, “água usada”. Assim, o valor e os recursos presentes nesses fluxos podem ser recuperados e redirecionados de volta à sociedade.

Entrevista Nota 10 – O que é ecologia microbiana e biologia molecular? Como essas áreas de estudo podem ajudar na preservação do meio ambiente por meio do tratamento de águas residuais? 

Kartik Chandran – Ecologia microbiana refere-se ao estudo da identidade e funcionalidade das comunidades microbianas; já a biologia molecular refere-se à aplicação desses estudos usando marcadores moleculares como DNA, RNA, entre outros. O tratamento biológico de águas residuais (e os processos de recuperação de recursos) são essencialmente conduzidos por comunidades microbianas. A ecologia microbiana e a biologia molecular são cruciais porque nos ajudam a entender e otimizar esses processos biológicos projetados, de maneira que não é possível por meio apenas de medições físicas ou químicas.

Entrevista Nota 10 – Segundo a 14ª edição do Ranking do Saneamento, apenas 50% do volume das águas residuais do Brasil recebe tratamento — valor equivalente a mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura despejadas diariamente na natureza. Quais são os potenciais usos desse recurso, perdido em forma de poluição ambiental, para as cidades brasileiras?

Kartik Chandran – Primeiramente, precisamos aumentar a proporção de águas residuais (talvez, principalmente, de dejetos humanos) que são coletadas e tratadas para evitar danos à saúde e à qualidade ambiental. Em seguida, caso seja apropriado, podemos focar na recuperação delas.

A nível fundamental, águas residuais de origem doméstica contêm carbono orgânico, nitrogênio e fósforo em formas muito favoráveis à recuperação e à transformação em produtos de alto valor — como químicos orgânicos (incluindo biocombustíveis, precursores de bioplásticos, biohidrogênio), fertilizantes (a partir do nitrogênio e do fósforo) e, claro, água (que não precisa ser potável). Recentemente, como aprendemos na pandemia, as águas residuais também podem servir como sentinelas para a saúde comunitária devido à presença de marcadores patogênicos nelas.

Entrevista Nota 10 – Nos dias 25, 26 e 27 de maio, você participou do Seminário Internacional do Mestrado Profissional em Ciências da Cidade, na Universidade de Fortaleza. O evento teve como intuito discutir e promover soluções para cidades sustentáveis. Como você enxerga a relevância de iniciativas como essa, promovida pela Unifor, no diálogo entre realidades distintas e na oportunidade para trocas de conhecimento e ideias sobre o assunto?

Kartik Chandran – O Mestrado Profissional em Ciências da Cidade da Unifor (ao qual fui apresentado em 2016) tem crescido a passos largos. Sinto-me honrado por ter contribuído com o programa nos últimos anos. O curso é singular no sentido de unir alunos e instrutores de várias disciplinas e abordar, de forma objetiva, diversos caminhos que podem ajudar a projetar uma cidade sustentável.

Percebemos que, apesar da recente pandemia de Covid-19, ainda existe uma rede de migração para as cidades. A menos que tenhamos os fundamentos acertados, que permitam à sociedade viver e prosperar nas cidades, provavelmente seremos confrontados com graves desafios em escala planetária. Nesse sentido, programas como o da Unifor são essenciais para a construção de uma comunidade sócio-técnico-política, capaz de projetar e desenvolver as cidades de hoje e do futuro.