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Seg, 19 Julho 2021 11:40

Formação cidadã extra-muros

Atividades de extensão presentes na Universidade de Fortaleza contribuem para uma formação com experiências ligadas à responsabilidade social 


Jovem Voluntário, Clínicas Odontológicas, Cidadania Ativa e a Semana da Responsabilidade Social são algumas iniciativas de extensão da Unifor. Imagens realizadas antes da pandemia de Covid-19 (Fotos: Arquivo Unifor/Ares Soares)
Jovem Voluntário, Clínicas Odontológicas, Cidadania Ativa e a Semana da Responsabilidade Social são algumas iniciativas de extensão da Unifor. Imagens realizadas antes da pandemia de Covid-19 (Fotos: Arquivo Unifor/Ares Soares)

O namoro é antigo, mas a oficialização se deu recentemente, obedecendo a exigências recentes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação: em junho de 2019, a Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, publicou internamente a resolução que se refere à inserção de ações de extensão no itinerário formativo do estudante como componente curricular obrigatório para a integralização do curso de graduação no qual esteja matriculado. Mais: as atividades extensivas passam a compor um mínimo de 10% da carga horária total de matrizes curriculares reformuladas ou em fase de reformulação.

“Sempre existiram atividades de extensão na Unifor, como as Ligas Acadêmicas, as Clínicas Odontológicas, os próprios atendimentos no NAMI ou no Escritório de Prática Jurídica (EPJ), mas boa parte do que já existe há décadas como programa, projeto ou prestação de serviços vai se tornar curricularizado, valendo crédito. Internamente, fica também decretada a obrigatoriedade de que o aluno Unifor passe necessariamente por uma extensão. Antes, era possível ingressar em um curso de graduação e sair sem fazer pesquisa ou extensão, ou seja, voltando-se unicamente ao ensino. Agora não mais. Tem que passar pela extensão, trata-se de uma condição para se graduar, portanto essas atividades não mais atingirão somente o voluntariado”, detalha a professora Cristina Maia, da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação (VREGRAD).  

Formalidades à parte, vale acrescentar: a VREGRAD e a Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária (VIREX) não compreendem a participação dos estudantes em atividades de extensão como exigência regulatória, mas como reais oportunidades para o exercício do protagonismo estudantil e o desenvolvimento de competências de vida que irão se somar a expertises técnico-profissionais, fazendo a diferença no âmbito humano e profissional. 

“A formação cidadã do estudante também está ligada, como princípio, à integração entre ensino, pesquisa e extensão frente a iniciativas concretas de responsabilidade social que expressem respeito aos princípios éticos e compromisso da instituição com a melhoria da qualidade de vida da população e o desenvolvimento sustentável do ecossistema no qual ela está inserida” - Cristina Maia, assessora pedagógica da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação da Unifor.

Para o professor Marcus Mauricius, coordenador da Divisão de Responsabilidade Social da VIREX, ampliar ou referendar as atividades de extensão é também afirmar a interação dialógica necessária entre a instituição e a comunidade externa para o enfrentamento conjunto de desigualdades históricas e planetárias. “O século XX foi embora rompendo de vez com a aura elitista de instituições do ensino superior que teimavam em se manter distanciadas ou apartadas dos problemas reais e crônicos da sociedade. A ênfase passaria a ser dada à relevância social do pensamento acadêmico – e não ao seu encastelamento -, aproximando as mais diversas fontes de conhecimento dos sistemas produtivos e dos processos de inovação que regem tanto o local como o global”, enfatiza o professor. 

“A curricularização da extensão na Unifor também está vinculada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU à busca conjunta por inclusão social e um mundo sustentável” - Marcus Mauricius, coordenador da Divisão de Responsabilidade Social da VIREX

Há mais o que comemorar, segundo a professora Cristina Maia, da VRGRAD: para fins de acompanhamento da implantação da curricularização da extensão nos diversos cursos da Unifor a partir de 2021.2 cada Centro de Ciências passa a contar com uma Assessoria de Extensão, para além da Assessoria Pedagógica. E coube ainda às Vice-Reitorias – VREGRAD e VIREX – criarem o Instrumento Unificado de Cadastro de Ação de Extensão, integrando as linhas e ações extensionistas justamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e as Competências de Vida da Unifor. 
 

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Não à toa, o impacto social gerado por ações extensionistas preocupadas com as urgências do agora também geram impacto positivo na formação acadêmica em si. Interdisciplinaridade, interprofissionalidade e indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tudo isso junto e misturado, têm resultado em conhecimento mais diverso e poroso, em ideias aplicáveis e potencialmente transformadoras, em projetos colaborativos gestados, testados e aprovados na esteira da integração entre academia, sociedade e mercado. 

No curso de graduação em Administração, coordenado pelo professor Josimar Costa, há muito a sala de aula dialoga e troca com o mercado, a partir de projetos e serviços compartilhados entre a Unifor e o setor corporativo. Entre as mais recentes, a parceria firmada com a empresa VCI vem buscando alinhar as demandas do negócio Hard Rock Hotel com as necessidades prementes e potencialidades da comunidade da praia da Lagoinha, no município de Paraipaba. Como atividade de campo vinculada à matriz curricular aos estudantes matriculados na disciplina Liderança e Gestão é posto o desafio de desenvolver um plano de negócio junto ao empreendimento a fim de se criar oportunidades de emprego e renda na comunidade, considerando a vocação do lugar, ao mesmo tempo em que resoluções possíveis para problemas territoriais complexos também são ensaiadas. 


Professor Josimar Costa, coordenador do curso de Administração da Unifor (Foto: Ares Soares)

“Parcerias como essa, celebradas como projeto de extensão, dizem muito sobre a missão institucional de contribuir para o desenvolvimento humano por meio da 
formação de profissionais de excelência e da produção do conhecimento engajado com a sociedade. Para além do escopo do ensino e da pesquisa, é nessa aproximação entre universidade, empresa e comunidade que os estudantes se apropriam na prática de seu papel de liderança, adquirindo competências técnicas e atitudinais não só voltadas ao empreendedorismo, mas capazes de agregar valor à sociedade e contribuir com o desenvolvimento econômico e sustentável”, enfatiza o professor.

Aluna do 6º semestre de Administração, Michelle Weyne, 27, vibrou com a experiência de experimentar na prática ideias desenvolvidas a partir das teorias estudadas em sala de aula. “Até então, eu não me achava capaz de ter tão boas ideias e muito menos imaginava como torná-las reais. E o bom das atividades de extensão é esse treino para o mercado de trabalho a partir de realidades muito diferentes entre si que só sabemos existir quando saímos da bolha da universidade. Na disciplina, fomos incitados a criar projetos viáveis para serem executados em cada detalhe e, para isso, primeiro fomos pesquisar sobre aquela população e no que agregaria valor à vida daquelas pessoas. Assim é que criei o projeto de uma clínica popular e de um restaurante sustentável com produção de frutas e verduras orgânicas. Calculamos tudo, como se fosse real, do gasto com material de construção à folha de pagamento dos funcionários. E assim finalmente caiu a ficha de como aplicar aquele conhecimento todo de excelência que vinha adquirindo”, sustenta.  


Michelle Weyne, aluna do curso de Administração (Foto: Acervo pessoal)

Michelle também cursou a disciplina Responsabilidade Social e Ambiental, criada em 2020 para ser ofertada a todos os alunos de graduação da Unifor. Nela, pôde vivenciar mais um desafio na esteira da extensão: colaborar com o empreendedorismo junto à vizinha comunidade do Dendê. “Foram seis meses conhecendo a fundo a realidade e o dia a dia do pequeno empreendedor, aquele que ainda tem dificuldade até de acesso à internet e pouco entende sobre a potência das redes sociais para impulsionar seus negócios. E lá dentro criamos juntos planos de negócio, marketing, mídia, logomarca... Foi uma espécie de consultoria, mas aprendemos muito com as dificuldades daqueles comerciantes também. Saio dessa disciplina já querendo ser monitora e de olho nos ODS de 2021 para também aprofundar e aplicar conhecimento na área de responsabilidade ambiental”, frisa.

Na Universidade de Fortaleza o projeto Jovem Voluntário existe desde 2003 e hoje todo e qualquer discente ou funcionário da instituição pode se engajar ao propósito de levar atividades lúdicas a cinco instituições parceiras: Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), Hospital Infantil Albert Sabin, Casa de Apoio Sol Nascente, Associação Peter Pan e Lar Torres de Melo. A motivação é simples e nobre: dar assistência a crianças e adolescentes internados, em tratamento ou atendimento ambulatorial, como também emprestar leveza à rotina desgastante de adultos acompanhantes. Aos idosos, a mesma injeção de ânimo e empatia é aplicada por diferentes gerações de estudantes que cedo entendem o valor do voluntariado.

“O projeto Jovem Voluntário é vinculado à Vice-Reitoria de Extensão e Comunidade Universitária, fazendo parte da Divisão de Responsabilidade e tem como objetivo justamente sensibilizar a comunidade acadêmica a contribuir para qualidade de vida as sociedade, ao mesmo tempo em que forma jovens para o exercício da cidadania e propagação de uma cultura do voluntariado. Ao humanizar as condutas médicas e/ou curativas através do trabalho lúdico toda uma formação ética se torna marca do aluno Unifor”, considera a professora e coordenadora do projeto, Renata Ferreira, lembrando o reflexo do gesto empático na carga horária dos estudantes: 80 ou 100 horas, no caso de monitores, regra válida em todo o Brasil, de acordo com a lei do voluntariado que rege a prestação de serviços voluntários dedicados à sociedade.

Estudantes do curso de Enfermagem da Unifor, Larissa Vieira, 22, e Sara Mesquita, 22, tem a real noção de que participar do projeto Jovem Voluntário como atividade extensiva é muito mais do que proporcionar momentos de alegria e descontração através de leituras, contações de histórias, brincadeiras, fantoches, jogos educativos, pinturas ou trabalhos de artes junto àqueles que se encontram frágeis, desamparados ou institucionalizados. 

“Aprender a estender a mão ao próximo e enxergar-se na fragilidade do outro talvez seja o maior aprendizado que uma estudante do Centro de Ciências da Saúde pode ter. Como voluntária trabalhei tanto com as crianças como com os idosos e acho que nenhuma prática clínica me ensinou tanto sobre as especificidades de todos os ciclos da vida”, afirma Larissa, já vislumbrando inserções futuras em grupos de estudos e monitorias que abrem portas para a extensão universitária. 

Larissa Vieira, estudante do curso de Enfermagem e integrante do projeto Jovem Voluntário (Foto: Acervo pessoal)

Na Unifor, complementa Sara, é pouco se ater às disciplinas obrigatórias de uma determinada matriz curricular. “Sobretudo na área da Saúde, temos um leque diversificado de oportunidades de aplicação prática do conhecimento através da pesquisa e da extensão. Então, além de cumprir carga horária buscamos enriquecer o currículo e viver ao máximo a interdisciplinaridade que tanto enriquece nossa formação. Participo da Liga de Promoção da Saúde e depois de ser monitora do projeto Jovem Voluntário hoje trabalho como estagiária bolsista. Tanto quanto o conteúdo visto em sala de aula são as atividades extensionistas que dão à Unifor o status de ensino de excelência, tornando a graduação não só diferenciada, mas edificante para nós, como profissionais e pessoas”, destaca a futura enfermeira.

Sara Vieira, estudante de Enfermagem, também participa do Jovem Voluntário (Foto: Acervo pessoal)
 

Criado em 2001, o Programa Cidadania Ativa do CCJ é um grande guarda-chuva de projetos que promovem de forma inovadora e voluntária a prática de responsabilidade socioambiental na Unifor. Integrando docentes e discentes, o foco recai sobre atividades voltadas para a conscientização de direitos nas comunidades, além da intervenção direta na execução de projetos especiais e do desenvolvimento de políticas públicas para governos e instituições não governamentais. Assim, alunos e professores voluntários do curso de Direito abraçam a promoção dos Direitos Humanos por meio de palestras, oficinas, vídeos, podcasts, visitas, folders e cartilhas. O objeto é comum: fortalecer a cidadania, levando o conhecimento jurídico a quem mais precisa e não tem condições estruturais ou financeiras de ter acesso. 

Direitos Civis para o Exercício da Cidadania, Direitos Humanos no Combate à Violência Doméstica, Historia e Cidadania, O Ambiente Inteiro Sadio, Quinta Literária, Resgate Familiar, Brincando com livros. Semestralmente, estudantes de Direito podem se matricular em até dois projetos do PCA. Prestes a colocar a mão no canudo, Paloma Benício Oliveira, 26, sairá da graduação em Direito mais do que fã do projeto Cidadania Ativa. Depois de vivenciar a experiência de mediação de casamentos coletivos pleiteados pela comunidade do Dendê e ter mergulhado na história escravagista do Ceará por meio do programa, ela enfim descobriu a especialidade que lhe traria o tão sonhado sentimento de realização profissional.


Paloma Benício, estudante do curso de Direito (Foto: Acervo pessoal)

“Durante todo o curso busquei a minha real vocação, ou seja, em que área do Direito queria mesmo atuar. E só depois de me jogar no programa Cidadania Ativa é que percebi, na prática, a importância do combate à violência doméstica contra a mulher. Ou seja, só me apaixonei de fato pelo tema depois de me aproximar e tentar responder às demandas desse público que não tem fácil acesso à Justiça. Assim, fui me instrumentalizando para entender que posso atuar, como advogada e cidadã, na disseminação de uma rede de apoio para mulheres. Só lamento não ter experimentado a extensão desde os primeiros semestres. É vivenciando – e não só acumulando - conhecimento desde cedo, em diálogo com as reais fragilidades de cada grupo social, que podemos exercer nossas profissões de forma integral e íntegra”, acredita Paloma, que também vivenciou o dia a dia do Escritório de Prática Jurídica (EPJ) da Unifor, aprendendo sobre assistência jurídica gratuita voltada à população em situação de vulnerabilidade social.