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Ter, 20 Dezembro 2022 08:28

Entrevista Nota 10: Vicente Cristino e a acessibilidade no esporte

Professor de Educação Física da Unifor e mestre em Educação Especial, Vicente pontua a importância da acessibilidade em atividades esportivas no processo de inclusão e autonomia das Pessoas com Deficiência (PcD) 


O docente da Universidade de Fortaleza também é membro da Sociedade de Assistência aos Cegos (Foto: Ares Soares)
O docente da Universidade de Fortaleza também é membro da Sociedade de Assistência aos Cegos (Foto: Ares Soares)

As questões físicas, muitas vezes, não são um proibitivo para as Pessoas com Deficiência (PcD) brilharem, não só pelo suor, em atividades esportivas. Nos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020, por exemplo, os paratletas brasileiros conquistaram 72 medalhas, sendo dessas 22 de ouro. O resultado colocou o Brasil em sétimo lugar no quadro de medalhas da competição e fez desses jogos os melhores da história do país.

Para além dos “atletas de elite”, os esportes são importantes aliados na saúde e no bem-estar da população PcD, que contabiliza cerca de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência – aproximadamente 24% dos habitantes, segundo o IBGE. Conforme explica o professor Vicente Cristino, a prática de atividade física possibilita a melhoria de vida, quebrando a discriminação e os preconceitos que a sociedade tem frente às pessoas com deficiências.

Docente do curso de Educação Física da Universidade de Fortaleza – instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz –, Vicente ministra as disciplinas de Atividades Físicas Adaptadas e de Estágio em Atividade Física para Grupos Especiais. Ele também é responsável pela reabilitação com atividade hidroespecial no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI) e membro ativo da Sociedade de Assistência aos Cegos. Mestre em Educação Especial, ainda possui especialização em Psicomotricidade, Atividade Física Adaptada, Orientação e Mobilidade e em Deficiência Intelectual.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Vicente Cristino explica a importância da acessibilidade em atividades esportivas no processo de inclusão e autonomia das pessoas com deficiência.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Professor, como surgiu o interesse de atuar no âmbito da acessibilidade dentro da área de educação física?

Vicente Cristino – Minha vida acadêmica e com atividade na reabilitação e nos esportes adaptados e paralíticos surgiu com a necessidade de adaptar os espaços físicos, além da comunicação, para dar oportunidades às pessoas com deficiência no seu deslocamento e no uso de equipamentos públicos e privados.

Entrevista Nota 10 – Qual o papel da prática esportiva na qualidade de vida e na conquista, tanto individual quanto coletiva, da autonomia de Pessoas com Deficiência (PcD)?

Vicente Cristino – As deficiências podem acontecer de forma congênita ou adquirida por vários fatores: hereditário, má formação, doenças pela mãe na gravidez no período pré-natal, prematuridade no período perinatal ou por acidente, doenças ou outros fatores no período pós-natal. O trabalho de reabilitação, ou de habilitação, é o primeiro momento que as pessoas com deficiências têm com atividades físicas; o segundo é o trabalho de reabilitação utilizando o esporte; e o terceiro momento é o interesse, a motivação e o desejo da competição esportiva.

A prática da atividade física possibilita a melhoria de vida e a prevenção de deficiências secundárias, quebrando a discriminação e os preconceitos que a sociedade tem frente às pessoas com deficiências. Estudar, trabalhar, sair para o lazer, constituir uma família e buscar espaços fazem parte da autonomia dos PcDs. Através do esporte, ele [PcD] conhece outras pessoas, locais e seus direitos dentro das leis vigentes em nosso País.

Entrevista Nota 10 – Quando se fala sobre esporte, seja na mídia ou em discussões no dia a dia, é comum ouvir e ver exemplos de pessoas sem nenhum tipo de limitação específica enquanto atletas. Para além do lugar de "senso comum" da sociedade, que não costuma pensar em PcD como esportistas, quais são as principais questões que dificultam o acesso e a ascensão dessa comunidade no esporte?

Vicente Cristino – O esporte direcionado para este público quebra barreiras e preconceitos, além de proporcionar melhor qualidade de vida, iluminando outros caminhos para seguir na luta por sua sobrevivência em uma sociedade ainda preconceituosa e discriminatória. A carência por profissionais qualificados da educação física no trabalho de reabilitação é uma realidade. Esses profissionais para trabalhar nos esportes adaptados são poucos ainda frente a quantidade de esportes. Os locais para a prática deixam muito a desejar e o incentivo, tanto na área pública quanto privada, ainda está distante [de ser efetivo].

Entrevista Nota 10 – No último dia 11 de dezembro, aconteceu a 28ª Corrida de Rua Unifor, após dois anos de suspensão por conta da pandemia. Nesta edição simbólica, ainda houve mais duas ocasiões para destacar: a inclusão da categoria Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a disponibilização do regulamento em braille. Como foi fazer parte dessa iniciativa e o que esses acontecimentos significam no processo de acessibilidade para todos?

Vicente Cristino – As pessoas com TEA já participavam da corrida e, com o aumento de participantes, tivemos que colocar uma categoria específica. Na comunicação sempre esteve presente os intérpretes de Libras, mas faltava um aspecto para que a nossa corrida tivesse uma comunicação completa. Entrei em contato com a Sociedade de Assistência aos Cegos, da qual também faço parte, e solicitei a transcrição do regulamento para braille pela primeira vez. Todos os competidores, com seus responsáveis, tiveram uma comunicação acessível. Quando proporcionamos a inclusão para todos, estamos respeitando um direito de ir e vir, respeitando os seres humanos, a constituição do nosso País e a Lei 13.146, conhecida como Lei de Inclusão.

Entrevista Nota 10 – Você tem participado desde a primeira Corrida de Rua Unifor, em 1992, até hoje. Como o evento celebra, auxilia e dá visibilidade à inclusão de PcD ao longo de sua história?

Vicente Cristino – Na primeira Corrida, tivemos a participação de 22 atletas deficientes visuais, motores e intelectuais. Isso foi o ponto de partida para mostrar que podemos correr e praticar vários esportes, com uma particularidade na Corrida de Rua Unifor. Todas as pessoas com deficiência podem, até mesmo aquelas que necessitam de apoio de pessoas ou equipamentos. Um verdadeiro respeito com o ser humano.

Entrevista Nota 10 – Apesar das conquistas de direitos e visibilidade, principalmente por meio do trabalho de entidades e organizações de luta sobre a causa na sociedade, o que ainda falta a ser alcançado para haver, de fato, uma acessibilidade inclusiva no esporte? Quais são as perspectivas para o futuro?

Vicente Cristino – Desde o momento que eu, você e demais integrantes desta sociedade respeitamos as pessoas com deficiências, vamos ter apenas seres humanos sem qualquer rótulo. Todos nós ao nascermos já fazemos parte da sociedade e as pessoas com deficiências também fazem parte dela. Vamos respeitar e proporcionar adaptações para que todos estejamos no mesmo espaço de estudo, trabalho, lazer e esporte.