null Entrevista Nota 10: arquiteto e professor Pedro Boaventura aproxima alunos da arte no Espaço Cultural Unifor

Seg, 16 Julho 2018 11:02

Entrevista Nota 10: arquiteto e professor Pedro Boaventura aproxima alunos da arte no Espaço Cultural Unifor

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFC, Pedro Boaventura é especialista em Iluminação e Design de Interiores pela Universidade Castelo Branco e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Foto: Ares Soares)
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFC, Pedro Boaventura é especialista em Iluminação e Design de Interiores pela Universidade Castelo Branco e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Foto: Ares Soares)

Escavar as imagens ao fundo. Observar para além da superfície. Entender a genealogia dos objetos, recuperando a memória viva das coisas. Professor de Teoria e História do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor, o arquiteto e designer Pedro Boaventura vem construindo uma passarela invisível e potente entre a sala de aula e o Espaço Cultural Unifor, situado no prédio da Reitoria, que abriga, permanentemente, obras de arte e exposições de valor inestimável, seguindo os mesmos padrões exigidos pelas melhores galerias do mundo. 

Daí porque o Espaço Cultural tem lhe servido para aproximar e ampliar os repertórios de professores e alunos das mais diversas áreas de conhecimento, quebrando amarras e automatismos quando a ordem é desvendar as diferentes formas de organização do mundo e as respostas que as sociedades têm dado para transformá-lo de acordo com suas necessidades práticas e angústias.

Em visitas periódicas ao Espaço Cultural Unifor, o convite de Pedro Boaventura é bem este: ver ou “transver”, entre exposições diversas, a beleza inexplicável e algumas vezes incômoda que a arte traz consigo, quando, como a lua, sua luz misteriosa chega a nos ofuscar. Um passeio tão lógico quanto complexo ou subjetivo, capaz de unir matemática e loucura, como bem reflete o próprio ensino e prática da Arquitetura.

Vamos curtir um pouco dessa viagem na entrevista a seguir. Confira.

UNIFOR: Professor, queria começar perguntando sobre os caminhos da docência que levaram você e seus alunos ao espaço museológico da Unifor. O que esse flerte entre a arte e a ciência pode gerar em termos de conhecimento e capacidade de intervir no mundo?

PEDRO BOAVENTURA: Acho que isso tem a ver com a relação entre percepção e arte, os modos como percebemos fisicamente as coisas. Isso até hoje me interessa. Por exemplo: consigo localizar um quadro pela roupa. Ligo a época histórica pela indumentária ali retratada. Penso que por um bom tempo se propagou a ideia de que o ensino e a formação são especialistas. As pessoas deveriam se especializar. Isso acontece, é normal. Mas hoje a ótica dos professores mais críticos e de teóricos representantes da educação internacional, como da Unesco ou ONU, propaga que o melhor profissional é o generalista, até porque ninguém conhece 100% de sua especialidade. Quando você retira do ensino filosofia, sociologia e arte - e isso está acontecendo no Brasil e em parte do mundo -, você torna cada vez mais bitolado, menos informado no sentido da complexidade humana. Ele se torna, no máximo, um técnico. Como técnico, talvez ele venha a ser muito eficiente para reproduzir o que esta aí, para dar respostas à pressão do capital, equilibrando tempo, dinheiro e produto. Mas dificilmente ele vai fugir desse esquema e pensar diferente, contribuindo para pequenas e necessárias mudanças.

UNIFOR: Na docência, e no ato de levar professores e alunos para o encontro com obras de arte no Acervo Cultural Unifor, o que se mostra mais desafiador na construção dessas ferramentas?

PEDRO BOAVENTURA: Abrir a cabeça para essa outra dimensão mais subjetiva. E eu procuro dar a isca. Primeiro, eu penso que as pessoas são movidas pelo gozo, as pessoas vão para ter prazer. Nesse mundo hedonista é assim. E a arte é uma fonte inesgotável disso. Basta que você esteja aberto e tenha curiosidade diante do mundo, queira entendê-lo também a partir dali. Então, olha, vamos escavar aquela obra de arte, encontrar conexões, atualizar aquelas informações. Começo a fazer relações junto às obras. Pego o construtivismo paulista, por exemplo, que tem tudo a ver com a área técnica, como matemática, curva logarítma, progressão aritmética, e fico observando os quadros a partir disso. É um chutezinho. Daí, quem se interessa, vai. É nesse sentido que a arte entra na preparação das mentes em geral, indo além da dimensão técnica ou mecânica de conhecimento.

UNIFOR: Qual o lugar da arte moderna em relação ao mundo na exposição “Da Terra Brasilis à Aldeia Global”? Podemos vislumbrar alguma vanguarda entre nós? 

PEDRO BOAVENTURA: Quanto à produção moderna, essa curadoria tem uma coisa interessante: muitos cearenses em todos os módulos. Aldemir Martins, Zé Tarcísio, permeando os modernos ali... e, não sei se foi intencional ou não, tem um ramo subliminar que passa de uma sala para outra na parte moderna que é a religiosidade. São cinco ou seis trabalhos relacionados a esse tema que deságuam na obra do renovador da xilogravura religiosa regional, o cearense Francisco de Almeida, que tem um trabalho lindo, uma espécie de barroco telúrico regional. Destaco também um trabalho muito interessante do Zé Tarcísio, uma obra contemporânea, feita de umas pedras amarradas em ferro, pregadas na parede: Relicário da Seca. Com ela, levo as pessoas a pensarem sobre como o nordestino se relaciona com a seca e avalio isso a partir da secura da pedra, do aço e do ferro. 

UNIFOR: De modo geral a gente não foi formado para as relações que podem se dar com os espaços, nem com os institucionais nem junto à paisagem urbana. Em que medida esse exercício do olhar proposto em suas aulas na Arquitetura e no espaço museológico atiça a nossa percepção para ler o texto da rua? 

PEDRO BOAVENTURA: A arquitetura tem um pé na técnica, mas não é só técnica, e tem um pé na arte, mas não é só arte. Busco relacionar arte com a história, com a necessidade de trabalhar, com o feito, com o gasto, com o dia. Claro que, a partir desse exercício, você vai ter mais sensibilidade com a paisagem. E se perguntar: para quem as mudanças serviram? Não existe mais a dicotomia do campo e da cidade, por exemplo. Hoje, a dicotomia é quem tem acesso à estrutura digna de vida nas cidades e quem não tem, porque a maioria da população mora em cidades. Então é urgente pensar a vida na cidade. No mundo inteiro. Alijar as pessoas, jogá-las pro morro? Deu no que deu. Tanto que o crime hoje não é mais famélico. É o crime do rancor social. As pessoas pegam o celular e atiram mesmo assim. Simplesmente porque não me importa a vida do outro. Tem vencido uma cultura individualista, que leva você a ser cada vez menos cooperativo e menos comunitário. As pessoas aqui em Fortaleza se trancam em condomínios fechados, no seu ar-condicionado, e a cidade vira meio que um bicho aterrador que você tem que sair logo dela e entrar no seu refúgio. Péssima essa relação com a cidade. Isso é falta de educação. E o currículo, de fato, deveria estar na rua e não só no museu. Ler e interpretar o texto da cidade deveria estar em todas as áreas de conhecimento.