null Mulheres na Ciência: Conheça a trajetória de Eliane Diógenes e sua ligação com a interface ciência e arte

Ter, 31 Março 2020 14:54

Mulheres na Ciência: Conheça a trajetória de Eliane Diógenes e sua ligação com a interface ciência e arte

Professora dos cursos de Psicologia e de Cinema e Audiovisual da Unifor, Eliane nos aponta a transdisciplinaridade como uma perspectiva contemporânea da ciência.


Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica, Eliane Diógenes é professora dos cursos de Psicologia e Cinema da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)
Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica, Eliane Diógenes é professora dos cursos de Psicologia e Cinema da Universidade de Fortaleza (Foto: Ares Soares)

Desta vez, a série Mulheres na Ciência apresenta a história de Eliane Diógenes, professora que compõe o corpo docente dos cursos de Psicologia (CCS) e de Cinema e Audiovisual (CCG) da Universidade de Fortaleza. Com formação em Psicologia (UFC), sua trajetória é marcada pela conexão ciência e arte, pela transdisciplinaridade entre esses dois campos.

Movida a partir da paixão pelas fronteiras entre as áreas do saber, logo após a formatura, escolheu seguir a trajetória acadêmica. Desde então, vem desenvolvendo trabalhos no ensino e na pesquisa. Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Diógenes acredita que a pesquisa tem o poder de expandir os modos de existência humana. 

Confira a entrevista a seguir:

UNIFOR - O que te fez escolher estudar Psicologia?

Passei a minha vida toda estudando e sendo preparada para fazer Medicina, pois gostava de Biologia e Química. Mas, também, me encantava estudar História e Literatura. No último ano do ensino médio, escolhi cursar uma área do conhecimento que me permitisse pensar e compreender melhor a existência humana no meio social. Assim, escolhi a a Psicologia. Logo, no começo da universidade, me apaixonei pela psicanálise, pelas reflexões de Freud sobre a dinâmica psíquica, pela sua descoberta do inconsciente. Além da psicanálise, fui capturada pelos estudos da  epistemologia, que traz uma rica discussão sobre a história e os rumos da ciência. Essas foram as minhas duas maiores áreas de interesse. Nesse período, desenvolvi um grande amor pela ligação entre ciência, filosofia e arte. Até hoje, esse amor me move na profissão.

UNIFOR - Qual a sua área de pesquisa?

Como eu sempre gostei de arte, busquei enveredar os meus estudos nas conexões entre ciência e arte. Fiz o mestrado e o doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC de São Paulo. Sempre orientada pelo grande psicanalista, artista plástico e professor Oscar Cesarotto. No mestrado, o foco foi a relação entre psicanálise e literatura. No doutorado, me dediquei à ligação entre psicanálise e cinema documentário.  Em minha trajetória acadêmica, sempre fui em busca de entrelaçar a ciência com a arte. Esse entrelaçamento é muito vivo na sala de aula e no caminho das minhas pesquisas. Minha história como professora realmente ressalta essa encruzilhada entre a psicanálise e a arte (literatura, cinema, teatro, artes plásticas, performance, música). Muitos alunos de Psicologia, que gostam de arte, me procuram para orientar seus TCC's e estágios.

UNIFOR - Como surgiu o seu amor pelo elo entre a ciência e a arte?

No curso de Psicologia da UFC, conheci um grande professor, Ricardo Lincoln. Suas aulas eram costuradas com uma trama de conexões: psicanálise, poesia, cinema, filosofia, cultura, cotidiano… Foi um encontro marcante na minha vida. Acho que a minha vida é dividida entre antes e depois de conhecer a potência das reflexões do Ricardo. Ele me educava a pensar a ciência psicanalítica na perspectiva transdisciplinar, a ligar a ciência com a arte de uma forma que os fios dos pensamento não poderiam ser mais separados. Até hoje, eu não consigo estudar, ensinar, pesquisar psicanálise sem a arte, sem a cultura. É impossível. Não consigo dissociar uma coisa da outra. Elas andam juntas o tempo todo. Eu trabalhei  dois anos na EDISCA, que é uma ONG, uma escola de dança. Lá, pude colocar isso em prática e, mais uma vez, vi que a ciência não se constrói sem a arte. A minha trajetória como cientista segue nessa linha da transdisciplinaridade, que é uma perspectiva da ciência cada vez mais presente na realidade contemporânea.

UNIFOR - Como vê a atuação das mulheres na ciência?

Na área da Psicologia, em que vivencio, somos, em maioria, mulheres. Há uma clima de autorização e estímulo à voz da mulher. Entretanto, noto que estamos cada vez mais recebendo novos alunos homens, o que é maravilhoso, porque isso quebra uma discussão datada de que existem “cursos femininos” e “cursos masculinos”. A Psicologia é desbravadora demais para que predominem questões de desigualdade de gênero. Na minha área, a voz da mulher sempre teve muita força, muita contribuição para a ciência. 

Contudo, da década de 1980, quando iniciei meus estudos, até hoje, infelizmente, ainda sinto que, na ciência, de forma geral, alguns referenciam os cientistas homens como os mais capazes, competentes, dignos. Ainda bem que isso já foi muito superado, mas isso ainda persiste. Não sejamos ingênuos. Em contrapartida, pelo menos, no meu ciclo de convivência, vejo, cada vez mais, meus amigos escolhendo cientistas mulheres: engenheiras, arquitetas, médicas, dentistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogas, advogadas, contadoras, administradoras… Como uma forma de luta mesmo, de dar mais e mais e mais espaços para a visibilidade das cientistas mulheres. Até o dia em que esse clima preconceituoso, conservador ainda insistente no campo da ciência se extinga.

UNIFOR - O que a pesquisa científica significa na sua vida?

A pesquisa, para mim, significa buscar conhecimento. Desde criança, eu sempre gostei muito de estudar, de buscar entender as coisas. Ir para escola era uma festa. Tudo me interessava. Sempre senti prazer em buscar saber: Geografia, Matemática (uma ciência fascinante), Português, Biologia, Química, Física, História… eu gostava de tudo. Principalmente, quando o professor era interessante, criativo, inteligente, comunicativo, sensível, enfim, um educador competente. Aí, eu transbordava de alegria. Tem uma frase do cantor e filósofo Mano Brown, que, pra mim, é valiosíssima: “É muito importante quem está por perto”.  Meu grupo de amigos também era muito ligado aos estudos. Naquela época, não existia internet, então, eu estudava somente pelos livros mesmo. Os livros, cadernos, papéis, lápis, borracha, canetas eram os meus materiais. Na faculdade, continuei cercada por esses materiais. Imagina se eu tivesse sido educada também pelo universo da internet, Google, YouTube, linguagem audiovisual, imagens… Teria sido muito mais rico, dinâmico, apaixonante. Mas… tudo bem! Desde 2000, estou correndo atrás do prejuízo. Os recursos tecnológicos injetam uma potência enorme no meu trabalho como professora e pesquisadora. Cada vez mais, exploro com meus alunos: livros, artigos científicos e também linguagens audiovisuais (cinema, vídeos), imagens (fotografias, artes visuais). Coordeno um Grupo de Pesquisa no curso de Cinema e Audiovisual dedicado ao cinema documentário.  Na verdade, eu sou professora e pesquisadora para passar a minha vida toda buscando, buscando, buscando conhecer e compartilhar, trocar conhecimentos com meus alunos e colegas professores.