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Seg, 18 Setembro 2023 12:09

Entrevista Nota 10: Nicinha e o legado atemporal da arte de Leonilson

Presidente do Projeto Leonilson, a irmã do artista fala sobre sobre a nova exposição “Leonilson: Territórios em Travessia – Recorte Virtual” e o trabalho de conservação da arte e memória dele


Natural de Fortaleza, Ana Lenice Dias, mais conhecida como Nicinha, é psicóloga e terapeuta familiar (Foto: Ares Soares)
Natural de Fortaleza, Ana Lenice Dias, mais conhecida como Nicinha, é psicóloga e terapeuta familiar (Foto: Ares Soares)

Mesmo com sua precoce partida, o artista plástico cearense José Leonilson (1957-1993) deixou um robusto legado artístico não só local, mas também nacional e internacional. Nesses 30 anos sem Leó — apelido carinhoso pelo qual era chamado em seu círculo íntimo —, o Projeto Leonilson promove a permanência de sua memória ao continuar divulgando e cuidando da obra dele.

Segundo a curadora Ana Lenice Dias, mais conhecida como Nicinha, a arte de seu irmão é atemporal, sendo sempre atual por envolver situações e pessoas. Ela é presidente do Projeto desde 1993, ano em que foi fundado por familiares e amigos do artista, e vem promovendo uma série de eventos e exposições pelo país para celebrar Leonilson.

A Universidade de Fortaleza, mantida pela Fundação Edson Queiroz, é uma antiga parceira do Projeto e decidiu participar das comemorações de forma inédita, aproveitando os próprios festejos dos seus 50 anos de história. Para isso, lançou a exposição “Leonilson: Territórios em Travessia – Recorte Virtual”, a primeira individual do artista realizada em ambiente virtual.

Em cartaz no Espaço Cultural da Unifor, a mostra convida o público a uma imersão na obra de um dos maiores nomes das artes contemporâneas no Brasil. O ambiente é acessado por meio de óculos de realidade virtual, com uma tecnologia desenvolvida pelo laboratório Vortex, da Diretoria de Tecnologia (DTec) da Universidade. 

“Fico imaginando o que o Leó acharia dessa nova forma de ver suas obras sendo mostradas… acho que ele iria gostar da ideia”, diz Nicinha. Na Entrevista Nota 10 desta semana, ela fala sobre sobre a nova exposição e o trabalho de conservação da arte e da memória de Leonilson.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Você está à frente do Projeto Leonilson desde sua fundação, em 1993. Como é cuidar do legado e da memória de seu irmão? Qual a importância de ter um trabalho ativo para preservar a história de alguém que é parte da trajetória artística e social de um país?

Nicinha — Antes de falecer, Leonilson nomeou nossa mãe como sua herdeira, deixando seus bens para que ela resolvesse o destino dessa herança. Ficamos perdidos, nossa dor por sua perda e nossa falta de experiência para lidar com a situação nos levou a conversar com seus amigos, que estavam preocupados com o que íamos fazer com esse legado. Quatro meses depois de muitas conversas, informalmente, fundamos o Projeto Leonilson.

Os objetivos não estavam definidos, mas sabíamos que precisávamos tomar decisões para preservar e cuidar de tudo o que ele havia deixado. Decidimos que faríamos um conselho, e me propus ser a “presidente” do Projeto, assessorada pela família e pelos amigos. A memória estava sendo preservada. Assumimos a responsabilidade de trabalhar e deixar vivo o que ele havia construído.

Entrevista Nota 10 — Em 2023, vivenciamos o marco de 30 anos sem Leonilson. Apesar da partida prematura, ele deixou um enorme legado que persiste e impacta gerações diversas de público e artistas. Nestas três décadas de resistência do trabalho de uma vida, o que você acredita que existe nas obras do seu irmão que segue dialogando com o mundo e as pessoas ainda hoje? O que faz Leonilson seguir presente? 

Nicinha — Acho que o Leonilson é atemporal, suas obras são sempre atuais, envolvem situações e pessoas. Ele consegue dividir suas emoções com um público que não tem idade definida, o que ele produziu permanece presente. A sinergia acontece, sua energia continua circulando.

Entrevista Nota 10 — A exposição “Leonilson: Territórios em Travessia – Recorte Virtual”, em cartaz no Espaço Cultural Unifor, faz parte das celebrações do legado do artista e traz um interessante diferencial: é a primeira individual dele realizada em ambiente virtual. Como surgiu essa ideia e como foi trazê-la à vida? O que acredita ter sido a grande colaboração da tecnologia para a obra de seu irmão nessa mostra?

Nicinha — Estamos celebrando os 30 anos da morte do Leonilson, [com] muitos eventos e exposições acontecendo em parceria com o Projeto. Vim a Fortaleza no início do ano com o objetivo de trazer e colher ideias para essa comemoração.

A Universidade de Fortaleza sempre foi nossa parceira. Conversamos sobre a possibilidade de fazermos um trabalho em conjunto, uma exposição diferente, e surgiu a ideia de realizar uma mostra no ambiente virtual, recentemente criado na instituição. 

Essa proposta, ao mesmo tempo que me assustou, também me agradou. Seria mais um desafio, seria trazer o Leonilson para um mundo diferente, um mundo virtual acessível a um público diverso. Uma tecnologia com formato diferente, com proposta atual, passou a ser desenhada e desenvolvida por meio de reuniões online, e originou a primeira exposição virtual do Leonilson, a tecnologia associada à arte.

Fico imaginando o que o Leó [Leonilson] acharia dessa nova forma de ver suas obras sendo mostradas… acho que ele iria gostar da ideia.

Entrevista Nota 10 — O Catálogo Raisonné com a produção artística completa de Leonilson foi lançado em 2017. Separada em três volumes, a publicação é de alta relevância, especialmente para o trabalho de conservação da vida e obra do artista. Poderia explicar a importância dessa catalogação na permanência não só da memória do seu irmão, como ainda para a história da arte nacional e internacional?

Nicinha — O Catálogo Raisonné foi a coroação de todo o trabalho de pesquisa e catalogação que fizemos desde a criação do Projeto Leonilson. É uma publicação que preserva a memória do artista, que contempla as obras, histórico e disponibiliza pesquisa. É uma forma de autenticar a produção criativa.

No Brasil, temos poucas publicações de tão grande porte e tão importante. Poder realizar essa pesquisa é um marco não só para o Projeto Leonilson, é um exemplo que deveria ser seguido, é uma conquista cultural nacional e internacional.

Entrevista Nota 10 — A Fundação Edson Queiroz não só apoiou a elaboração do Catálogo Raisonné de Leonilson, como também conta com obras do artista em seu acervo e trouxe exposições individuais dele. Como começou essa parceria entre o Projeto Leonilson e a FEQ? De que forma você enxerga o papel de instituições como a Fundação na educação e divulgação artística para a construção de uma sociedade mais consciente e sensível?

Nicinha — O apoio da Fundação Edson Queiroz na elaboração do Catálogo Raisonné foi fundamental. Foi um apoio financeiro e, mais que tudo, um modo de avalizar, um voto de confiança no trabalho que fazemos. Ficamos muito honrados com essa confiança e incentivos. A parceria com a Fundação vem de longa data. A importância dessa divulgação acrescenta credibilidade e reconhecimento à obra do artista no mundo das artes. É um exemplo necessário a ser seguido.