null TikTok: profissionais de diferentes áreas investem na rede social do momento

Ter, 10 Agosto 2021 10:23

TikTok: profissionais de diferentes áreas investem na rede social do momento

Saiba como a plataforma tem sido utilizada para promover serviços e negócios de forma descontraída


“Faça você mesmo”: TikTok propõe a criação de vídeos curtos que viralizam na internet (Foto: Getty Images)
“Faça você mesmo”: TikTok propõe a criação de vídeos curtos que viralizam na internet (Foto: Getty Images)

Divirta-se! Eis a palavra de ordem do TikTok, a rede social do momento que é febre entre os mais jovens justamente pela versatilidade, criatividade e leveza intrínsecas ao seu DNA. No melhor estilo “faça você mesmo”, a plataforma de vídeos e dublagens brinca com filtros, legendas, trilha-sonora, gifs, cortes rápidos de edição, efeitos visuais, slideshows animados, jogos, memes, hashtags, maquiagens e uma gama de acessórios interativos que, juntos e misturados, têm resultado em tanto poder viral que profissionais das mais diversas áreas resolveram levar a “brincadeira” a sério, parando para entender como uma inteligência artificial “descolada” também pode vir a incrementar serviços e negócios.  

Há quem, de cátedra, anuncie sem titubear: criar conteúdo divertido para promover as diversas profissões é a mais nova “onda” que se derrama sobre o TikTok. Egressa do curso de Design de Moda da Universidade de Fortaleza, a criadora da marca Moon chest, Amanda Chaves, 22, já “bombava” com seis mil seguidores no Instagram quando, no início de julho, criou um perfil pessoal e postou seu primeiro vídeo profissional na plataforma que havia chamado atenção dos internautas pelo “boom” de adeptos conquistados desde o surgimento da pandemia da Covid-19, em 2020. 

“Fiz uma parceria com uma influencer de Fortaleza muito conhecida no TikTok e ela me sugeriu entrar. Topei. E em um único dia, consegui 700 seguidores e mais de mil visualizações. Não esperava um engajamento tão imediato. Já estou com mais de 700 seguidores e tenho me divertido muito produzindo e postando vídeos. Também tenho formação em marketing e isso me fez pegar gosto pela coisa. Admito que é uma sobrecarga de trabalho, porque você tem que estar sempre postando algo novo e isso me consome quase as 24 horas do dia, mas há muito queria ‘humanizar’ a minha marca e agora acho que encontrei o melhor caminho”, afirma a empreendedora. 

“Trabalho com moda agênero, sob medida e feita para durar,a partir de tecidos naturais. Minha loja é 100% online e investi no TikTok para aproximar a marca do cliente e gerar maior cumplicidade com o propósito e estilo de vida por trás dela”, Amanda Chaves, egressa do curso de Design de Moda da Unifor. 

A humanização pretendida, segundo Amanda, veio justamente na esteira da linguagem bem-humorada e espontânea típica da plataforma. “Mostro os bastidores de criação das roupas, apareço nos vídeos fazendo duetos com as influencers e me coloco como personagem, dançando com os looks. Com isso, a identificação foi tanta que, nos comentários, passaram a me chamar de ‘moon’, ou seja, me rebatizaram com o nome da marca. Entendi isso como prova de engajamento, quebrou-se aquele distanciamento entre quem produz e quem consome e tenho muito mais feedback”, opina.      

Segundo Amanda, o uso da plataforma que tanto pode gerar empatia também já lhe causou repulsa e indignação. “Muitas pessoas usam o TikTok de forma pejorativa. O TikTok demora muito para banir esse tipo de exposição. E há muitas formas de burlar o algoritmo. Então, acho que ainda é necessário um poder maior de fiscalização lá dentro. E, claro, da parte de quem usa pessoal ou profissionalmente, saber que pode denunciar e dar o exemplo de como promover-se sem apelação ou excessos”, sublinha.

Os usos controversos da plataforma que ri e diverte, mas também pode fazer chorar voltaram a cair na berlinda no último dia 3 de agosto, quando a cantora de forró Walkyria Santos (ex-vocalista da Banda Magníficos), perdeu o filho de 16 anos, que, fragilizado por uma depressão, acabou cometendo suicídio após ver um vídeo seu ser mal interpretado e duramente atacado por haters. A mãe, ainda em estado de choque, chamou atenção em reportagens posteriores sobre o quanto os comentários maldosos, sobretudo, em redes sociais voltadas aos mais jovens, podem representar danos irreversíveis para seus usuários. 

Sinal de alerta. Para a professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, Alessandra Oliveira, episódios trágicos como esse demonstram o quanto o virtual é real e como princípios éticos vêm sendo banalizados. “O que acontece nas redes impacta na vida das pessoas que estão cada vez mais viciadas em likes. O próprio funcionamento das redes induz a uma necessidade às vezes excessiva de afirmação. Quando você é cancelado ou vira alvo de ‘haters’ pode parecer que o mundo inteiro desmorona. Isso porque, para algumas pessoas, o mundo virtual é mais relevante ou tão referencial quanto o mundo material. Tudo é muito efêmero nas redes. E frágil, infelizmente”, lamenta.

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Quais as razões que levam o TikTok a ganhar cada vez mais espaço e atenção entre grandes veículos de comunicação no mundo todo? O estudante de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, Caio Brasil, 23, busca respostas contextualizando: “o TikTok é fenômeno de downloads desde seu lançamento em 2019, impactando até na desaceleração do crescimento de concorrentes, como o Instagram. Uma rede social pode ser medida a partir do movimento de migração de grandes empresas para a plataforma”. 

“Quando os perfis de marcas começam a surgir, é sinal de que aquela rede social já atingiu massa crítica de público. E com um grupo demográfico tão grande nessa nova rede de comunicação o jornalismo também deve começar a ocupar seu espaço lá dentro para informar e checar informações” - Caio Brasil, estudante de Jornalismo da Unifor. 

A transição resultou em reinvenção. Na plataforma queridinha da chamada geração Z, que tem entre 16 e 24 anos, a conquista de novos públicos leitores e a busca por novas formas de disseminação da notícia exigiram dos profissionais da comunicação muito jogo de cintura para adaptar forma e conteúdo à dinâmica das redes sociais sem perder de vista o ethos jornalístico. “Como informar com seriedade e rigor dentro de uma plataforma que valoriza uma linguagem mega espontânea, a brevidade das mensagens, os cortes rápidos, o dinamismo e até certo humor, que é o que vemos nas típicas dancinhas do TikTok? Pioneiro nessa incursão, o Le Monde criou regras próprias, anunciando em uma lista de mandamentos sobre como iria usar as novas ferramentas disponíveis sem perder de vista o compromisso com a qualidade da informação e a seriedade dos fatos ou de determinados temas”, reforça Caio.

Ao contrário do sisudo apresentador padronizado pelos telejornais, o TikTok fez emergir o jovem comunicador capaz de interpretar diversos personagens. Assim, com breves roteiros espelhados em esquetes humorísticos, foi possível falar com espontaneidade tanto sobre Lei do Aborto quanto esmiuçar didaticamente as diferentes vacinas surgidas contra a Covid-19. “Aquele certo sarcasmo gerou interatividade e tornou a informação palatável, servindo como isca ou aperitivo para convidar o usuário a ler as reportagens completas em outras plataformas. Entretanto, mesmo que ficasse só no TikTok o recado já estaria dado, pelo uso eficiente das ferramentas disponíveis, como hipertextos, efeitos visuais ou hashtags. Isso sem precisar apelar para as dancinhas”, garante.

É contra a banalização das profissões ou os princípios éticos que regem cada uma delas que a professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade da Unifor, Alessandra Oliveira, se insurge quando trata da migração do jornalismo para as redes sociais. “Essa busca desenfreada pelo engajamento em forma de likes desvirtua o fazer jornalístico quando fere ou deixa de estar a serviço do que é de interesse público, já que, em geral, os grandes temas da humanidade, como desigualdade social, não devem ser tratados como frivolidades ou interpretados em tom jocoso”, pontua. Outro senão diz respeito à exaustiva e inatingível noção de sucesso individual imposta pela “sociedade do cansaço”, aquela sobre a qual trata o filósofo de origem sul-coreana Byung Chul-Han.

“Sobretudo nas redes sociais, o que inclui o TikTok, o sucesso pelo qual somos cobrados é sempre comparativo. Ou seja, parece depender ou estar atrelado ao fracasso do outro. Você olha o perfil alheio para ver quem tem mais seguidores, a quantidade de curtidas... e assim estamos reféns da conexão permanente e da visibilidade ou protagonismo do ‘eu’ na vida digital. Isso gera um mal-estar social e exacerba a espetacularização do cotidiano”- Alessandra Oliveira, professora dos curso de Comunicação Social da Unifor. 

Para Alessandra, não se trata de condenar a presença dos profissionais ou de determinadas profissões nas redes sociais, mas, sobretudo entre os mais jovens, nunca é demais alertar para o uso consciente e responsável de cada plataforma. “Não podemos abrir mão de conteúdos relevantes em nome de uma corrida maluca por audiência”, enfatiza. Para ela, inclusive, as profissões ainda aparecem no TikTok muito ligadas ao símbolo da juventude. “Se antes os sábios eram os mais velhos, hoje aparecem nas redes como obsoletos, são os desconectados. E assim há toda uma desvalorização desses grupos no mercado de trabalho. Esse descarte é complexo, assim como a ideia de que todo mundo tem que ser líder, coach ou produtivo até o limite do insuportável”, conclui a professora. 

Um espaço de escuta potencializado pela mais jovial e anedótica das redes sociais. Com supervisão da professora do curso de graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza, Aline Domício, o estágio final das então estudantes Julliane Altino Gomes, 25; Beatriz Pinheiro Bezerra, 22 e Samira Paiva Andrade, 23, levou adolescentes da Associação Vidança, instituição parceira da Unifor, a se valer do TikTok para falar sobre si e compartilhar reflexões de foro íntimo.

“Nosso objetivo era conseguir criar um vínculo afetivo e de confiança com esses jovens em situação de risco e exclusão social que moram no bairro Vila Velha e são beneficiados com ações formativas em artes pela Cia. Vidança. Mas para fazer a comunicação fluir foi preciso quebrar a aparente hierarquia do saber acadêmico que representamos. Descobrimos então que o TikTok já fazia parte do cotidiano deles e foi assim que tivemos a ideia de usar a plataforma para falarmos de forma leve sobre temas complexos como racismo ou preconceito. Aos poucos, aquele verniz do psicólogo foi sumindo e até o termo professora, que usavam se referindo a nós, sumiu”, comemora Julliane.  

“Se usado com cautela, sem ferir o nosso código de ética, penso que [o TikTok] abre portas, porque alcança mais rapidamente um público que dificilmente seria alcançado de outra forma, aproximando diferentes grupos sociais” -  Julliane Altino, egressa do curso de Psicologia da Unifor. 

É que os “trends” abriram as portas da subjetividade do grupo. “Passamos a falar a língua deles, a ver e comentar todos os vídeos que estavam bombando, e assim os adolescentes passaram não só a ser ouvidos e acolhidos em suas demandas e sentimentalidades como também a se expressar melhor, o que fortaleceu a auto-estima e o sentimento de empatia e pertencimento à comunidade. Como atividade de encerramento do estágio, fizemos uma oficina de TikTok onde a linguagem da dança, tão cara e íntima para eles, foi protagonista. E aí trocamos de papel: eram eles a nos ensinar as coreografias e fazer das famosas ‘dancinhas’ nosso modo de compartilhamento de ideias e emoções”, festeja a recém-formada psicóloga. 

Para Julliane e suas colegas de profissão, a experiência, de tão rica e divertida, provou ser possível usar no campo profissional da psicologia ferramentas de comunicação virtual como o TikTok. “Mas atenção: como temos acesso, enquanto psicólogas, a informações delicadas e íntimas é preciso não expor em demasia ninguém e saber que certos assuntos, pela própria complexidade, não devem ser tratados de forma engraçadinha ou simplista nas redes sociais, como suicídio ou depressão. Em contrapartida, as informações científicas podem se tornar atraentes e gerar mais curiosidade, assim como tabus acabam sendo desmistificados pelo modo lúdico como podem ser tratados no TikTok”, conclui.

A polêmica envolvendo a “tiktokzação” das profissões já chegou às raias dos Tribunais de Ética e Disciplina de algumas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). É o que informa a professora do curso de Direito da Universidade de Fortaleza e vice-presidente da OAB-CE, Vládia Feitosa, quando confrontada diante da tendência irrefreável dos perfis profissionais invadirem cada vez mais as redes sociais, muitas vezes tentando levar a crer que um perfil de influência pode vir a ser critério de avaliação da qualidade de determinado ofício ou ocupação.

A jovem advocacia, que naturalmente tem formas de se comunicar e se colocar no mercado afinadas à cultura digital, trouxe a pauta para a OAB, questionando o entendimento geral de que a própria formalidade e credibilidade que a advocacia requer e impõe não parecem condizer com a linguagem adotada por determinadas mídias sociais. Não é proibido fazer uso delas, mas para a advocacia o que a norma pontua é a proibição não formal não significa que você possa fazer uso de maneira ampla, irrestrita e ilimitada dessas ferramentas”, explica Vládia.

“É importante ter bom senso e atentar para o público ao qual você está se dirigindo, a fim de que o uso das redes sociais, incluindo o TikTok, não acabe por desqualificar ou denegrir a imagem da profissão” - Vládia Feitosa, advogada e vice-presidente da OAB-CE. 

Como vice-presidente da OAB-CE, Vládia lembra que, em julho último, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou o novo provimento sobre regras de publicidade para a advocacia, o que considera um avanço. Para ela, houve flexibilização mas também providenciais restrições, como a que veda a publicidade mediante uso de meios ou ferramentas que influem de forma fraudulenta o seu impulsionamento. A divulgação de conteúdos que, apesar de não se relacionarem com o exercício da advocacia, possam atingir a reputação da classe à qual o profissional pertence também foi vedada, enquanto o artigo 9º criou o Comitê Regulador do Marketing Jurídico.

Na prática, acrescenta a advogada, não é tão simples contornar e se posicionar diante de um tema tão complexo. “O que vemos são alguns advogados aderindo mesmo às ferramentas e mídias digitais, incluindo as dancinhas do TikTok. Eu não aderi ao TikTok, mas tenho meu perfil profissional no Instagram. Uso como ferramenta de trabalho porque nós, advogados, como qualquer outro profissional liberal, temos que nos adaptar sim às mudanças que o mercado impõe. Trata-se de uma atualização necessária e incontornável aos novos tempos, mas tudo requer bom senso e total respeito ao Código de Ética e Disciplina da classe”, pontua.