null Entrevista Nota 10: Mariana Dionísio e a celebração do aluno-pesquisador

Qua, 23 Setembro 2020 10:50

Entrevista Nota 10: Mariana Dionísio e a celebração do aluno-pesquisador

Professora de graduação e pós-graduação da Unifor destaca as possibilidades para o estudante que opta por se dedicar à pesquisa


Professora Mariana Dionísio integra a coordenação do Programa de Formação do Aluno Pesquisador da Unifor (Foto: Ares Soares)
Professora Mariana Dionísio integra a coordenação do Programa de Formação do Aluno Pesquisador da Unifor (Foto: Ares Soares)

Normas ABNT. Abordagem qualitativa e quantitativa. Revisão bibliográfica. A pesquisa científica tem seus processos metódicos de investigação, mas vai muito além da forma, já que é através dela que a produção de conhecimento incorpora inovações e ganha consistência. Integrante da coordenação do Programa de Formação do Aluno Pesquisador da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, que visa aperfeiçoar a produção e apresentação de artigos científicos do corpo discente, a professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor, Mariana Dionísio de Andrade, esclarece para que serve e o que vem sendo exigido do aluno que opta por se dedicar à pesquisa. 

Doutora em Ciência Política (UFPE) e Mestre em Direito Constitucional (Unifor), a também advogada e especialista em Direito Internacional e Direito Processual Civil (Unifor) quer fazer valer o pluralismo de ideias e aliar conhecimento teórico à experimentação com vistas à produção científica de alto nível. Em entrevista, ela revela como e por quê.

Entrevista Nota 10 - Professora, para começar gostaria de saber quais os caminhos que levam você até a formação de alunos-pesquisadores na área do Direito. Quais foram os percursos formativos pelos quais passou até chegar aí? E também que práticas acadêmicas ou mesmo profissionais a capacitaram – ou estimularam - a fomentar a pesquisa entre os alunos de Direito? 

Mariana Dionísio - Tudo começou com uma trajetória acadêmica construída aos poucos: primeiro a graduação (com uma intensa participação em projetos de extensão universitária), em seguida a pós-graduação lato sensu e, apenas depois de algum amadurecimento acadêmico e experiência profissional, a pós-graduação stricto sensu, Mestrado e Doutorado, sempre inspirada por grandes professores. Durante esse caminho e depois de muitos erros e acertos, nasceu o interesse em aprimorar a formação de alunos-pesquisadores. A tentativa de ajudar os alunos no desenvolvimento de habilidades de pesquisa se tornou um aprendizado contínuo, porque tenho oportunidade de conviver com mentes extremamente criativas. 

Entrevista Nota 10 - Como se dá afinal a formação de alunos-pesquisadores no âmbito do Direito? Algumas especificidades são levadas em conta ou essa formação pode ser ministrada de forma generalizada?

Mariana Dionísio - A formação de alunos-pesquisadores no Direito é muito peculiar, porque parte de uma tradição acadêmica mais voltada aos estudos teóricos e analíticos. E a pesquisa precisa inovar, conviver com abordagens plurais justamente para desenvolver ideias relevantes, ou seja, a formação jurídica impõe um grande desafio: aliar o conhecimento teórico à experimentação, muitas vezes com o apoio de outras ciências, para a produção científica de alto nível.

Entrevista Nota 10 – E como o curso é estruturado de forma que contemple alunos-pesquisadores das mais diversas áreas de formação? 

Mariana Dionísio - A formação para pesquisadores é uma iniciativa do Projeto Jurimetria e Pesquisa Empírica em Direito, autorizado pela Diretoria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (DPDI/UNIFOR) e acaba sendo voltado para os pesquisadores em Direito. A formação faz parte do projeto como meio de acesso inicial dos alunos ao universo da pesquisa, com a leitura obrigatória de textos sobre ferramentas de abordagem quantitativa, introdução aos softwaresde pesquisa gratuitos, integridade da pesquisa (plágio e consequências jurídicas) e análise de dados. Em seguida, os pesquisadores recebem as primeiras noções sobre a construção da pesquisa (problema de pesquisa, hipóteses, objetivos, variáveis, relevância e referencial teórico), além de informações sobre a estratificação qualis e fator de impacto de periódicos. Por fim, os pesquisadores são estimulados à participação em eventos de pesquisa e preparação de artigos para avaliação dos coordenadores do projeto. Se aprovados, são submetidos para eventos e revistas. 

Entrevista Nota 10 – Qual o passo a passo da formação dos alunos pesquisadores e que habilidades ou expertises essa formação exige de quem possa vir a se interessar por ela?

Mariana Dionísio - Leitura! Leitura contínua, ininterrupta e de alta qualidade para a formação do pensamento crítico e elaboração do problema de pesquisa. Acredito que o passo a passo para a formação de pesquisadores exige o aprimoramento de características como organização, capacidade de comunicação, integridade intelectual, paciência e curiosidade em relação às ferramentas e métodos de pesquisa. E o principal: em uma longa caminhada percorrida em pequenos passos, é preciso que o pesquisador tenha confiança nos professores. Enquanto o aluno está iniciando uma jornada, os professores conhecem a maioria dos obstáculos a enfrentar.

Entrevista Nota 10 – De que forma a pesquisa em Direito – ou o aluno-pesquisador - pode contribuir com a Justiça Social ou a defesa da democracia e dos direitos humanos?  

Mariana Dionísio - O problema de pesquisa escolhido reflete muito sobre os interesses do pesquisador e a relevância do estudo é um dos elementos centrais. Se a pesquisa não é útil para a solução de questões (políticas, sociais ou jurídicas), perde sua essência, sua razão de existir. A pesquisa empírica em Direito auxilia na identificação de políticas públicas para a redução de desigualdades, aponta o desperdício de recursos públicos, demonstra lacunas normativas para correção em tempo hábil, desperta para o accountability das instituições democráticas, otimiza a atuação do Poder Judiciário, promove o conhecimento e o acesso a direitos, desvenda a realidade política e encontra soluções para problemas reais.

Entrevista Nota 10 - Para que serve a pesquisa, afinal, ou melhor, quais os principais motivos pelos quais os alunos devem se interessar pela pesquisa? 

Mariana Dionísio - A pesquisa serve para identificar, pensar e encontrar soluções possíveis para resolver problemas reais. Alunos devem se interessar pela pesquisa por algumas razões: para entender contextos complexos, desenvolver o pensamento crítico e, essencialmente, para questionar um mundo repleto de opiniões e “negacionismos”. A ciência deve ser valorizada porque afeta a percepção sobre diversas questões, busca respostas e propõe soluções de médio e longo alcance, o que é imprescindível em uma sociedade desigual como a nossa.

Entrevista Nota 10 - Você poderia nos falar sobre algumas pesquisas desenvolvidas como professora e profissional das áreas do Direito e Políticas Públicas que ocupam lugar de destaque no seu lattes?

Mariana Dionísio - Entre 2015 e 2017 desenvolvi uma pesquisa sobre fatores determinantes para a sobrevivência política de secretários estaduais, estabelecendo uma correlação entre o tempo de exercício da burocracia estadual e a realização de políticas públicas pelas pastas da Fazenda, Administração, Educação e Saúde, utilizando como unidade de análise o território nacional, com periodização entre 1988 a 2016. Foram realizadas descobertas interessantes, com impacto sobre a distribuição do orçamento público para políticas setoriais (para esclarecer, a literatura mais tradicional em políticas públicas não considerava a sobrevivência da burocracia estadual como variável, o que torna o conceito inaugural para a área). No mesmo período, trabalhei com pesquisas destinadas a conciliar Direito e Ciência Política, como nos estudos publicados sobre policy switch e desvios de mandato, accountability do serviço público de saúde, ativismo judicial e responsabilização do gestor público. De 2018 a 2020 passei a me dedicar a outros temas como Direito e tecnologia, utilização de legal techs e inteligência artificial para o exercício da advocacia privada e otimização do Poder Judiciário. Em um panorama recente, tenho desenvolvido pesquisas junto ao projeto Jurimetria e Pesquisa Empírica em Direito (PROPED/UNIFOR), abordando temas como o comportamento dos tribunais e mecanismos legais de proteção da pessoa nas relações privadas, inovações e desenvolvimento tecnológico no Poder Judiciário e pesquisa empírica em Direito Civil. O projeto é coordenado por mim e pelo prof. Eduardo Régis Girão (UNIFOR/ESMEC), e conta com a dedicação de jovens e dedicados pesquisadores de graduação e pós-graduação, que encaram a atividade de pesquisa com ética e compromisso.