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Ter, 26 Dezembro 2023 11:16

Entrevista Nota 10: Mônica Luz e a internacionalização do comércio cearense

Mestre em em Administração de Empresas e especialista em Comércio Exterior, ela pontua os principais desafios do cenário atual e explica a importância de fazer a ponte entre ensino e mercado


Mônica Luz é professora do curso de Comércio Exterior e coordenadora do Núcleo de Práticas em Comércio Exterior (Nupex) da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
Mônica Luz é professora do curso de Comércio Exterior e coordenadora do Núcleo de Práticas em Comércio Exterior (Nupex) da Unifor (Foto: Arquivo pessoal)

A globalização facilitou, entre muitos aspectos da vida em sociedade, a troca de bens e serviços entre nações, seja por meio terrestre, aquático ou aéreo. À medida que os limites geográficos são testados, o cenário corporativo se torna cada vez mais competitivo e, ao mesmo tempo, dependente de atividades de importação e exportação. 

Essa nova realidade aumenta as possibilidades de inovação e impulsiona as vendas para além das fronteiras nacionais, o que motiva as organizações – de pequeno, médio e grande porte – a investir e explorar oportunidades de negócio ao redor do mundo. 

No Brasil, não é diferente. De acordo com a edição de 2023 da pesquisa “Trajetórias FDC de Internacionalização das Empresas Brasileiras”, realizada pela Fundação Dom Cabral (FDC) em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (Apex-Brasil), cada vez mais empresas brasileiras passam a investir no processo de internacionalização.

Além disso, o estudo destaca a velocidade com que as organizações se internacionalizam, impulsionadas pela transformação digital, e como os movimentos internacionais feitos por essas empresas estão progressivamente mais integrados aos seus objetivos estratégicos, apresentando, muitas vezes, metas ambiciosas. 

Mônica Luz, professora do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, cita as startups como organizações que estão apostando nesse movimento. Segundo a docente, muitas dessas empresas já nascem com uma visão global e buscam por profissionais qualificados, que compreendam a tecnologia, o marketing e os negócios internacionais.

Em terras brasileiras, o Ceará ocupa posição de protagonismo no comércio internacional. Dados do “Ceará em Comex”, estudo de inteligência comercial produzido pelo Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), mostram que o estado ocupa o 3º lugar no Nordeste em termos de exportações.

“Quando falamos sobre a internacionalização do Ceará, temos um bom cenário e boas parcerias. No entanto, ainda enfrentamos uma grande fragilidade no desenvolvimento econômico: temos uma linha de pobreza bastante significativa. Então, nosso maior desafio é ter grandes projetos, mas também melhorar as condições para que novas pessoas entrem no mercado de trabalho”, pontua a também coordenadora do Núcleo de Práticas em Comércio Exterior (Nupex).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, a mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e especialista em Comércio Exterior pela Universidade Vale do Rio dos Sinos (UniSinos) conta como foi assumir a presidência da Câmara Setorial de Comércio Exterior (CS Comex), pontua os principais desafios na internacionalização do comércio cearense e explica a importância de fazer a ponte entre ensino e mercado. 

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Professora, em maio de 2023, você assumiu a presidência da Câmara Setorial de Comércio Exterior (CS Comex), da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece), além de já ter comandado a iniciativa de janeiro a dezembro de 2020. Você também foi membro dirigente do órgão, então CS Comex e IE, quando ele foi instituído em 2015. Como foi estar de volta e seguir fazendo parte dessa história? Por que retornar à “casa”?

Mônica Luz — A Câmara Setorial funciona desde 2015 e reúne várias entidades e instituições relacionadas ao comércio internacional, tanto do setor público quanto privado e acadêmico. Eu, na realidade, represento a Unifor desde o ano de surgimento da Câmara. A CS Comex reúne os principais players e instituições voltadas para o desenvolvimento do comércio internacional do estado do Ceará e a academia foi convidada para participar desde o início. 

Em 2020, recebemos o convite para assumir a gestão da Câmara. Todos os anos uma nova instituição assume. É sempre super prazeroso, e ao mesmo tempo um grande desafio, uma responsabilidade, porque comandar, trazer assuntos para uma discussão de players tão importantes, com tanta atuação dentro do Estado e em constante mudança, não é muito fácil. Mas, como são pessoas que já fazem parte do grupo há bastante tempo, me senti à vontade nesse retorno à presidência, principalmente pela proximidade dessas instituições e parcerias hoje estabelecidas entre elas.

Entrevista Nota 10 — Quais foram os planos traçados para o novo momento à frente da CS Comex? As metas foram cumpridas? E quais os principais desafios hoje na internacionalização do comércio cearense?

Mônica Luz — A meta para 2023 foi restabelecer o diálogo entre as instituições membro de forma presencial, trazendo para o grupo informações referentes às grandes mudanças e adequações que ocorreram nos dois últimos anos. Quando falamos sobre a internacionalização do estado, temos um bom cenário e boas parcerias. Nota-se que Câmara Setorial está muito bem representada com o setor público-privado e a academia, conversando e interagindo nos projetos. 

No entanto, ainda enfrentamos uma grande fragilidade no desenvolvimento econômico: temos uma linha de pobreza bastante significativa, e essa questão social precisa ser tratada com cuidado. As questões ambientais também são outra preocupação, e tudo isso envolve políticas econômicas. Então, nosso grande desafio é ter grandes projetos, mas também melhorar as condições para que novas pessoas entrem no mercado de trabalho, para que se possa trazer a pequena e média empresa a participar de forma mais sustentável. 

Precisamos de ações que incentivem e colaborem com o empreendedorismo, porque as pessoas precisam estar bem alimentadas, saudáveis e ter condições para ser integradas no mercado de trabalho e gerar pequenos negócios. 

Para nós, os pequenos negócios e as pequenas e médias empresas são muito importantes. A gente vem trabalhando muito bem com grandes empresas, recebendo investimentos de grandes organizações, mas precisamos trazer essa camada de baixa renda para uma condição mais digna. Isso é fundamental. Focar na pequena e média empresa e no empreendedorismo é a chave. 

Entrevista Nota 10 — Ana Karina Frota, presidente do Conselho de Relações Internacionais (CORIN) e gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN), assumiu a vice-presidência da CS Comex e trabalhou junto a você na direção do órgão. O que significou ter duas mulheres, com currículo de peso, à frente da entidade? Como está a presença feminina na área de desenvolvimento do comércio exterior aqui no Ceará?

Mônica Luz — É muito gratificante assumir esse papel de protagonismo, especialmente sendo duas mulheres representando o movimento feminino no comércio exterior. A mulher vem conquistando seu espaço no mercado de trabalho, mas ainda está longe do ideal, se comparado ao homem. Então, é sempre bom que ocupemos esse lugar de protagonismo, motivando muitas outras mulheres. 

De qualquer forma, vale ressaltar que o comércio internacional tem uma característica um pouco diferenciada para as mulheres. Ele é, apesar das dificuldades existentes, um dos segmentos em que a mulher já conseguiu mais lugares de protagonismo, com melhores salários.

Ainda existe uma distância em relação à participação nas atividades relacionadas ao comércio exterior, no entanto, com uma presença masculina bem maior. E existe uma diferença salarial também, como acontece em todas as outras áreas. Mas, tem uma característica importante: as empresas de comércio que trabalham com exportação, importação e comércio internacional, são organizações que pagam melhor, principalmente aqui no Ceará. De acordo com uma pesquisa feita aqui no Brasil, essas empresas têm uma posição melhor com relação a faturamento e posicionamento de mercado, então, acabam pagando melhor. 

Então, as mulheres são melhor remuneradas dentro das empresas que exportam. Isso já é um ganho, mas ainda existe a diferença salarial e de quantidade de cargos. Outra característica importante é que quanto mais as empresas que exportam têm produtos especializados, não tão brutos, mais mulheres ocupam posições dentro da organização. 

Essa constatação partiu de um estudo que saiu recentemente, feito pela Secretaria de Comércio Exterior, que apresenta o retrato da mulher no comércio exterior brasileiro. Isto é importante, porque indica e direciona políticas públicas voltadas para o incentivo à participação da mulher de forma mais assertiva e valorizada, levando em consideração sua forma fazer a gestão, habilidades em desenvolver políticas comerciais, entre outros.

Entrevista Nota 10 — Você é co-fundadora e conselheira do Ceará Global, um projeto idealizado pela Câmara Temática de Comércio Exterior e Investimento, vinculada à Adece, em associação com dezenas de entidades públicas e privadas que atuam de forma coordenada em prol da internacionalização da economia cearense. Como o Ceará Global vem transformando o diálogo na área e impulsionando mudanças significativas?

Mônica Luz — O movimento Ceará Global surgiu dentro da Câmara Setorial. Além do evento anual, a iniciativa também consiste em outras ações, como o Ceará Global Redes by Nupex – uma rede de comunicação criada por alunos do curso de Comércio Exterior, com perfis no Instagram, LinkedIn e Facebook, elaborando notícias em inglês. O principal objetivo, tanto do evento quanto do Ceará Global Redes by Nupex, é apresentar para o mundo o que o Ceará tem a oferecer. Esse é o nosso slogan, é a chamada do Ceará Global.

Muitas pessoas, inclusive no Brasil, desconhecem o que temos em nosso estado: o nosso porto, as indústrias, a agricultura, o artesanato único, nossos polos, como o moveleiro e o de lingerie, além das belezas naturais e do turismo forte. Dentro da Câmara Setorial, todas as instituições tinham a mesma percepção da necessidade de mostrar mais o Ceará para o mundo. E, da mesma forma, a necessidade de identificar onde já estão as representações do estado, a fim de fortalecer tais conexões. 

Inclusive, nosso próximo passo é identificar onde o Ceará já tem presença global, pois já realizamos investimentos no exterior. Esse movimento foi amplamente acolhido pelas instituições participantes. Dentro da Câmara Setorial e do evento, que se adaptou para uma maior presença online, conseguimos mostrar o Ceará para o mundo de maneira mais efetiva. Isso nos possibilitou criar painéis com participantes internacionais no evento de 2020, algo que antes seria muito mais complicado.

A cada ano, trabalhamos no evento um tema que esteja em destaque na região. Em 2022, por exemplo, focamos bastante na economia do mar, na transição energética e na economia criativa, sempre com um olhar atento para as questões de sustentabilidade ambiental. É fundamental ter essa participação estrangeira, pois o investimento externo é crucial para o estado. Também focamos no desenvolvimento de fornecedores internacionais, uma vez que importamos muitos itens e não somos auto suficientes em tudo. 

Temos projetos ambiciosos, alguns dos quais dependem de tecnologia avançada. Portanto, já temos toda uma infraestrutura local e uma política fiscal prontas para receber esses investimentos. Continuar com o evento é essencial, e é sempre um prazer poder mostrar o que temos e também aprender com as experiências de outros países e estados, buscando formas de aprimorar nossas abordagens.

Entrevista Nota 10 — Além da atuação nessas iniciativas, você também é docente do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza, onde coordena o Núcleo de Práticas em Comércio Exterior (Nupex). De que forma enxerga o papel da academia no desenvolvimento da internacionalização da economia cearense? Como é fazer a ponte entre ensino e mercado?

Mônica Luz — Hoje, é bem clara a percepção de que tudo começa na academia, tanto para as empresas quanto para os setores público e privado. Aqui nascem as pesquisas, e se encontram propostas e soluções. No Nupex, nosso maior objetivo é preparar os alunos de maneira prática, desenvolvendo projetos de internacionalização, já que instituições públicas e privadas criam diversos programas voltados para isto e necessitam de profissionais capacitados para concretizá-los.

Atualmente, temos novos modelos de negócio, como a internacionalização de pequenas e médias empresas em diversos segmentos. As startups estão fortes nesse movimento, o que para nós é algo novo. Há cerca de dois ou três anos, esse movimento do ecossistema tecnológico do estado se fortaleceu, e essas startups passaram a buscar a internacionalização de serviços, sendo que muitas atualmente já nascem com essa visão global. Assim como as pequenas e médias empresas, elas precisam de profissionais qualificados, que compreendam a tecnologia, o marketing e os negócios internacionais, considerando legislação, questões culturais e uma série de outros fatores. 

Dentro do Nupex, nossos alunos vivenciam a realidade do Ceará, tanto os aspectos positivos quanto os desafios, aprendendo a buscar soluções para todos os tipos de adversidades apresentadas pelo mercado. Juntos, desenvolvemos habilidades e conhecimentos necessários para isso, impulsionando o treinamento e profissionalização dos estudantes.

Até o momento, já contabilizamos mais de 65 projetos de internacionalização. Muitas dessas iniciativas já foram implementadas e levaram nossos alunos a atuar em empresas reais. No Nupex, estamos sempre atentos às novidades, e muitas ferramentas digitais surgiram recentemente, especialmente no processo de importação e exportação. É uma nova competência que o mercado exige, e o laboratório prático do núcleo se mantém atualizado para atender essas demandas. 

Entrevista Nota 10 — Na Unifor, o Nupex atua na formação prático-profissional dos alunos do curso de Comércio Exterior e, ao mesmo tempo, contribui com projetos de internacionalização para empresas cearenses, startups e tradicionais. Qual a importância de iniciativas como essa na formação de novos profissionais capacitados para lidar com o mercado de trabalho e o cenário econômico atual?

Mônica Luz — O Nupex, além de ser um espaço que une teoria à prática, fomenta principalmente a criatividade e a inovação. Surgiram vários projetos dentro do núcleo, como o Ceará Global Redes, que foi incorporado ao Nupex e resultou no lançamento de uma revista digital mensal. Isso cria uma conexão direta entre a formação dos alunos de comércio exterior e o marketing, permitindo que participem ativamente da criação desse produto mensal, cheio de conteúdo sobre comércio internacional, e desenvolvam uma rede de contatos com o mercado, além de habilidades em gerar conteúdo e manusear ferramentas digitais.

O núcleo oferece mobilidade, levando projetos para dentro do Nupex e criando novas células de trabalho. Algumas iniciativas podem se transformar em disciplinas curriculares, enquanto outras podem ter a flexibilidade de atender a demandas específicas durante um período determinado.

O Nupex também acolhe projetos de monitores e líderes da graduação, além de projetos da Câmara Setorial. Sempre que há a possibilidade de interagir com os setores público e privado e acompanhar de perto essas mudanças, estamos presentes. O núcleo oferece essa flexibilidade de forma ágil, pois iniciativas e novas demandas podem ser atendidas rapidamente.

Trabalhamos com várias habilidades de forma interdisciplinar dentro do Nupex, aliando competências de outros cursos, e ensinamos os alunos a trabalhar em times. Isso é crucial, pois é assim que as equipes são formadas dentro das empresas. Além disso, nosso curso de Comércio Exterior e negócios internacionais é focado em gestão, mas com uma abordagem criativa, adaptativa e sempre atenta ao mercado.